Papai Noel fumava um cigarro sentado na calçada em frente a árvore de Natal que era rodeada por uma multidão de famílias e crianças saltitantes encantadas com suas luzes e inebriadas pela canção natalina que saía sabe-se lá de onde.
Alheio ao grupo de pequenos admiradores, à sombra de todo espetáculo, Noel fitava o infinito com olhos caídos, o gorro tombado para o lado e a longa barba desalinhada sobre o casaco frouxo, revelando a camiseta branca puída sob a roupa vermelha.
Tragou fundo no tubinho branco fazendo a brasa queimar forte a ponta e deixando o cigarro quase um centímetro menor. Soprou a fumaça num desabafo longo, desgostoso e então deixou tombar o corpo sobre o cotovelo direito apoiado no joelho.
Não tinha saco, nem cheio, nem vazio, aos pés do bom velhinho. Sinal de missão cumprida ou de uma tragédia a essa altura irremediável na cadeia logística de duendes e renas em sua equipe.
A árvore gigante reluzia com uma estrela iluminada no topo e a admiração das pessoas que ali davam voltas para… para… bem, sabe-se lá para qual fim pessoas dão voltas em árvores iluminadas.
Minha filha mais nova, que ainda gosta de acreditar na ideia de acreditar em Papai Noel, caminhava na direção dessa cena quando foi interpelada pela minha filha mais velha – que ainda gosta de acreditar no acreditar da irmã em acreditar – e tapou-lhe os olhos tentando distraí-la, como se um crime hediondo estivesse prestes a acontecer.
Passei fitando o homem, nossos olhares se cruzaram. Estava com pressa, não dava tempo de dizer nada, mas tivesse eu um instante, só por empatia, acho que diria a frase banal que mais repito nesses dias: “Passou voando, né amigo? Esse finzinho de ano está uma correria só”.
Mas eu não sei falar a língua que eles falam no Polo Norte.
(Publicado originalmente no Estadão)
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