O blog do Sérgio

Lembro que na minha adolescência eu gostava de visitar lojas de cd’s e passar as tardes ouvindo bandas desconhecidas até descobrir algo muito bom só para poder levar a “novidade” aos meus amigos. Depois, a coisa se espalhava e ninguém já lembrava de onde surgiu a ideia de ouvir aquele som tão bacana. Mas sempre valia o esforço. O meu prazer era descobrir a novidade e passar adiante.

Em 2002 um amigo me mostrou um blog pela primeira vez. Eu achei aquilo meio estranho, desordenado. Mas o blog em questão era tão bacana, que me inspirei e criei um também. Era de humor, acredite (apesar de a única coisa realmente engraçada que eu tinha pra dizer, era falar que tinha um blog de humor – as pessoas riam porque achavam que era piada). Em 2003 criei o Missão Virtual para pendurar minhas crônicas em algum lugar e, desde então… bem, a história é essa.

Conheci o Sérgio Dantas em algum momento no início da minha conversão. Não éramos da mesma comunidade, não crescemos juntos, não temos nenhum conhecido em comum, mas sabe-se lá o motivo, descobrimos uma afinidade muito grande em função de um assunto: a paixão por ler e escrever.

E se tem uma coisa que eu falo para o Sérgio desde nossas primeiras conversas é: “cara, você tem que montar um blog”. Não por ter um blog em si, mas porque eu acho que a internet é um excelente ambiente para troca e descoberta de bons textos (conheci vários nesses anos e procuro visitá-los com frequência: Paulo Brabo, Jorge Oliveira, Sérgio Pavarini, Elienai Jr., Alysson Amorim e por aí segue, todos aí na lista de blogs linkados).

O Sérgio é bom demais. É dramaturgo, poeta, cronista… e demorou demais pra montar um blog. Eu falava isso pra ele e ele achava que era bobagem, coisa de criançada, muito desordenado. Mas, como nunca é tarde, finalmente ele se deu conta do atraso e abriu as portas do Sergiodanta’s Blog (é, assim mesmo, com esse nome) e começou a postar suas pérolas por ali.

Muito do acervo de textos ainda não está no ar, mas o que está já vale a visita.

Ao Sérgio, seja bem-vindo.

A você, boa leitura: http://sergiodantas.wordpress.com

LHM

Clichês

por Luiz Henrique Matos

Clichês. Algumas pessoas vivem em clichês, como se a vida fosse a letra de um pagode. Outras, são tocadas por eles e acreditam em frases prontas como guias para suas vidas, como se apresentações em PowerPoint fossem escrituras sagradas. Tem gente também que simplesmente não liga e passa pelos dias, livros, filmes e canções simplesmente sem notá-los. E a essa gente do meio, todos chamam de frios, tanto os pagodeiros de uma ponta quanto os outros, na ponta oposta da balança, que odeiam os clichês, que se arrepiam com uma citação óbvia, que fingem nem pensar assim de vez em quando, que preferem fazer de conta que nunca viram um capítulo da novela das oito ou que não se encantaram, lá na adolescência, com uma banda juvenil.

Mas o fato inegável e irrefutável é que sendo ou não algo tão obvio e simplório, a vida tem das coisas simples e das eruditas. Tem, no fundo no fundo, o sentimento comum de cada homem por aquilo que não se explica, pelos gestos instintivos e primitivos dos quais não podemos fugir e precisamos admitir que, sim, que toda mulher se arruma para encontrar o grande amor, se deslumbra com algum perfume, seja qual for, que se derrete ao receber uma flor. E que todo homem se impõe, se faz diferente e imponente para conquistar sua amada – ainda que sua imponência seja, no fim, não mostrar alguma sequer –, se orgulha dos bons amigos que ostenta, que precisa de algo pelo qual torcer e vibrar.

Não dá pra negar que todos temos um romance pelo qual choramos, um filme que sempre lembramos, uma canção para os momentos especiais. É fato incontestável que todo mundo se deslumbra diante da beleza natural do mundo, que quer um dia fazer alguma coisa pra mudar o rumo, que acha que noutros tempos as coisas eram melhores do que são agora.

Nas diferenças de estilos ou costumes, somos na essência iguais, ligados por esse sentimento semelhante – mas nos apegamos às mínimas diferenças para não admitir que somos tão parecidos. Todos temos, de alguma forma, o medo da morte, o sonho da vida abundante, a busca pela felicidade, a satisfação pacífica da alegria. Todos apelamos na hora da dor. Todos nós, cada um dos seres humanos, se rende e renuncia diante do amor.

