Hoje a Nina faz onze anos. Todo mês de março eu caio nessa. Passo os dias todos olhando aquela menininha cantarolando pela casa até que percebo mais uma punhalada inescapável do tempo me atingindo. E ali, logo na outra esquina, já vislumbro ele de novo à espreita, dez dias depois, no aniversário da Cecília. Outro golpe. Porque cada ano que elas completam me leva a pensar quão pouco tempo faz que parece que elas nasceram e também quão rápido a vida toda tem passado desde que me lembro de quando eu tinha essa idade.
A paternidade mudou minha vida de tantos jeitos diferentes que eu me sinto em dívida com essas meninas. Porque muda nosso centro de atenção e afeto, muda a ordem e prioridade das coisas, a insegurança eterna de que elas estejam bem, estejam respirando, comendo, estejam dormindo e sorrindo e brincando em harmonia e não levando uma mordida na escola ou dando uma mordida em outra criança na escola. Ser pai, muda o horário em que vamos pra cama, muda a temperatura do prato que comemos (tudo é frio – talvez daí o fato de sushi e patê de atum sempre parecerem boas pedidas), muda a velocidade em que dirigimos e muda definitivamente a assertividade das recomendações de playlists do Spotify e vídeos do Netflix, agora eternamente povoados por desenhos animados e trilhas infantis.
E muda uma outra coisa principalmente: quando temos filhos, plantamos uma semente de esperança no mundo. Como se depositássemos uma moedinha de crédito no futuro da humanidade e que aquele engatinhar, os primeiros passinhos cambaleantes e a formação desse novo ser fosse também, numa analogia preguiçosa, um novo passo possível para cada um de nós. Filhos, eu acho, sempre serão nossos sonhos projetados.
Quando a Nina nasceu, lembro de ter recebido um email de um amigo nos parabenizando pela sua chegada. Ele começou me felicitando pela família, disse estar repartindo nossa alegria, até que seguiu a conversa dizendo que admirava nossa coragem, minha e da Manu, de colocar uma criança em um mundo desequilibrado e hostil. Eram palavras pesadas. Ainda que não fosse sua intenção, sua mensagem nos dizia basicamente que éramos um par de irresponsáveis por deixar alguém crescer como testemunha do apocalipse.
Isso foi há onze anos. Há pouco mais três meses, mandei uma mensagem para ele dando os parabéns pela chegada do seu primeiro filho, que nasceu saudável e sorridente para ajudar a povoar esse mesmo mundo ao lado de minhas filhas.
(…continua no site do Estadão)