por Luiz Henrique Matos
Há alguns meses eu almoçava com uns colegas do trabalho e um deles contou a história de um conhecido que abandonou a carreira na área de vendas de uma multinacional para ser pastor de uma igreja evangélica. “É um ótimo negócio”, disse meu amigo, “ele parou de vender produtos e passou a vender o que todo mundo quer: perdão e vida eterna”. E enquanto boa parte ria, emendou: “vai ficar rico!”.
Aquilo teve um certo efeito em mim. Até então eu pensava que muita gente não acreditava em Jesus por não conhecer sua história ou não compreender a razão de seu gesto pela humanidade. Mas meu amigo provou o quanto eu estava equivocado. E então passei a compreender que boa parte das pessoas que conheço e não são cristãs, conhece a história do cristianismo mas elas não a seguem simplesmente porque não acreditam que isso faça diferença real em suas vidas.
Durante essa semana que passou especialmente, eu sempre paro para pensar no fundamento da minha fé. A época da Páscoa sempre me atrai por duas razões principais e importantes na vida: a essência da fé cristã e os ovos de chocolate.
Direto ao ponto e recapitulando, ainda que não seja novidade para muitos, o ponto central da reflexão sobre a Páscoa é que Jesus Cristo, entre sexta-feira e domingo, morreu numa cruz e ressuscitou. Na cruz, o Deus vivo, como cordeiro de sacrifício sem qualquer impureza (na analogia da tradição judaica) sofreu o peso da culpa e a condenação pelos pecados de toda humanidade e morreu no nosso lugar. Na ressurreição, ele venceu a morte e, na sua vitória, nos deu vida eterna. Através de Jesus, se assim acreditamos, recebemos perdão pelos nossos pecados e vida eterna ao lado de Deus.
Pensar nisso tudo sempre me emociona e faz compreender a profundidade e a razão da minha fé em Deus. Refletir sobre esses dias, em Jesus e tudo o que ele fez por mim, me faz amá-lo intensamente e me faz voltar aos primeiros dias dessa relação.
Agora, se isso tudo faz sentido pra mim, acredito que o meu amigo – e muito mais gente – não vê razão para levar o assunto tão a sério porque, no fim das contas, tanto faz se Jesus era Deus ou não e, ainda que fosse, eles não estão tão preocupados com a questão do perdão de pecados e qualquer coisa sobre vida eterna. Primeiro, porque essa discussão sobre pecado, certo e errado e culpa é uma coisa muito relativa – o certo para você pode ser errado para mim e vice-versa.
E sobre a questão da vida eterna, é mais fácil construir para si um conjunto de crenças nos quais se apegar do que seguir ao pé da letra um único raciocínio defendido por uma igreja, comunidade ou grupo religioso. Até porque, convenhamos, diante de tantas opções, a chance de se estar errado é considerável. Ou ainda, para os extremistas, pode-se simplesmente não acreditar em nada e deixar que as coisas aconteçam naturalmente de acordo com as circunstâncias, o acaso ou o ciclo da evolução.
Sinceramente, acho que por esses pontos todo mundo pode ter razão. Não se pode justificar algo em que se acredita com uma história sendo contada repetidamente ao longo dos anos, por mais que essa história trate dos anseios mais profundos que o homem carrega consigo: redenção e uma resposta para a morte.
Não se pode acreditar em Deus porque as coisas assim parecem convincentes ou convenientes. Porque Deus não se materializa, se explica ou modela.
E um grande erro da igreja, eu acredito, seja esse vício de tentar sistematizar a fé. Certa vez eu ouvi um pastor pregar e ele dizia: “se um dia você conseguir criar uma definição para Deus, jogue fora e fuja, porque você acabou de criar um ídolo”. Não dá. “O homem tentar entender a dimensão de Deus é o mesmo que uma ameba tentar entender o pesquisador, olhando através do tubo do microscópio”.
E porque Deus é incompreensível, também não dá para acreditar que alguém passe a acreditar em sua história porque ela lhe foi contada de maneira convincente. A espiritualidade de um homem, até para o mais incrédulo, é íntima, insondável e inexplicável.
Jesus é a única forma de se ver Deus de algum jeito. Como ser, como agir, como amar, o que fazer, o que não fazer… todas as nossa questões, das fundamentais às mais banais, são respondidas ao olharmos para Jesus.
