Entre quatro paredes


Gosto dos pequenos momentos, dos gestos tão repetidos que já são impensados. Gosto quando, por um instante, me sinto capaz e me torno sensível para contemplar a beleza intrínseca dos momentos do cotidiano, tão do cotidiano, que já quase se traduzem em espaço branco nas lembranças.

Mas são nesses que residem toda graça natural da vida, neles está o significado em grande parte. São dessas horas que se recheiam as memórias no futuro. E poder contempla-los, acho, é viver aquela saudade agora.

Escovar os dentes lado a lado na pia do banheiro, escutar um grilo cantando lá fora, escutar a nossa música tocando no rádio, escutar – e reclamar – do vizinho barulhento. Ver nascer o sol às seis, ver nascer um dente novo na Nina, ver que as legendas da TV estão ficando a cada dia mais embaçadas. Deixar um copo d’água para o outro sobre o criado-mudo, brincar com a filha no chão da sala, embalar a dança sincronizada na cozinha apertada durante as refeições – um pra lá, dois pra cá, entre o abre e fecha das portas de armários, gavetas, forno e geladeira para tirar e colocar tudo sobre a mesa. A troca de olhares, a troca dos lençóis, a troca de roupa, a troca de toques, de presentes, de recados, de afeto. A troca de qualquer coisa por essa vida juntos.

Entre quatro paredes o mundo todo se faz, a vida inteira acontece. Enquanto a Terra gira, a felicidade se revela, as pessoas constroem, Deus se materializa. O homem se encontra.

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