por Luiz Henrique Matos
“Porque, sempre que comerem desse pão e beberem desse cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até que ele venha.” (1 Coríntios 11:26).
* * *
Hoje pela tarde, sexta-feira, eu me vi numa cruz. Olhei para cima e, olhos nos olhos, me vi em Cristo. Não, não me vi em seu lugar, eu me vi naquelas feridas, me vi como sangue jorrando de sua carne, me vi como um espinho afiado cravado em sua testa e perfurando o olho. Hoje me vi como um prego atravessando os tendões até romper o seu punho.
Pude me contemplar por inteiro naquele corpo que se contraía em câimbras e agonia. Vi naquelas feridas o meu orgulho, minha vaidade, meu egoísmo, minhas mais ocultas sujeiras. Vi, em seu brado de dor, ecoar minhas mentiras, as razões infundadas, minha impureza.
Ouvi, no sarcasmo de seus algozes, minha voz ressoar. Sondei a trilha de seu martírio e observei minha história, minha vida exposta em cada uma de suas lagrimas de dor. Eu pingava sobre a terra árida numa mistura de água e sangue.
Vi meu passado, todos os meus desvios, minha consciência pesada de tantos e tão duros erros que nunca eu quis lembrar de novo.
Estava tudo ali, numa cruz. Eu o apedrejei.
No corpo dilacerado de um homem inocente, vi a minha condenação. Em sua alma, doía o peso dos meus pecados.
Hoje olhei fundo nos olhos do homem em cujo rosto cuspi.
Eu vi.
E ele não me julgava. Sequer questionava. Em seus olhos cansados e cheios de lágrimas, vi o absurdo, o incompreensível, minha maior interrogação: eu vi amor.
É possível?
* * *
Hoje pela manhã, domingo, me vi num túmulo vazio. Havia faixas de linho dobradas no canto e um cheiro de perfume de ervas. Não, eu não vi o corpo do homem morto. “Ressuscitou!” gritavam algumas mulheres do lado de fora.
Mas para mim, ainda ecoava na mente o sussurro daquele cordeiro pascal. “Pai, perdoa-lhe”. Ainda tinha visões com o brilho daquela olhar. Como pode alguém ter compaixão quando mais carece dela? Com pode alguém amar quando tem todas os motivos para o ódio? Como pode um juiz se destituir do poder de julgar? Como pôde Deus morrer?
Olhei para a gruta vazia e só vi crescer minhas dúvidas. Pois se vi na cruz as minhas culpas sendo levadas, o que sou eu agora? Que será da vida breve que ainda tenho?
E caminhava para casa. Fora daquele túmulo, mais ningúem exclamava, todos correram, ningúem restou. Vi tão somente o jardineiro. Simples, cabisbaixo o homem. Eu passaria reto, admito, sem percebê-lo. Mas ele então ergueu o rosto e me chamou. Pelo nome! Ele me chamou pelo nome. Pude ver seus olhos. O olhar. Era ele.
Era Ele.
Senti o fraquejar de minhas pernas até cair de joelhos e me dobrar aos seus pés. Prostrado, assim estava eu, meu corpo, minha alma, meu todo, eu. Senhor meu! Tentei, mas não consegui dizer nada. Ele me tocou. Como um pai que ampara o filho, ergue-me pela mão, abraçou-me, consolou. “Pronto, querido. Acabou”.
Acabou.
Hoje olhei fundo nos olhos do homem que morreu em meu lugar há três dias.
E ele não me julgava, sequer questionava. Em seus olhos atentos e cheios de vida vi brilhar a alegria, o triunfo, a esperança da vida eterna, a paz, o compreensível, minha maior certeza: eu vi amor.
É possível!
* * *
Hoje é Páscoa. E percebo numa noite de tempestade, o refrigério cair do céu. O que me lava, o sangue, o vinho. O que me salva, o corpo, o pão. Em memória de Jesus Cristo, reparto a ceia e reflito que não foi há dois mil anos que aconteceu minha páscoa, mas no exato momento em que olhei para a cruz e vi quem eu verdadeiramente sou em Cristo: filho de Deus.
“Jesus fez também muitas outras coisas. Se cada uma delas fosse escrita, penso que nem mesmo no mundo inteiro haveria espaço suficiente para os livros que seriam escritos.” (João 21:25).
À Ele.
Muito bom o texto, Lou.
Nós estávamos lá.
Abraço
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Caro Luiz Henrique, vc escreveu exatamente tudo o que sinto quando chega a Páscoa! Que alegria, que satisfação de ler algo que quebra tudo e depois se renova. Que bom seria se todos sentissem isso que escreveu. Talvez esse mundo fosse melhor. Desde que comecei a frequentar a Igreja Batista Jardim Ambiental (Curitiba), não parei mais de me transformar, não parei mais de me colocar no lugar de Jesus. A revolução espiritual não tem fim. Você é um autêntico crente, você incomoda e isso é maravilhoso! Prazer em ler você! A gente se fala…
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Olá Carla,
Desculpe-me pela demora em responder o comentário.
Fico muito feliz em saber que tenha gostado do texto. Mas ainda mais por saber que Jesus tem sido motivo de inspiração em sua vida. Espero que continue em sua jornada. Acredite, ela é melhor a cada dia.
Paz,
Henrique
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