Procuro na memória mas não consigo encontrar quando foi o momento exato em que a televisão morreu aqui em casa. Não lembro sequer o ano, algo entre 2015 e 2018, em que ela deixou de ter o reinado que sempre lhe foi garantido desde que me conheço por telespectad… digo, gente. Não me refiro ao dispositivo, que continua ocupando cada vez mais consideráveis polegadas na sala, mas à TV linear, aos canais sendo transmitidos, a programação regular, os programas intercalados por intervalos comerciais – eu gostava quando chamavam de reclames, mas se eu disser isso alguém pode me chamar de nostálgico – diante dos quais sempre fomos observadores pacientes e conformados.
Fazendo uma conta rápida, eu diria que hoje em 98,5% do tempo que a TV de casa está ligada, o consumo se divide entre Netflix e YouTube. No 1,5% do tempo que resta, sou eu, sentado aqui, escrevendo no computador e com algum canal qualquer transmitindo esportes que não pratico. Assim acontece nesse instante.
Por “um canal qualquer transmitindo esportes que não pratico” entenda o Off. Adoro o Off. Não sei se é porque acho que aquilo tudo é ficção pura ou se, de fato, existem pessoas que passam suas vidas sem estar doze horas por dia em um escritório, fazendo reuniões e respondendo e-mails. Aquela gente bronzeada, viajando por lugares paradisíacos, encarando grandes aventuras e fazendo cotidianamente coisas que eu jamais sonharia fazer uma vez sequer na vida. É tipo o Senhor dos Anéis. Só pode ser ficção.
Então, a TV funciona como uma espécie de proteção de tela, um pano de fundo enquanto estou sozinho na sala. E geralmente aquilo fica só ali, ocupando espaço, um respiro e show de luzes piscando para que eu possa me concentrar nas palavras que preciso juntar. Mas hoje, ao olhar para aquela tela, esse lance todo sobre a morte da TV me distraiu e perdi a linha do que estava escrevendo e comecei a redigir isso que você lê agora.
Esse era para ser um texto sobre desigualdade de renda na Escandinávia. Juro. Mas fica para uma próxima.
(…continua no site do Estadão)