Ao torcedor de Arujá


Domingo à noite, nove e alguma coisa para ser impreciso, tv ligada no jogo do São Paulo contra o Vasco lá em São Januário (ou, aí em São Januário, caso o leitor seja vascaíno e nativo). Precisávamos ganhar, mas era pouco provável, bem pouco mesmo. Em um daqueles momentos em que a bola escapa para a lateral e algum jogador já cansado fica fazendo cera na reposição, a câmera não tinha lá muito o que mostrar e resolveu dar aquela checada na arquibancada para alegria dos telespectadores. Vascaínos faziam festa jogando em casa, o estádio cheio, a torcida eufórica tendo em conta os cinco jogos vitoriosos até ali. Em um canto desprestigiado da arquibancada – mas bem desprestigiado mesmo, como costuma ser entre visitantes – a televisão mostrou os torcedores do São Paulo Futebol Clube, a pequena torcida do São Paulo, os duzentos ou trezentos gatos-pingados torcedores do São Paulo, cantando com tudo o que suas gargantas permitiam sobre as glórias tricolores, fazendo coro como se daquele jogo dependesse o título, tocando samba e levantando bandeiras. Faixas especialmente criadas para serem levadas a um estádio e o orgulhoso torcedor poder marcar território com o nome do seu local de origem. A câmera deu seu close em “Arujá!”, era o que estampava a maior delas, de forma que cobria a cabeça do torcedor e deixava seu corpinho à mostra. Outra, um pouco menor, conclamava orgulho de pertencer a “Grajaú” (com o reforço na legenda dizendo “Zona Sul”, para certificar que se tratava do bairro paulistano e não o carioca). Domingo, meus amigos. Domingo à noite, nove e tantas. E enquanto eu vestia uma calça xadrez flanelada e pantufas sentado no meu sofá, bebericando um copo de suco, comendo rosquinhas de coco e bocejando com os passes mal dados de um lado e do outro naquela partida, essa gente que, tanto quanto eu, teria que encarar a labuta no dia seguinte, estava lá em São Januário, fazendo batuque, a nove horas de viagem de ônibus de casa, acreditando que o melhor a fazer com sua preciosa vida era estar naquele campo, em outro estado, para torcer para o São Paulo conquistar, veja bem, a oitava posição na tabela classificatória. Era impensável, um tanto quanto irracional e eu lamentava por aqueles homens até que, já nos acréscimos do primeiro tempo, Arboleda sofreu um pênalti que o juiz a princípio não deu, mas foi checar no zero-emocionante VAR, naquela cena sem graça, mas minha frequência cardíaca já começou a subir sensivelmente e aí o Lucas Moura, o amado Lucas Moura que eu nunca critiquei, o craque Lucas, colocou a bola pra dentro, no cantinho, deslocando o goleiro. E eu já estava sem as pantufas, em festa, batucando o hino do São Paulo no fundo de um balde de pipoca e desejando muito poder estar ali para abraçar aqueles duzentos ou trezentos camaradas numa noite visivelmente gloriosa. O futebol é uma caixinha de… Pandora.

(Publicado originalmente no Estadão em 3/11/25)


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