Como curar um fanático

Amós Oz, no ensaio “Como curar um fanático”, comentando o conflito em sua terra natal e quase todos os outros conflitos, de alguma forma, onde sirvam as carapuças:

“(…) existe alguma coisa na natureza de um fanático que essencialmente é muito sentimental e ao mesmo tempo carece de imaginação. E isso às vezes me dá esperança, embora uma esperança muito limitada, de que injetar alguma imaginação nas pessoas pode ajudar a deixar o fanático incomodado. Não é um remédio de ação rápida, não é uma cura rápida, mas pode ajudar.

Conformidade e uniformidade, a urgência de pertencer e a vontade de fazer com que todos os outros pertençam, podem ser as mais amplamente difundidas mas não as mais perigosas formas de fanatismo. Lembrem o momento naquele maravilhoso filme de Monty Python ‘A vida de Brian’, em que Brian diz à multidão de seus pretensos discípulos: ‘Vocês são todos indifíduos!”, exceto um deles, que diz encabulado, numa voz quase inaudível: ‘Eu não sou’, mas todos, com raiva, fazem com que ele se cale. De fato, tendo dito que conformidade e uniformidade são formas amenas mas amplamente difundidas de fanatismo, devo acrescentar que com frequência o culto da personalidade, a idealização de líderes políticos ou religiosos, o culto de indivíduos carismáticos podem bem ser outra forma difundida de fanatismo. Parece que o século XX sobressaiu nos dois casos. Regimes totalitários, ideologias mortíferas, chauvinismo agressivo, formas violentas de fundamentalismo religioso por um lado e, por outro, a idolatria por uma Madonna ou um Maradona. Talvez o pior aspecto da globalização seja a infantilização da humanidade: ‘o jardim de infância global’, cheio de brinquedos e gadgets, balas e pirulitos. Até a metade do século XIX, alguns anos a mais ou a menos – isso varia de um país a outro, de um continente a outro -, mas aproximadamente, a maioria das pessoas na maior parte do mundo tinha pelo menos três certezas fundamentais: onde e vou passar minha vida, o que vou fazer para viver e o que vai acontecer comigo depois que eu morrer. Quase toda pessoa no mundo, há apenas 150 anos, se tanto, sabia que ia passar a vida exatamente onde tinha nascido ou em algum lugar próximo, talvez na aldeia vizinha. Todo mundo sabia que o que faria como meio de vida era o que seus pais tinham feito como meio de vida, ou algo muito semelhante. E todos sabiam que, caso se comportassem bem, seriam transformados para viver num mundo melhor depois de morrer. O século XX corroeu e muitas vezes destruiu essas e outras certezas. A perda dessas certezas elementares pode ter sido a causa do meio século mais pesadamente ideológico, seguido do meio século mais furiosamente egoísta, hedonista, orientado para gadgets. Nos movimentos ideológicos da primeira metade do século passado, o mantra costumava ser ‘amanhã será um dia melhor – façamos sacrifícios hoje’; vamos até mesmo impor sacrifícios a outras pessoas hoje, para que nossos filhos herdem um paraíso no futuro. Em algum momento em meados desse século, tal conceito foi substituído pelo conceito de felicidade instantânea, não somente o famoso direito de batalhar pela felicidade, mas a efetivamente difundida ilusão de que a felicidade está ali nas prateleiras e que tudo que se deve fazer enriquecer o bastante para se permitir adquirir a felicidade usando sua carteira. A noção de ‘felizes para sempre’, a ilusão de uma felicidade duradoura é, na atualidade, um oximoro (…)”

A essência do fanatismo reside no desejo de forçar outras pessoas a mudar. A inclinação comum para fazer seu próximo melhorar, ou para corrigir sua esposa, ou para direcionar seu filho, ou para endireitar seu irmão, em vez de deixá-los serem como são. O fanático é a menos egoísta das criaturas. O fanático é um grande altruísta. Frequentemente o fanático está mais interessado em você do que nele mesmo. Ele quer salvar sua alma, quer te redimir, quer te livrar do pecado, do erro, de fumar, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares, ou te curar da bebida ou de sua preferência na hora de votar. O fanático se importa muito com você, ele está sempre pulando em seu pescoço porque te ama de verdade, ou então está em sua garganta caso demonstre ser irrecuperável. E seja qual for o caso, falando topograficamente, pular em seu pescoço e estar em sua garganta é quase o mesmo gesto. De um modelo ou de outro, o fanático está mais interessado em você do que nele mesmo, pela muito simples razão de que um fanático tem muito pouco de ‘ele mesmo’, ou nenhum ‘ele mesmo’.”

(…)

“Eu comecei dizendo que o fanatismo muitas vezes começa em casa. Deixe-me concluir dizendo que o antídoto também pode ser encontrado em casa, virtualmente na ponta dos dedos. Nenhum homem é uma ilha, disse John Donne, mas eu humildemente ouso acrescentar a isso: nenhum homem e nenhuma mulher é uma ilha, mas cada um de nós é uma península, metade ligada ao continente, metade voltada para o mar; metade ligada à família e amigos e cultura e tradições e país e nação e sexo e língua e muitos outros laços. E a outra metade quer ser deixada só e ficar voltada para o oceano. Creio que devíamos ter permissão para continuarmos a ser penínsulas. Todo sistema social e político que faz cada um de nós ser uma ilha darwiniana e o resto da humanidade um inimigo ou rival é um monstro. Mas, ao mesmo tempo, todo sistema social e político e ideológico que quer fazer de nós não mais do que uma molécula do continente também é uma monstruosidade. A condição de península é a própria condição humana. É isso que somos e é o que merecemos continuar sendo. Assim, em certo sentido, em toda casa, em toda família, em toda conexão humana, temos de fato um relacionamento entre um número de penínsulas, e é melhor que nos lembremos disso antes de tentar moldar um ao outro e modificar um ao outro e fazer o próximo fiar do nosso jeito quando ele ou ela, na verdade, estão precisando se voltar ao oceano por um momento. E isso vale para grupos sociais e culturas e civilizações e nações e, sim, israelenses e palestinos.”

