À procura de um significado


por Luiz Henrique Matos

Na maior parte do tempo, com a maior parte das pessoas, as coisas funcionam mais ou menos assim: a não ser que alguém apareça e atrapalhe a forma como encaramos o mundo e as nossas vidas, em geral tudo caminha bem. Enfrentamos algumas dificuldades, conquistamos meia dúzia de feitos, reclamamos um bocado de tudo mas no fundo não trocaríamos o que temos por outra coisa.

Detestamos admitir que fazemos parte da média porque queremos estar no grupo das pessoas diferenciadas, mas acredite, tem muita gente igual e com os mesmos padrões de comportamento que você e eu. Ao longo da vida, nos adequamos aos modelos de conduta e meio-ambiente à nossa volta. Convenhamos, não é preciso lá muito esforço para encontrar uma receita de vida em que as coisas funcionem.

Seguimos confortáveis, numa certa inércia, nos acomodamos em nossa condição até que, certo dia, aparece alguém, uma voz inquieta em nossa orelha, que tem a ousadia de perguntar:

“Por quê?”

Se esse alguém tem um metro e dezenove centímetros de altura, cabelos cacheados e bochechas grandes, a tendência, em grande parte, é que a pergunta tenha uma natureza imprevisível e provoque algum tipo de desconforto, no mínimo uma reflexão. E se você já se deparou com a artilharia de interrogações de uma criança descobrindo o mundo, sabe que na maioria das vezes, nós não temos uma resposta.

Ela diz: “Pai…?” e pelo jeito com que fala, eu sei que devo me preparar para o golpe.

“Pai…?”

Titubeio.

“Oi?”.

“Éé… assim… pai, por que as pessoas morrem? Por que elas vão para o céu? Por que é que japonês tem o olho assim ó, meio fechado? E o chinês!? Por que aquela moça está chorando? Por que é que tem gente que não tem casa, que mora na rua? Por que, pai?”

As questões vão das mais obvias às absolutamente desconcertantes. Algumas dúvidas, eu descubro que também sempre tive mas nunca soube. E o ambiente da nossa casa, que sempre navegou sobre as águas calmas do senso comum, se transformou, sem que eu me desse conta, numa enxurrada de interrogações.

“Por que eu tenho que tomar banho todo dia? Por que a sua barba arranha? Por que o arco-íris não aparece toda vez que chove? Por que a Fulana fala daquele jeito, com aquele sotaque estranho? Ela fala ‘porrrrque’. Pai, por que as pessoas ficam velhas?”

“Pai, por que você tem que trabalhar? Por que não pode ficar brincando aqui comigo só mais um pouquinho?”

“Porque o papai precisa ganhar dinheiro, filha.”

“Por quê?”

Talvez, se também perguntássemos porquê fazemos as coisas que fazemos, é bem possível que deixássemos de fazer a maior parte delas. Porque há algum tempo nós mesmos paramos de fazer perguntas assim. Nos ajustamos, deixamos de questionar o significado das coisas e passamos a vida repetindo um único tipo de pergunta: como?

Nisso reside a mais precisa teologia, o ponto congruente de nossas reflexões existenciais. Talvez Kierkegaard pudesse ter dialogado com a Nina – e, se não é essa uma definição ampla e cientificamente aceita, deveria. Ela não quer conhecer procedimentos, não quer caminhos, ela quer motivos e significados. Disse Paulo a seu discípulo Tito: “para os puros, todas as coisas são puras”, para quem entende que a satisfação da vida está no “ser” e não em ter ou fazer, a felicidade se revela simples e as dúvidas, ao invés de fardos, adquirem a dimensão de grandiosas explorações e descobertas.

“Pai, por que você casou com a mamãe? Por que eu não posso comer a sobremesa antes da comida? Pai, por que Deus fez as cobras? Por que eu tenho que ir para a escola? Por que a gente sente dor? Por que a gente precisa orar? Por que eu orei para Deus sarar meu machucado e ele não sarou?”

Deus não se ofende com perguntas.

Temos medo, vergonha e preguiça de expor nossas questões, mas a dúvida não é algo ruim ou imaturo, não é, em absoluto, a ausência de fé. A dúvida é justamente o reflexo da nossa busca por fundamentos que sustentem nossas crenças. Por isso, as repostas não são, jamais, receitas concretas, certezas definitivas ou instruções simples, mas caminhos, o vislumbre de um significado, um propósito a seguir.

E essa é uma questão que faz sentido quando se pensa na verdadeira religião e na vida. Essa é a pergunta que as Escrituras fazem e procuram responder o tempo todo.

Acho que Deus gosta desse tipo de pergunta, os “porquês”. Acho que ele gostaria que o questionássemos mais, que procurássemos entender suas razões. Porque na maior parte do tempo, suas respostas insinuariam o grande amor que ele sente e nos tornaria mais próximos. Acredito que se buscássemos entender os motivos, para o quê fomos criados, pode ser que a vida adquirisse um outro sentido. Repito: pode ser que nossas escolhas – das mais complexas à simples rotina – fossem diferentes.

Afinal, por que você reclama tanto da sua vida? Por que murmura sobre o clima, sobre seu emprego, a falta de dinheiro, seu casamento, os outros? Por que você acredita em Deus? Por que não acredita? Por que ainda não começou a cuidar da sua saúde? Por que guarda dinheiro? Por que você não conversa mais com aquela pessoa da família? Por que não esquece logo e perdoa? Por que você alimenta esses sonhos? Por que não foi atrás deles? Por que você faz o que faz e é o que é? Quem você é? Por quê?

A verdade é que passamos a vida empenhados na busca por procedimentos, esperamos que nos passem uma lista de regras de conduta e um código moral para obedecer. Reclamamos das leis mas elas são tudo o que mais queremos – nem que seja para fazer o oposto do que nos mandam. Mas Deus, ao contrário do que pregam tantos, não nos impõe regras. Porque ele ama, quer que sejamos livres para escolher nossos caminhos. Como Pai, escuta atento as nossas questões e, se pararmos para ouvir, notaremos que ele nos dá conselhos, compartilha, explica seus motivos e nos revela quem somos.

“Pai, por que eu não posso usar vestido todo dia? Por que o pai e a mãe da minha amiguinha Fulana não moram na mesma casa? Por que quando a gente foi no médico tirar aquela foto (raio-x) eu não vi Jesus dentro de mim? Por que eu tenho que ir dormir agora?”

Daqui alguns dias ela fará cinco anos. E o tempo todo, podemos sentir que ela está absorvendo tudo à sua volta, construindo sua própria visão dos fatos e definindo, ainda sem saber, seu papel no mundo. Em cada pergunta, há algo novo que ela assimila, um fato que molda a sua personalidade e amplia seu repertório. Em cada “porque” a busca por um bom motivo que sacie a sua sede ou uma fagulha que acende outra chama. Eu espero que ela jamais se contente e se acomode num padrão que alguém lhe imponha – mesmo que esse alguém seja eu, com as melhores intenções.

E porque eu a amo, farei o que puder para que essa curiosidade jamais se sacie. Quero que ela seja livre para fazer suas perguntas e entenda a vida a partir de seu olhar. Espero mais é que ela duvide das convenções. Quero que sua mente inquieta me questione, se descubra, me constranja, se revele. Me ensine.

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9 comentários sobre “À procura de um significado

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