É fato que todo homem precisa de Deus. Mas alguns vivem isso como se fosse a letra de um salmo em levada de samba, outros acreditam e se guiam pelas páginas do livro sagrado, tem gente que passa simplesmente sem pensar no assunto, ignorando o fato, as canções, o romance. E a essa gente do meio todos chamam de frios e insensíveis, tanto os crentes de uma ponta quanto os outros, no lado oposto da balança, que acham que isso tudo é clichê.

Cenas domésticas: Sesta

por Luiz Henrique Matos

Depois do almoço, a Nina estava descaradamente com sono.

– Papai, quero o DVD da Lola…
– A Lola e o Charlie foram dormir um pouco, filha.
– Quero o Barney.
– O Barney também está cochilando.
– Ahnf! – contrariada, esfregando os olhos.
– Nina, você sabe o que tooodas as criancinhas fazem, quietinhas, deitadas, logo depois do almoço?
– Arrãm.
– Ah, sabe? O que elas fazem?

Ela pensou um pouco.

– Bagunça!

Sem perder a reverência

por Luiz Henrique Matos

Pedro o olhava e via o amigo com quem tantas vezes repartiu a manta durante as vigílias e viagens pelas madrugadas. Maria o olhava e via o filho a quem educou, alimentou e repreendeu quando seguia distraído brincando pelo vilarejo. João Batista o olhava e via o primo, companheiro de jogos durante sua infância.

E todos o chamavam Senhor e Cristo.

Era Deus. E era um homem tão cativante e próximo que a relação com ele chegava a ser ambígua. De Pedro que o negou, na dúvida sobre sua postura de submissão diante da morte iminente. Maria que lhe pediu favores acreditando inocentemente na sua autoridade de mãe. E João, que estando preso, pediu que lhe perguntassem se era ele mesmo o Messias.

Mas ao olhar em seus olhos, ao ouvir seu ensino, sentir seu toque… em sua presença ninguém fica indiferente. Diante do Deus vivo é impossível não ser reverente, cair de joelhos e o amar sem saber de onde ou porquê. Não há como não ser revirado pelo sagrado, o divino, o poder absoluto, o soberano, a verdade, a sabedoria, o amor. Deus em sua essência. E adorá-lo.

É consolador saber que ele está sempre tão perto. Um pai presente e carinhoso, um amigo fiel, uma voz de alento que nos dirige os passos. Mas em meio à descoberta do amor e da graça, não podemos perder de vista que ele é Senhor.

É nessa hora que, mesmo sabendo que Deus deseja um abraço de seu filho pródigo, a única reação possível é prostrar-se diante daquele que é, do Deus vivo e render-se a esse seu amor absurdo. Ele é Deus.

“Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.” (Filipenses 2:9-11).

De mãos dadas

por Luiz Henrique Matos

De mãos dadas

De mãos dadas

Se tem algo que eu gosto é segurar a sua mão. Não importa a ocasião, ao atravessar a rua, sentados nos sofá, ajudando a fazer força enquanto ela usa o banheiro ou simplesmente para dirigi-la em alguma situação. Aquela mãozinha envolvida na minha me ajuda a ter a dimensão da sua dependência – e o meu desejo de sempre garantir que ela saiba disso. Os dedos finos, a pele delicada, a palma da mão morna e úmida de suor, a minha certeza de ter o que é meu por herança.

Por uma mão ela arrasta uma boneca, um copo de leite, um lápis de cor com a ponta gasta. Por outra ela se arrasta, segue cegamente os passos daquele em quem confia e lhe dirigirá os passos.

Não preciso dizer que ela tem crescido mais rápido do que eu gostaria. Daqui a pouco ela será maior do que eu, mais inteligente, independente e, apesar de mais magra – isso não é nada difícil dado o meu último indicador na balança da farmácia – eu já não conseguirei carregá-la no colo.Mas não importa o quanto ela cresça, acho que sempre terei a sensação de que sua mão cabe dentro da minha e que, desse jeito, continuarei sendo o “papá” a quem ela recorre quando precisa de algo, quando deseja brincar, quando quer descansar.