É por isso que, diferente do que andamos pregando em nossas igrejas, Jesus não prometeu prosperidade às pessoas. Ele também não prometeu benefícios ou poderes sobrenaturais, nem milagres para todos os casos. Ele nos prometeu uma razão de viver. Ele prometeu saciar nossa fome existencial, prometeu uma resposta suficiente. Ele oferece a alegria eterna.
Mas para experimentar essa alegria é preciso, naturalmente, acreditar. Para enxergar Jesus como Deus, é necessário conhecê-lo. E aí reside a grande questão: dois mil anos após a morte de Jesus, como pode um homem chegar a tais conclusões por si só? Não creio que seja possível, salvo exceções eventuais.
O amor, a fé e a esperança são das coisas que não se incutem na mente de um indivíduo. São coisas, aliás, das quais não se convence alguém sequer, até que ele mesmo experimente tais sentimentos e aceite, naturalmente, que existem questões que jamais compreenderemos ou dominaremos.
É impossível sistematizar o amor. E Deus é amor. Daí a coisa toda de alguns parágrafos acima.
Agora, já vi gente tentar, com alguma dose de sucesso, retratar o amor através da arte. E de um jeito mais convincente do que um cientista faria, vi o amor impresso num homem apaixonado. Nas telas, em livros, no cinema e na música. Nas histórias bem ou mal contadas, nas personagens inventadas ou na crua realidade humana, não há como fugir do que nos domina, não há alternativa para nossa impotência diante do que não se explica.
Somos impotentes diante do amor.
E outra vez voltando ao ponto central desse texto – se é que ele ainda tem algum -, só é possível que nos apaixonemos por alguém que, de alguma forma, “experimentamos”. E como alguém pode experimentar a Jesus sem acreditar nele ou no que ele representa?
A materialização de Deus somos nós.
Sei que isso é discurso batido e meio desgastado por aqui, mas a verdade nunca basta: as pessoas só acreditarão no Jesus que amamos se puderem vê-lo personificado no exemplo de vida daqueles que se dizem seus seguidores.
Jesus disse: “amem as pessoas como eu amei a vocês”.
Note, ele não nos pede um sacrifício. Deus não exige ou espera que qualquer um de nós se entregue numa cruz tal como ele fez. Jesus nos pede para amar. Seu mandamento fundamental, que provoca reflexões, não se baseia numa ordem explícita e dolorosa. Ele diz: “Ame! Ame intensamente, da melhor forma, cheios de alegria e compaixão. Ao ponto de não suportarem o sofrimento alheio. Rendam-se ao amor”.
O amor. Esse é o seu único pedido ao homem. Essa é também, sua maior promessa.
Parecer com Deus, portanto, tem muito menos a ver com uma conduta de vida ou práticas religiosas e se resume num ponto mais simples do que muitas vezes gostaríamos: amar o próximo seja ele quem for.
E agora, pensando aqui no sofá de casa, eu acho que esse meu discurso é bastante convincente. Sei que muitos dos meus amigos vão ler essa carta e concordar comigo. Bom, mas não vou ser eu o hipócrita aqui. Admito que não tenho uma soma sequer nessa medida de bondade e amor que Jesus pediu que tivéssemos.
Mas penso que se tem algo na vida que eu deveria buscar, isso passa por me aperfeiçoar num sentimento. Peraí, perdão, o termo não é aperfeiçoar… Não acho que seja possível lapidar o amor de alguma forma. As coisas passam, portanto, pela entrega, pela renúncia, por deixar que o sentimento que me domina, cumpra em mim seu papel. Que o amor, que Deus, seja em mim plenamente para que eu seja, de alguma forma, amor para os outros.
“Isso é impossível”, talvez você diga. E talvez eu mesmo diga isso também. Porque apesar da simplicidade do argumento, isso não é mesmo fácil de pôr em prática. Mas, antes de deixar que minha auto-piedade e o conformismo me façam deitar a cabeça no travesseiro para dormir o bom sono dos ímpios, uma verdade me vem à mente e martela: se Jesus tivesse pensado como eu, talvez a cruz tivesse ficado vazia. E, pimba, uma outra dose de Páscoa para refletir.
Bem, realmente é mais fácil convencer minha filha de três anos que um coelho subiu pelo elevador até nosso apartamento no 11º andar e botou um ovo de chocolate num canto escondido da casa, do que amá-la de forma tão intensa que um dia ela passe a acreditar que esse amor, real e incondicional, tem sua fonte num Deus perfeito e amoroso, que fez tantas coisas por ela.
E… chocolates! Hummm, isso parece uma idéia genial!
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