Mais de cem anos atrás, o filósofo ateu Friedrich Nietzche censurou um grupo de cristãos com as seguintes palavras: “Eca! Vocês me enojam!”. Quando o porta-voz dos cristãos perguntou por que, Nietzche respondeu: “Porque vocês, remidos, não parecem remidos. São tão cheios de temor, tão dominados pela culpa, tão ansiosos, tão confusos e tão sem direção quanto eu. Mas eu posso ser assim. Eu não creio. Não tenho nada sobre o que lançar a minha esperança. Mas vocês afirmam ter um Salvador. Por que não parecem salvos?”
– Brennan Manning, em Convite à solitude (p. 26)
trecho
Do que eu falo quando eu falo de corrida
“Muitas vezes me perguntam no que eu penso quando corro. Em geral, as pessoas que perguntam isso nunca correram longas distâncias. Sempre reflito sobre a pergunta. o que exatamente penso quando estou correndo? Não faço a menor ideia.
Em dias frios, acho que penso um pouco sobre quanto está frio. E nos dias quentes, em como faz calor. Quando estou triste, penso um pouco sobre a tristeza. Quando estou feliz, penso um pouco sobre a felicidade. Como já mencionei, lembranças aleatórias me vêm à cabeça, também. E ocasionalmente, muito difícil, sério, tenho uma ideia para usar em um romance. Mas na verdade quando corro não penso em quase nada que seja digno de mencionar.
Apenas corro. Corro num vácuo. Ou talvez eu deva me colocar de outra forma: corro a fim de conquistar um vácuo. Mas, como seria se esperar, um pensamento ocasional vai invadir esse vácuo. A cabeça de uma pessoa não consegue se manter num vazio completo. As emoções não são fortes ou consistentes o bastante para sustentar um vácuo. O que quero dizer é que o tipo de pensamentos e ideias que invadem minhas emoções quando corro permanece subordinado a esse vácuo. Na falta de conteúdo, eles não passam de pensamentos aleatórios que giram em torno desse vácuo central.”
Do escritor Haruki Murakami em seu novo livro “Do que eu falo quando eu falo de corrida”, em que trata, além do óbvio (ele corre maratonas), sobre sua carreira como romancista e a experiência de envelhecer.
Fiquei um pouco impressionado com o quanto me identifiquei com algumas das opiniões relatadas nos ensaios e as experiências de Murakami (claro que não estou me referindo às maratonas).
Já terminei a leitura, mas vou publicando trechos por aqui.
Do que realmente importa
Portanto, vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre, pois Deus já se agradou do que você faz. Esteja sempre vestido com roupas de festa, e unja sempre a sua cabeça com óleo. Desfrute a vida com a mulher a quem você ama, todos os dias desta vida sem sentido que Deus dá a você debaixo do sol; todos os seus dias sem sentido! Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho debaixo do sol. O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não há conhecimento nem sabedoria.
[…]
Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é o essencial para o homem.
– Eclesiastes 9:7-10 e 12:13
Sofrimento e esperança (Donald Miller)
Eu estava assistindo ao noticiário em uma dessas noites, e ele ainda estava cobrindo aquela história em Mumbai sobre os terroristas que iniciaram uma matança indiscriminada. O homem do noticiário disse que, antes de matarem os judeus no centro judaico, os terroristas os torturaram. Tive de desligar a a televisão porque consegui imaginar a tortura em minha cabeça de acordo com a descrição do noticiário. Fiquei imaginando aquelas pessoas vivendo sua vida cotidiana e, então, tendo-a interrompida por causa de uma tragédia injusta. Quando assistimos ao noticiário, todos sofremos com isso, mas quando vamos ao cinema, queremos mais sofrimento. De algum modo, percebemos que grandes histórias são contadas com conflito, mas não estamos dispostos a aceitar a possível grandeza da história da qual realmente participamos. Pensamos que Deus é injusto, e não um mestre contador de histórias.
[…] Uma das coisas que me dão esperança é que, mesmo com toda a tragédia que acontece no mundo, a Bíblia diz que, quando chegarmos no céu, haverá um casamento, haverá bebida e haverá dança.
– Donald Miller, no livro “Um milhão de quilômetros em mil anos”, lançado este mês pela Garimpo Editorial.
O sacrifício do Messias – Walter Wangerin Jr.
Depois de alguns meses – bom, toda leitura para mim, em geral, dura alguns meses – finalmente terminei a leitura de O Livro de Jesus, de Walter Wangerin Jr. Não é uma leitura fácil. Tal como em O Livro de Paulo, Wangerin mergulha nos detalhes da história bíblica para construir seu romance. Sua ficção não muda os fatos, ela os enriquece.
As roupas, os costumes, o clima, a geografia e os alimentos. Cada página contém nuances que ajudam na compreensão da história e enriquecem a narrativa.
Não posso dizer, entretanto, que concordo com todos os seus pontos de vista. Mas me rendo à riqueza do texto, à qualidade de sua imaginação e a capacidade de emocionar contando uma história que já lemos tantas vezes.
Parece-me difícil escrever um romance a respeito de circunstâncias nas quais cremos como reais e cujo personagem principal é tão essencialmente verdadeiro a ponto de tê-lo como seu Deus.