Gosto de não precisar ouvi-la dizer nada e apenas erguer os braços com a mão espalmada tendo a certeza de que eu retribuirei. Gosto de sentir os dedinhos se entrelaçando aos meus, me dando a sensação tátil do mesmo sangue que somos. Não gosto de vê-la com medo, chorando, mas corro e me precipito em segurá-la, mãos erguidas em minha direção, para que saiba que sempre, sempre estarei ali para ampará-la. Faço tudo para estar.

Imaginar minha cria sozinha, abandonada à sorte, provas e desafios que esse mundo descarrega sobre nós não é dos sentimentos mais agradáveis. Chego a pensar que gostaria de tê-la nos braços o tempo todo. Mas sei que não é possível e, por hora, imagino também que não é o mais apropriado. Ela precisa viver, vai precisar aprender, vai ter que se virar sozinha. O coração debate com a razão e preciso aprender, eu, que o melhor a ser feito é o que é melhor pra ela. Dura realidade.

Ela já toma algumas decisões sozinha. Já fala por si. Ela já sabe andar em alguns lugares que antes lhe pareciam difíceis. Agora ela pedala o velotrol e já não depende de mim para empurrá-la. Eu estufo peito, coruja, ela tem aprendido coisas comigo – e eu ainda não me toquei que “velotrol” é uma palavra que morreu na minha infância e muito provavelmente ela nunca usará na vida!

Mas ainda tenho coisas a ensinar e minha alegria é estar com ela para isso. Caminhando de mãos dadas, fico feliz em poder andar devagar, no seu ritmo e limitações, para lhe mostrar o caminho que eu vejo à frente. Falo da forma mais simples possível para garantir que ela me entenda. Conto histórias e imagino coisas para que o conhecimento lhe seja algo claro.

Quero percorrer ao seu lado as trilhas que já conheço. Quero que sua infância seja recheada das brincadeiras, da ingenuidade e da inocência que eu acho que teve a minha. Quero que saiba que ao contrario do que argumenta um dos seus tios, torcer para o São Paulo é definitivamente uma boa escolha. Quero que ela conheça o Deus amoroso que eu conheço e o ame mais do que eu. Quero aprender tabuada, logaritmos, pi, raiz quadrada e alguma coisa de física – que nunca me entraram na mente – para poder ajudá-la a estudar nas provas do colégio. Quero, a contragosto e sem a mínima pressa (fique isso bem claro e documentado), poder conduzi-la até o altar ao encontro do homem de sua vida e que se realizem, que descubram juntos o amor e a razão do que os dois nasceram para ser: um. Quero repartir minhas experiências e aprendizados para poupar-lhe esforço e sofrimento, mesmo sabendo que, assim como eu fiz um dia, ela vai me achar um tolo antiquado e ignorar a maioria desses conselhos – e eu não me sentirei vingado quando, depois de se dar conta, ela falar que eu tinha razão. Quero mesmo que ela tenha mais razão do que eu, porque isso também mostrará que foi mais longe do que o pai.

E só quero ainda, assim de forma egoísta mesmo, que ela saiba de tudo isso e quando afinal descobrir que não sou tão grande, forte, inteligente quanto pensou a vida toda e então souber que o herói de sua infância é um pobre homem falível e cheio de pecados, que ainda assim se sinta orgulhosa em me chamar de pai. E que eu estarei sempre ali.

É irônico, talvez, saber que um filho não conhece a fraqueza de seu pai até que os anos passem e finalmente os corações se encarem e tudo venha a tona.

É irônico, certamente, depois de alguns anos de convivência mais íntima, saber que o meu Pai, o Deus da minha vida, perfeito e soberano, tem justamente no amor a sua fraqueza. E sensibilizado pelos corações quebrantados, pelas atitudes rebeldes, pelo choro desesperado, pela rendição cega e confiante dos filhos, ele se move, ele se rende, se entrega, encarna, perdoa, carrega, refaz. Ele estende a mão.

O Deus amor é Pai.

E, bem, talvez ele não seja são-paulino, talvez nunca me explique pra que raios servem os logaritmos, talvez tenha me deixado só por um tempo para eu aprender a andar sozinho. Mas, quando estendo minha mão espalmada, morna e úmida de suor para o alto e diante dele estou… arrependido, dependente, grato, resignado, com medo ou simplesmente estou, posso sentir a sua mão, forte e também delicada, e os dedos entrelaçados aos meus me dando a segurança de sua presença e a afirmação eterna de que sou filho, fruto do seu sangue.

