Doentes curando doentes


por Luiz Henrique Matos

Ela estava gripada, dava dó. O olho inchado, a ponta do nariz vermelha, a respiração de boca aberta, ofegante, tadinha. De madrugada, lá do outro quarto, dava para ouvir os espirros, meio abafados pelo travesseiro. Dava para ouvir o ruído do nariz entupido, que escorria durante todo o dia. Dava para ficar preocupado. Ela nem tinha 70 centímetros de comprimento.

Minhas orações se intercalavam e contradiziam ao mesmo ritmo em que eu a balançava no colo. Pai, eu te peço que cure minha filha dessa doença. E eu ouvia um gemido, um chorinho, a voz rouquinha. Ai, Deus… passe essa dor para mim, mas não deixe que ela sofra. Os remédios, a dosagem, a inalação, o médico. Ué, cadê o telefone do doutor? A gente precisa ligar pra saber o que fazer. Tentava imaginar o que mais poderia ser feito para melhorar aquela situação. Senhor, cuide da minha menina…

E entre preocupações e tentativas, me surpreendia em atitudes curiosas. Naquela noite, ela estava deitada na cama, estirada, corpo dolorido e cansada. Eu dosava pelo conta-gotas um pouco de soro fisiológico em cada uma daquelas narinas minúsculas. Passei a massagear levemente a parte superior do nariz para que a entrada do soro fosse facilitada, apoiei sua cabecinha sobre um travesseiro mais alto, tirei as mantas e bichinhos de pelúcia que pudessem fazê-la espirrar ou acumular poeira. Isso fez com que ela respirasse com mais facilidade. Passou a descansar melhor. Dormiu.

Aí tentei lembrar de onde eu tirei tais instintos. Será que vinham no pacote da paternidade? Hum, não, acho que não. Recordei minha infância, a chateação de uma rinite alérgica que me prejudica o olfato até hoje (acredite, às vezes posso confundir cheiro de perfume com tempero de comida). E me vieram à mente as noites da nariz travado, as madrugadas em que a mãe trazia o travesseiro mais alto para eu dormir, da vez em que os carpetes de casa foram tirados e da revolucionária substituição dos cobertores de lã Parahyba por moderníssimos edredons. Lembrei que, um dia, eu mesmo precisei passar pelo que, agora, fazia pela minha filha.

Doentes curam doentes.

Confesso que aquilo estava longe do meu ideal de paternidade e muito, mas muito distante do tipo de conhecimento que imaginei transmitir para minha prole. Mas aprendi que as dores, sofrimentos momentâneos e tempestades pelas quais passo, devem servir – e servirão – para que eu ajude outras pessoas que porventura estejam lutando o combate que em algum momento já venci. Depois de passar a enxergar, devo guiar o cego na escuridão. Deus espera isso de mim. De nós.

Naquela noite ali no quarto, eu a segurava no colo, pedindo ao Pai que a curasse e aliviasse sua dor. E percebi em meu coração que ele observava, desejando embalar em seus braços a menina que criou para chamar de filha. Ela é dele. Dele, o Deus que se entrega, e cuida daqueles que ama.

E aí aprendo outra vez, na dor e na alegria, que a paternidade me aperfeiçoa como filho.

“Porque todos aqueles que pedem recebem; aqueles que procuram acham; e a porta será aberta para quem bate. Por acaso algum de vocês, que é pai, será capaz de dar uma pedra seu filho, quando ele pede pão? Ou lhe dará uma cobra, quando ele pede um peixe? Vocês, mesmo sendo maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos. Quanto mais o Pai de vocês, que está no céu, dará coisas boas aos que lhe pedirem!” (Mateus 7: 8-11).

(Crônica escrita para o ComunidadeCarisma.Net)

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2 comentários sobre “Doentes curando doentes

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