Tem circulado nas minhas bolhas uma mobilização entre os amigos incentivando que sejam dados livros como presentes neste Natal. Alguns o sugerem como forma de celebrar e incentivar a leitura, outros como caminho para ajudar a fomentar o mercado editorial no Brasil que anda em crise – no resto do mundo, o cenário é diferente e o consumo de livros, especialmente impressos, tem crescido, enquanto no Brasil, dada a crise pela qual passam país, livrarias, editoras e cidadãos, as vendas de livros padecem.
Acho a campanha um tanto piegas. Quem gosta de livros, afinal, já os compraria de qualquer forma. E quem não tem por hábito ler, não me parece que será incentivado a mudar em função de um movimento na internet. Mas como sou um bocado influenciado quando leio em redes sociais coisas que endossam meus interesses, me animei e propus à minha esposa que aderíssemos.
Fiquei com a incumbência de comprar para as crianças da família – leia-se filhas, sobrinhos e afilhados – livros adequados às suas idades e estilos (bem, aos meus irmãos e compadres que eventualmente me leem por aqui, peço desculpas pelo spoiler natalino). Crianças, afinal, são o objeto de nossa tentativa de exercer alguma influência positiva no mundo. E com estímulos eletrônicos por todos os lados, ganhar livros pode ser uma boa chance de conexão com outro tipo de universo.
“É sopa”, pensei, “me dê 15 minutos numa livraria e eu resolvo tudo”. Mas ignorei meu retrospecto em livrarias ao pensar tal coisa. Ignorei, sobretudo, meu retrospecto sozinho em livrarias. E fato foi que duas horas zanzando pelos corredores e folheando exemplares não bastaram para eu comprar os presentes que gostaria. Acabei comprando mais livros do que temos de crianças para presentear e mais da metade eram histórias que eu mesmo gostaria de ler.
Porque comprar livros exige tempo. Foi o que pensei ao final das compras, ainda na livraria, enquanto sentava para um café. Não estou romanceando a questão, mas a escolha é um ritual. Ao dar um livro, você endossa aquela história como algo ao qual acredita que o outro deveria dedicar suas horas, dias, às vezes algumas semanas. E o faz porque confiou na sua sugestão. Você não dá a alguém de quem gosta um livro que desaprova. De preferência, deve dar um livro que já leu e sobre o qual gostaria de conversar depois (se não pensa em conversar depois com a pessoa, não deveria dar presente, né?).
Com as meninas em casa, o legado da leitura é levado à sério. Temos uma estante com alguns exemplares, temos livros nas cabeceiras das camas, deixamos sempre algum na sala. Em casa, só lemos livros de papel para que talvez o exemplo crie nelas o desejo de ler também (tenho um Kindle, que até uso bastante, mas só o ligo depois que as crianças já dormiram ou em viagens a trabalho). Tem funcionado, devo dizer. Assim como funcionou para mim observar minha mãe passar algumas tardes às voltas com romances policiais de Agatha Christie, minha tia nos levar para passear em feiras de livros e bancas de jornais e a professora que nos levava todas as terças para uma rodada de histórias na biblioteca perto da escola.
Isso tudo me vinha à mente enquanto eu relia as páginas de um livro do Ziraldo trinta anos depois de tê-lo em mãos pela primeira vez. “Acho que ele vai gostar desse”, concluí enquanto o separava para um sobrinho.
(… continua ali no Estadão)