O tempo. E a nossa percepção do tempo


Longe de casa outra vez. No último ano tem sido assim e, vez por outra, o trabalho exige que eu me ausente por uns dias. Esses mesmos quatro ou cinco dias que passam como vento durante uma semana qualquer, em momentos assim parecem se arrastar na proporção da distância que percorro.

O tempo e seu aspecto relativo. O tempo, de fato, a coisa métrica ali no relógio girando os ponteiros, e a nossa percepção do tempo, afetada pela carga das emoções. Da pressa para que passe logo, do desejo de que nunca acabe, do anseio de eternidade que carregamos no peito.

Só no que consigo pensar nessa horas é nas pessoas que amo e que não estão aqui agora. A Manú, nossas filhas, elas crescendo, nós dois envelhecendo. Vamos passando os dias, as horas, os anos, um a um, nessa peregrinação. Me pergunto se não estamos apenas atravessando a vida na maior parte das vezes, se não perdemos a rota e vamos navegando a existência num entrar e sair de ar, num pulsar de sangue nas veias. Queria ter certeza de que, de fato, estamos dirigindo os nossos passos nessa breve caminhada.

Porque se não somos donos de nossa existência (você não escolheu nascer), ao menos Deus nos fez senhores dos nosso tempo. E se temos escolha sobre como empenhar os poucos dias que temos sobre essa terra, porque ainda nos submetemos tanto a questões periféricas? Por que, afinal, o que nos dirige e determina nossas escolhas são os assuntos secundários e não as mais importantes e definitivas razões pelas quais existimos? Dedicamos mais e mais tempo ao trabalho, às reuniões sociais, a ganhar e gastar dinheiro, a discutir qualquer assunto vazio ao redor de uma mesa, reclamar e ser veementemente a favor ou enfaticamente contra o _______________ (preencha aqui o assunto mais importante de todos os tempos da última semana) no Facebook. Vivemos às custas de aparências e superficialidades. Nos sujeitamos, como escravos, reféns de salários, carreiras e cargos, num jugo imposto por nós mesmos, como se isso definisse o que somos de alguma forma. Tornamos a vida pequena. E acho que haverá muito do que se arrepender no futuro se as coisas continuarem no rumo em que estão.

Enquanto isso… bem, enquanto isso nossas famílias recebem tão pouco daquilo que mais esperam de nós. Erramos, provendo o que sentimos que desejam sem lhes dar o que precisam. Dedicamos tão pouco tempo aos nossos relacionamentos mais preciosos, sem nos dar conta, talvez, de que perdemos mais um pedaço da vida – da nossa e das deles – a cada nascer do sol sem que tenhamos sentido que expressamos nosso amor. Enquanto isso, há tanto o que se produzir lá fora, tanta gente para se estender a mão, coisas significativas a serem debatidas. Falta tanto tempo em nossas agendas para ajudar o próximo, para discutir questões relevantes, fazer uma prece, para varrer a calçada, para praticar política, religião e futebol – ao invés de só produzir espuma sobre isso com nossos cliques e comentários.

Hoje é domingo. Estou a quinze, vinte ou trinta mil pés de altitude (não faço ideia, realmente. Quando leio o número naquele painel, tudo o que penso é num amontoado de pés humanos empilhados, grudados uns nos outros e se estendendo infinitamente para o alto. Já pensou? Dez mil pés!). Observo pela janela do avião uma cidade lá embaixo. Apesar do sol de fim de tarde, as milhares de construções, casas, prédios estão cobertos pelo branco da neve. É uma cena bonita. Fico olhando para as minúsculas janelas, para os carros se movendo nas rodovias como pequenos insetos. A vida alheia acontecendo, o ser humano em sua jornada cotidiana. Gente por todo lado conduzindo suas vidas ou sendo conduzidos por elas.

Temos escolha?

Só um instante a menos e fios de cabelo branco aparecem nas têmporas, um ano se passa e a Nina sopra mais uma vela, duas semanas e a Cecília cresce outros tantos centímetros dentro da barriga da mãe, 34 anos e uma nova dor nas costas aparece, circunstâncias, o inesperado todos os dias, nossos pais se aposentando, pessoas próximas começam a morrer com mais frequência.

O tempo. E a nossa percepção do tempo.

Pela janela, a vida passa depressa. É fácil se deixar levar nesse voo, nessa coisa de existir sem fazer perguntas, de acordar e dormir, ir e vir, ganhar e perder, de morrer aos poucos. O esforço está em parar um pouco, em sentir o vento no rosto, apreciar a paisagem e desfrutar a jornada de mãos dadas com quem amamos.

O tempo. E o que fazemos com ele.

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