Liberdade

por Luiz Henrique Matos

O mundo não entende. As pessoas julgam que o render-se a Cristo as aprisionará a uma espécie de doutrina que regerá suas vidas e lhes podará as escolhas. Mas esse é o grande engano, porque a verdade está justamente no oposto, no fato de que só em Jesus Cristo é que podemos desfrutar a plena liberdade que nos livra da escravidão em que vivemos.

Ele é a liberdade, o amor, a esperança, a paz, o caminho, a verdade e a vida que nossas almas anseiam. E Deus “humaniza” seu plano em seu filho para que possamos compreender o quanto esse amor é real e essa vida é possível. Deus resolve viver na Terra para mostrar na imagem da nossa visão tão limitada, seu plano e seu sentimento. E sua crucificação é a prova do preço que está disposto a pagar para resgatar esse relacionamento e, se assim concordarmos, dar-nos a liberdade eterna e poder nos chamar de filhos.

Afinal, quando alguém morre no lugar de outra pessoa, o objetivo só pode ser o de salvar sua vida.

Cenas domesticas: Co-piloto

por Luiz Henrique Matos

Já era tarde. Quase dez. Hora de criança estar na cama, já diriam várias pessoas. Mas nós ainda estávamos na rua, no carro, a família toda voltando do shopping. Adultos na frente, em silêncio, acreditando no sobrenatural poder sonífero que os automóveis exercem sobre as crianças e desejando que a nossa já estivesse dormindo para ainda tentar ver um filme qualquer no DVD (é incrível como nosso critério de filme bom muda depois da paternidade – até o Van Damme vira um clássico, raridade mesmo).

Finalmente, já na garagem do prédio, duas ou três curvas feitas suavemente e estacionamos o carro. Música desligada, freio de mão puxado, cintos soltos correndo de volta para o buraco-negro dos cintos de segurança e lá de trás uma voz desponta no silêncio:

– Ahh, cheguei!

Arrependimento

por Luiz Henrique Matos

Deus não é como nós. Ele não se ofende, não se ressente, não fica com raiva quando traímos sua confiança. Ele vê o nosso erro e engole seco, sente a dor do pai que não quer ver seu filho caminhando em direção à própria destruição. Ele chora em silêncio, sozinho e lamenta.

“Ahh, meu filho… como eu gostaria que você não tivesse feito isso.”

E às vezes até esperamos que ele nos castigue. Queremos uma bronca dura, um tapa na cara, uma indulgência algo que nos faça pagar pelo erro que cometemos e, de alguma forma, nos alivie o remorso.

Mas ele não faz. Ele é sempre melhor do que nós. O amor é sua essência e ele se compadece, ele perdoa, estende os braços esperando para nos abrigar, morre em nosso lugar para nos dar de volta a vida. Ele paga o preço da nossa culpa.

E isso dói. Dói o sentimento de remorso, a afiada lâmina da culpa nos rasgando por dentro, a humilhação do nosso orgulho ferido. Como é amargo o gosto da consciência do erro, A cruz de Cristo parece uma luz ofuscante demais, para a qual não conseguimos mais olhar.

“Pai, se for possível, me perdoe! Errei outra vez.”

Então, mais uma vez ele chora. Mas de alegria incompreensível. Então, o pai faz festa para o filho perdido que regressa. Ele não quer nada em troca, ele só nos quer de volta. Ele limpa a casca de sujeira que nos envolve, nos dá água fresca e comida quente, prepara um descanso numa cama macia. E abrigados em seus braços, ele ainda nos chama de amados, ele cala a nossa voz e sussurra sua canção de ninar

“Não diga, não diga nada… Minha graça, minha graça é o que basta.”

Sentado em sua imensa cadeira de balanço, o pai está feliz vendo sua criança que agora dorme. Porque o filho que caminhava distante e perdido em direção à morte voltou para casa.

E os anjos silenciam e observam. O exército do céu cerca a singela cena, são testemunhas do amor vivo, são os olhos eternos contemplando a razão de o mundo ter sido criado: o homem em sua condição de filho dependente e o Pai… o Deus que só quer ser amado.

Cenas domésticas – Mestre-cuca

por Luiz Henrique Matos

No parquinho, ela brincava na casinha de plástico. Abre daqui, fecha dali e, de repente, uma revoada de crianças barulhentas (acho que isso é redundância, não sei não) passa correndo pelo lugar. Ela observa pela janela da barraca, atenta, séria, entretida aos movimentos da molecada. E quando a turma ameaça correr em direção à saída, ela pára na porta e grita:

– Ei, venham papá, crianças!

