Há gente no mundo – e conheço algumas – que apreciam certa melancolia e vivem com certo conforto em meio à tristeza. Há outros – e conheço muitos – que se não gostam da tristeza em si, gostam do escudo que ela se torna enquanto pretexto para sua imobilidade. Mas há aqueles, entre os quais me encontro, que tem dificuldade enorme em lidar com a contrariedade e a tristeza que certos fatos carregam, que ao engolirem as circunstâncias adversas o fazem deixando-nas ferir o íntimo e arranhar o esôfago. Qualquer garoa, para esses, vira tempestade.
Falando em garoa, fui de São Paulo ao Rio dia desses. Uma breve viagem a trabalho. Na volta, deixei o Rio quase ensolarado (quase, porque pousava apenas uma luz tímida sobre a cidade nesse dia) e me pus de volta para casa.
No trajeto, o avião planou em céu azul sobre as nuvens e eu, como toda vez que encaro essa cena, grudei a testa na janelinha da aeronave para contemplar as nuvens abaixo de mim, como se aquilo fosse uma mágica, uma inversão da minha lógica diária, que tenho por hábito olhar para o céu toda vez que estou na rua.
O piloto veio ao alto-falante e avisou sobre turbulências adiante. No horizonte, eu via aquela massa de algodão crescer e formar uma parede ao nosso lado e, aos poucos, uma muralha sobre nós, até que a aeronave mergulhou naquela imensidão branca e tudo o que eu via então era o branco pela janela e sentia um certo trepidar. De quando em vez, um raio de luz do sol atravessava e refletia sobre as nuvens e o branco intenso adquiria um tom platinado. Em outros momentos, o avião saia daquela massa de vapor e revelava novamente o céu azul, revelava alguma cidade lá embaixo, revelava que era tudo aquilo transitório, tudo o que se dissiparia em algum momento mais tarde com o cair da chuva sobre a terra.
(…continua no Estadão)