Outro dia, era um domingo à noite, fomos ao shopping jantar. Eu confesso que acho as noites de domingo algo meio deprimentes, como também acho deprimentes shopping centers depois que as lojas estão fechadas e os corredores ficam meio escuros, com as vitrines a meia-luz. Mas foi que deu uma vontade em família de comer hambúrguer e fomos saciar o desejo em uma das lanchonetes aqui perto de casa.
Estava frio e o lugar vazio. Enquanto eu esperava na fila para fazer o pedido, a Manú e a Nina foram guardar uma mesa. Eu mal havia dado um passo e sacado o celular pra jogar uma coisa qualquer e já vi a minha filha passar correndo atrás de mim acompanhada de alguma nova amiga com quem brincava. Acho impressionante a capacidade das crianças de descobrirem afinidade com alguém só porque a pessoa tem basicamente a mesma faixa etária. Seria como se qualquer homem de 32 anos estivesse imediatamente apto para, sei lá, vir em casa assistir a um jogo do São Paulo na TV. Se perguntasse, talvez as duas nem soubessem o nome uma da outra, mas já tinham uma brincadeira preferida juntas e isso bastava.
Quando me sentei à mesa com as meninas para comer, a amiguinha nova da Nina ficou ali ao lado fazendo companhia. Ela já havia jantado e contou, quando lhe perguntamos o que fazia ali, que estava no seu dia de passeio com o pai. Esperei uns minutos e olhei ao redor para tentar adivinhar. Não foi difícil, a praça de alimentação estava quase vazia e poucas mesas atrás de nós um sujeito moreno, de meia-idade, jaqueta jeans, cabelo ralo e rugas nos olhos, estava sentando enquanto segurava uma pequena mochila cor-de-rosa entre os braços e fitava a menina com um sorriso. Acenei com a cabeça, ele retribuiu breve e voltou a observar as meninas que, naquela hora, já corriam pelo corredor outra vez. Ele tinha um olhar melancólico, tinha um cansaço de sei lá o quê, ele tinha um dia na semana para estar com a filha e um passeio num shopping de periferia aos domingos talvez fosse o melhor que ele tinha para oferecer a ela.
Talvez ela fosse o melhor fruto da vida que ele tentou construir um dia. Talvez seja a única lembrança concreta do que ele já teve de melhor. Não sei – não me cabem – as razões que separaram aquela família. Se o homem “pisou na bola”, se a mulher o deixou por outro, se descobriram diferenças irreconciliáveis e já não podiam ter uma vida em comum. Sei que me cortou o peito ver a forma como ele admirava a garota e, depois, o seu andar meio curvado, pendurando a mochila e umas sacolas num dos braços e segurando uma bola colorida no outro enquanto se esforçava para caminhar de mãos dadas com a menina.
Na volta pra casa aquela noite, além de um arrependimento brutal por ter ingerido um combo cheeseburger-batata-refrigerante-tamanho-super-família de forma absolutamente irresponsável, eu voltei no carro em silêncio pensando no homem. Nem troquei palavras com o sujeito, mas me passou pela cabeça naquele dia e às vezes me volta ao pensamento, a angústia de imaginar os dias todos, mesmo esses mais comuns, longe da minha família. Amo apaixonadamente a minha esposa, adoro minha filha e, a medida que o tempo passa, vamos construindo e acumulando tanta coisa juntos – viagens, refeições, experiências, livros, apartamentos, aprendizados, um cachorro – que já nem dá pra saber ao certo o que nessa história é a parte de cada um de nós. Se é que há mesmo uma parte, se é que tem algo que deva ser enxergado de forma isolada, se é que existe mais de uma história aí de fato. No fundo, eu acho que é isso. Somos só nós, andando de mãos dadas.
“Desfrute a vida com a mulher a quem você ama, todos os dias desta vida sem sentido que Deus dá a você debaixo do sol; todos os seus dias sem sentido! Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho debaixo do sol.” (Eclesiastes 9:9).