O que eu ganho com isso?


Tenho alguns amigos e familiares de quem gosto tanto que evito desenvolver certas conversas porque sei que não vão seguir por um caminho razoável. Alguém vai ter que vencer o debate, então prefiro perder a razão à amizade. “Deixe ele ganhar”, eu penso. Alguns podem dizer que isso é covardia – eles próprios diriam – mas hoje em dia eu acho que é uma questão de estabelecer prioridades.

Mas o assunto hoje não é exatamente esse.

Lembro que, há coisa de três ou quatro anos, a Nina tinha uma amiguinha na escola de quem não desgrudava. Era sua melhor amiga, ela dizia. De tão próximas, chegamos a visitar a casa da menina para um aniversário e também os pais dela vieram à nossa comemorar o da Nina. Não posso dizer que tínhamos alguma afinidade além das meninas, mas diariamente, na porta da escola, havia aquela cordialidade simpática e um papo superficial de cinco minutos até que elas se despedissem saudosas.

Mas acontece que a amiguinha e a Nina frequentemente entravam em atrito e ela voltava pra casa reclamando disso ou aquilo. Como casal, a Manú e eu colocávamos uma regra de ouro em prática: assunto de criança é criança quem resolve. E incentivamos a Nina a resolver suas diferenças com a menina. Assim era: brigavam num dia e no outro se amavam novamente. Mas os motivos que causavam as briguinhas foram ficando mais sérios e pendendo para o lado de lá, a professora alertou que a Nina vinha sendo vítima de um comportamento ruim da colega e passamos a ficar atentos, pensando na melhor forma de intervir.

Certo dia, na porta da escola, a Manú aproveitou um momento oportuno ao lado da mãe e falou, da forma mais polida possível, que a Nina vinha reclamando das atitudes da amiguinha e que achávamos que valia a pena, como pais, ficarmos todos atentos à situação. A mãe deu um sorriso amarelo, entendeu que era com ela, pegou a filha na saída e nunca mais cumprimentou a Manú novamente. As meninas, por sua vez, no dia seguinte já eram melhores amigas para toda a vida novamente e assim seguiram até o final do ano, até as férias acabarem, até cada uma mudar de escola e arrumar outra melhor amiga eterna.

Mas o assunto também não é exatamente esse.

São as duas situações que se completam em algo que me incomoda ultimamente: essa discussão clubística e chata demais que virou o debate político no país. Na verdade, qualquer discussão e qualquer debate que se presencie, em qualquer tipo de relacionamento, se pensarmos bem. Mas na política principalmente isso extrapolou as redes sociais, passou pelo cafezinho na firma e agora ocupa as mesas de almoço dominicais. O assunto tem se estendido há mais tempo e talvez valha como referência e exemplo para esse texto.

Um lado e outro mais preocupados em ter razão do que em pensar em soluções. Uma disputa maior para mostrar o quão mais feio é crime do outro do que para propor uma alternativa que beneficie a todos. Um Super Trunfo ideológico pequeno e raso. O foco centrado o tempo todo nos argumentos (quem defende melhor o seu ponto de vista com base em posts de blogs e colunistas que admira… e se tiver uma revista internacional de prestígio falando a respeito a defesa ganha 5 pontos) e não nos problemas que todos, não importa o lado, enfrentamos: a tragédia real, que acontece sob nossos olhos diariamente e fere cada cidadão em seus direitos básicos.

E enquanto brigamos e perdemos (quem briga à toa sempre perde) as “crianças” – partidos, linhas de pensamento, times, personagens, religiões… coloque aqui o seu – que saímos para defender já estão por aí andando de mãos dadas outra vez.

Isso é orgulho. Talvez, arrisco dizer, o sentimento mais nocivo para um indivíduo alimentar. E temos nos tornado uma geração orgulhosa e egoísta.