Os evangélicos-bomba

por Luiz Henrique Matos

Estava pensando nesses caras que amarram uns quilos de dinamite na barriga e, em nome de Alá, se explodem em algum local público e movimentado do mundo. Pensei em como isso algo totalmente possivel de fato, em como tanta gente acredita nesse tipo de absurdo.

Minha curiosidade passava por tentar entender em que momento exatamente um rapaz se convence de que a resposta para todas as coisas passa por apertar um botão e botar tudo pelos ares. A sua vida inclusive.

Minha outra curiosidade era tentar imaginar o tipo de deus em que um indivíduo acredita para chegar à conclusão genial de que ele se satisfaz com esse ódio todo. Que paz, afinal, pode coexistir com a guerra?

E então eu lembrei de um sujeito que eu conheci quando me converti. Um não, vários sujeitos. Pensando bem, igrejas inteiras. E acho que se eles tivessem nascido no Afeganistão, estariam hoje numa fila de voluntários talibãs para morrer em nome de sua fé.

Fé o escambau, essa gente se mata em nome do ódio. Deus, Alá ou seja lá quem for, é um pretexto para a amargura que os entorpece. Fariseus. Estão cegos e acham que podem conduzir alguém a algum lugar.

Se o Bin Laden fosse evangélico e vivesse no Brasil, acho que ele faria um baita sucesso. Com programas na tv, emissoras de rádio e mega cruzadas em praças públicas.

MST? Farc? Al-Qaeda? Que nada, nós teríamos os evangélicos-bomba. Fogo puro.

Eu juro que tenho medo.

Mas pior do que o absurdo desse extremo físico, eu acho que é o que já acontece por aqui. Os evangélicos bomba já estão entre nós. E eles matam silenciosamente. Com suas mensagens, com as pregações escabrosas e as bizarrices doutrinarias, nossos terroristas escravizam inocentes, manipulam vítimas emocionalmente feridas e, aos poucos, minam suas forças. Eles matam, milhares, todos os dias, com suas campanhas que prometem milagres e prosperidade instantâneas, com a culpa e o medo incutidos nas mentes que influenciam e se escondem atrás de um subterfúgio: o deus que professam, mas que contraditoriamente, existe para lhes servir em seus caprichos.

Eu tenho mesmo muito medo.

Tenho medo porque convivo com gente assim. Tenho medo porque, preciso confessar, eu mesmo já quase entrei na fila dos homens-bomba (duvida? Então dê uma olhada em alguns dos textos que escrevi há seis ou sete anos).

Mas eu temo, principalmente, por duas razões fundamentais. Temo pelas pessoas que morrem todos os dias, enganadas, acreditando num deus tão cruel. E temo – me apavoro – pelas pessoas, as que não caem na lorota dos terroristas, mas que acreditam que o cristianismo, no fim das contas, é o que esses bandidos pregam.

Mas há esperança, sempre há. Precisa. Porque em outros momentos da história em que ideologias parecidas ganharam espaço (vide os fariseus do primeiro século, as cruzadas na Idade Média, a inquisição da igreja romana…), Deus providenciou uma mudança de cenário. Não, ele não travou guerras. Ele também não dizimou os enganadores com raios ou enviou exércitos para a batalha – bom, tome cuidado você, se desejou que fosse assim. Deus não faz isso porque Deus não tem inimigos. Deus não fere, não mata, não condena. Deus é Pai, ele é amor.

E o amor é a sua espada, é seu argumento, seu único recurso, é a revolução pela qual escolhe salvar o mundo sempre que teimamos destruí-lo.

Por amor ele criou, viveu entre nós, perdoou, nos ama e procura. Com o amor, ele nos derrota. Amando incondicionalmente, o Pai nos constrange, nos faz cair de joelhos. E amados, nos rendemos, nos prostramos. E já não há outra saída.

O homem cujo coração se rende a Deus, passa a enxergar como ele. Odeia o que Deus odeia e ama o que ele ama.

Porque, pensando bem, não precisamos de algo pelo qual morrer. Precisamos de uma causa pela qual viver.

“Ame o outro como a si mesmo.” (Jesus)

Esse texto faz parte da série “Correndo atrás do vento”. Leia mais:

1. A teologia não salva
2. Em defesa da crise
3. E o futuro, a quem pertence?
4. Pessoas mudam, o mundo muda (manifesto)
5. Os riscos da prosperidade
6. Clichês
7. Deus não tem um sonho pra você
8. Julgando um livro pela capa (e pessoas por sua opção religiosa)
9. Jesus não tinha inimigos
10. Um Deus, diversos cultos
11. Comodidade
12. Churrasco, futebol, igreja e uns quilos a mais