Reescrevo abaixo um trecho:
Durante todo o tempo que convivi com Jesus nunca o ouvi reagir a dor física. Que ele sentia eu via em seu rosto. Seus lábios se comprimiam e branqueavam. Sua testa franzia. Seus olhos arrojavam-se num tique para a esquerda, pálpebras tremulando. Porém, a linha de seu cabelo densamente cacheado nunca se alterava, nem tampouco sua resistência ao desgaste, o que fazia com que ele, mesmo nos ferimentos mais graves, parecesse alinhado, não-perturbado. Ele nunca proferiu nenhum som de resmungo.
Hoje ele grunhe e gargareja de dor.
Não há nenhum pilar natural ou poste na parte alta da praça. Por isso os romanos rebocaram uma imensa carroça de transporte, prenderam as rodas com pedras e amarraram o Senhor, inteiramente despido com exceção de sua roupa de baixo, às tábuas de sua porção posterior.
Certa ocasião, ele se pusera de pé, como uma vela, na popa de um barco açoitado por uma tempestade, seu manto drapejando como uma bandeira, e erguera os braços; e o mar se acalmara por completo.
Com freqüência ele erguera os braços e toda a população ficava em silêncio e era ensinada, e milhares haviam sido alimentados com peixe e com pão.
No alto dos montes, ao crepúsculo, ele erguera os braços como mastros e bandeira, e orara.
Agora seus braços foram erguidos para ele. Estão amarrados às extremidades das traves mais altas da carroça; seu rosto apertado contra a madeira áspera.
O legionário que está em pé e de lado, atrás do meu Senhor, empunha o cabo de um açoite na mão direita. Ele estala o pulso. Faz com que suas tiras e garras de metal agitem-se no ar, um som de serpente. Então, correndo de repente, o legionário gira o braço inteiro acima da cabeça e salta. Precipitando-se até Jesus, dobra-se sobre ele com tamanha violência que as garras de metal vergastam como um ancinho as costas do prisioneiro, fatiando a carne do ombro à cintura; Jesus se contorce; a pele se alarga; suas feridas são sorrisos abertos, o osso branco aparecendo como dentes do lado de dentro, seco como pedra calcária – mas em seguida o sangue corre pelas longas feridas e começa a espalhar-se.
(p. 382)
E segue. Se puder, leia.
É uma pena que não tenhamos tantos livros de Walter Wangerin traduzidos para o português (além dos dois citados, a Mundo Cristão também publicou O Livro de Deus, que completa a trilogia). É uma pena que não tenhamos bons livros de autores cristãos sendo publicados por aqui.
– LHM
Dostoievski e a pena de morte
O diálogo entre o Príncipe Míchkin e o criado do general Iepátchin, em “O idiota”.
Sabe de uma coisa? – secundou o príncipe com ardor. – Essa mesma observação que o senhor fez todo mundo faz, e a máquina, a guilhotina, não foi inventada com esse fim. Mas naquela ocasião me ocorreu uma idéia: e se isso for ainda pior? O senhor acha isso engraçado, isso lhe parece um horror, e no entanto sob um certo tipo de imaginação até um pensamento como esse pode vir à cabeça. Reflita, por exemplo, se há tortura; neste caso há sofrimento e ferimentos, suplício físico e, portanto, tudo isso desvia do sofrimento moral, de tal forma que você só se atormenta com os ferimentos, até a hora da morte. E todavia a dor principal, a mais forte, pode não estar nos ferimentos e sim, veja, em você saber, com certeza, que dentro de uma hora, depois dentro de dez minutos, depois dentro de meio minutos, depois agora, neste instante – a alma irá voar do corpo, que você não vai mais ser uma pessoa, e que isso já é certeza; e o principal é essa certeza. Eis que você põe a cabeça debaixo da própria lâmina e a ouve deslizar sobre sua cabeça, pois essa quarto de segundo é o mais terrível de tudo. O senhor sabe que isso não é fantasia minha, que muitas pessoas disseram isso? Eu acredito tanto nisso que lhe digo francamente qual é minha opinião. Matar por matar é um castigo desproporcionalmente maior que o próprio crime. A morte por sentença é desproporcionalmente mais terrível que a morte cometida por bandidos. Aquele que os bandidos matam, que é esfaqueado à noite, em um bosque, ou de um jeito qualquer, ainda espera sem falta que se salvará, até o último instante. Há exemplos de que uma pessoa está com a garganta cortada, mas ainda tem esperança, ou foge, ou pede ajuda. Mas, no caso de que estou falando, essa última esperança, com a qual é dez vezes mais fácil morrer, é abolida com certeza; aqui existe a sentença, e no fato de que, com certeza, não se vai fugir com ela, reside todo o terrível suplício, e mais forte do que esse suplício não existe nada no mundo. Traga um soldado, coloque-o diante de um canhão em uma batalha e atire nele, ele ainda vai continuar tendo esperança, mas leia par esse mesmo soldado uma sentença como certeza, e ele vai enlouquecer ou começar a chorar. Quem disse que a natureza humana é capaz de suportar isso sem enlouquecer? Para quê esse ultraje hediondo, desnecessário, inútil. Pode ser que exista um homem a quem leram uma sentença, deixaram que sofresse, de depois disseram: “Vai embora, foste perdoado”. Pois bem, esse homem talvez conseguisse contar. Até Cristo falou desse tormento e desse pavor. Não, não se pode fazer isso com o homem.
– Fiódor Dostoievski, no livro “O idiota” (p. 43).
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