Outro dia, conversando com o Anésio num jantar, comentei que já estava cansado de elaborar respostas e emitir opiniões sobre o que quer que fosse, porque no fim do dia ninguém está a fim de escutar e chegar numa conclusão produtiva, só queremos falar, falar e falar. A questão, pensamos juntos, está no homem, na natureza do homem e nas suas atitudes.

Nossa maior crise é moral.

E aí, não interessa se é política, novela, um Fla x Flu, a existência de Deus ou a melhor posição para colocar seu filho recém-nascido para mamar e dormir (temas em alta aqui em casa ultimamente), sempre vai ter aquela meia dúzia pessoas cheias de razão, cheias de certezas e de argumentos para te espremer na parede e fazer engolir seu ponto de vista. Afinal, somos só esses ignorantes, coitados, que precisam ser ensinados sobre como pensar. E se pudermos ser ensinados com um comentário irônico e depreciativo sobre a forma como nos expressamos, o interlocutor ganha louros em sua comunidade.

Tenho um amigo, o André, que volta e meia me diz: “gente chata sempre existiu, Rique. O que não existia era o Facebook”.

Orgulho, egocentrismo, o ser humano no centro do próprio universo e a cultura do umbigo. Essa é a geração do umbigo. O sujeito armado com sua metralhadora de cliques cuspindo fogo em todas as direções inconsequentemente. Não interessa, ele não estará lá para ver as feridas. Ele se esconde, não está lá do lado para limpar o estrago que provocou.

Mas no momento em que a pessoa do outro lado deixa de ser o centro da sua conversa para dar lugar à mensagem, algo fundamental se perdeu no fluxo de comunicação. O meio virou fim e a condição para a existência de um relacionamento acabou.

Um relacionamento saudável – ainda que por relacionamento a gente também entenda essa troca de comentários em redes sociais – só existe se houver o outro no centro. O outro deve ser o fim do que faço no contexto dessa relação. Se eu priorizo a mim, se só tem valor os meus interesses, então já não quero o outro “comigo”, quero ele “para mim”, servindo às minhas necessidades.

Temos nos apequenado demais nesses tempos.

É sempre preciso que existam dois ou mais, diria o sábio. Sozinho ninguém vai a lugar nenhum. É preciso mais gentileza, mais amor, mais generosidade, altruísmo e compaixão. Mas, de verdade, não no papel, não nas curtidas. É preciso olhar mais para o lado, olhar mais olhos nos olhos. É preciso uma sociedade mais “outrocentrica” para curar o ranço individualista desse século. E é preciso que haja espaço para as diferenças, que enxerguemos a beleza da diversidade e que entendamos, de uma vez por todas, que é juntos que caminhamos e crescemos.

O assunto é exatamente esse, na verdade.

Se ganhamos amizades ao invés de discussões, já conquistamos muita coisa. E nessas pequenas uniões, nesse diálogo, sempre construímos algo bom e também ganhamos. Às vezes, ganhamos melhores amigos para toda a vida, ganhamos uma sociedade melhor, às vezes ganhamos a chance de dar um bom exemplo, ganhamos um mundo mais gentil. No mínimo, ganhamos uma nova perspectiva: a de que ganhamos todos quando paramos de querer ganhar sempre.


Ainda nesse assunto, outros dois textos:
Eu quero menos
O engano da felicidade

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4 comentários sobre “O que eu ganho com isso?

  1. No meio do texto já senti a necessidade de curtir e deixar aqui meu comentário. Parabéns!!! Muita clareza no texto, muita delicadeza também. Conclui a leitura para terminar aqui rsrs. Compartilho da ideia, “nossa crise é moral” e não chegamos na profundidade das nossas questões como sociedade por não perceber onde está o problema. Mas um dia chegamos lá, por meio da gentileza e amizade acredito… Mais uma vez parabéns pelo texto!!!

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  2. Pingback: Nunca erguemos tantos muros – ou, o silêncio dos moderados | Correndo atrás do vento

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