:)

Versos infantis 2 – Alegria, tristeza e distração

por Luiz Henrique Matos

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Eu sou um distraído. Esqueço das coisas quase sempre. Por isso anoto tudo, por isso me organizo excessivamente.

Esqueço carteira, reuniões, chaves, blusa e crachás – só não esqueço nomes, sabe lá por que, mas não vem ao caso. Às vezes, esqueço até dos sentimentos. Às vezes eu esqueço a tristeza. Estou triste e de repente me distraio. E, não sei não, acho que às vezes a tristeza faz parte. É como a dor. Não faz bem esquecer a dor. Dor nas costas, por exemplo, que fica ali quietinha, confortável. Mas aí, se de repente você se mexe do jeito errado… aiii!

Agora, da alegria eu não esqueço. Da alegria eu não me perco, fico nela concentrado, empenhado, distraído. Alegria é distração. E a alegria, a minha, tem cara, tem jeito, tem gosto. Tem a cara da Nina sorrindo, tem o jeito de Deus me mimando, tem o gosto do beijo da minha Manú.

Mas aí, de vez em quando, vem a tristeza e sua teimosia e, nessas horas, se você mexe do jeito errado… aiii! E aí eu já nem me esforço em me concentrar. Eu fico ali, ansioso por uma alegria pra me distrair.

E ela aparece, e sorri, como agora.

(Notas para eu não esquecer: anotação do dia 16/5/9, por volta de oito da noite; o crédito da foto é do blog Interlúdio)

Os riscos da prosperidade

por Luiz Henrique Matos

O dono do mundo - Chaplin

Há algumas semanas escrevi e postei um texto chamado “Em defesa da crise”. Era uma análise superficial e pessoal sobre o que está acontecendo com nosso mundo.

Curioso foi que, há alguns dias, revisava minha pasta de rascunhos e achei um de 2007 com algumas observações pessoais sobre a pujança e prosperidade pela qual passava nosso mundo. O título do texto era “Os riscos da prosperidade”. Detalhe: quase um ano antes de a crise financeira estourar.

Vão aqui os trechos do texto que nunca terminei. Na época em que bolha, para mim, ainda era definição de coisinhas de água com sabão que solto no ar para a Nina brincar. Na época em que subprime, para mim, já tinha o mesmo signifcado que hoje ainda tem: não faço a menor idéia!

Peraí, deixe-me explicar: isso não é uma apologia à pobreza, isso é um convite à simplicidade.

Quando por muito tempo deixamos de passar por alguma provação, nossa tendência natural é concluir que somos auto-suficientes naquela questão. Quando nossos recursos são suficientes para o que precisamos, passamos a acreditar que já não dependemos de Deus e sim de um talento ou esforço naturais. Na verdade, tudo é providência divina. E à medida que enriquecemos, nossa tendência maior é o tédio, achar que se tornou obrigatório aquilo que antes nos seria um luxo.

Assim também, uma sociedade próspera deixa de dar valor a questões elementares e passa a vagar sem um norte que a dirija.

Dizemos que nos sentimos vazios. Mas nossas almas não estão vazias, elas estão infladas.

A simplicidade da vida com o Pai é a segurança da direção de vida que precisamos.

Humildade. A prosperidade sem consciência mata esse valor.

Pessoas mudam, o mundo muda (Manifesto)

por Luiz Henrique Matos

‘Evangelho’, do grego euaggélion, ‘boa notícia’ (Houaiss).

Um ônibus lotado, hora do rush. Gente impaciente, apertada, sonolenta, cansada da rotina. Uma voz se destaca entre os grunhidos dos passageiros. É um evangélico pregando sobre sua crença, falando do fim do mundo, do inferno, de Jesus, das “bênças”, e de mais um monte de coisas que não dá para entender direito.

E a mesma cena se repete nas praças, nos panfletos que distribuem nas ruas, no jovem que bate na porta de casa, no rádio, no horário nobre e por toda a madrugada na TV. Por todo lado tem alguém querendo falar sobre Deus e mudar a maneira como vemos as coisas, para que as vejamos do jeito que ele vê – mesmo que o próprio pregador tantas vezes nem saiba bem que ponto de vista é esse que defende.

São as tais das “estratégias de evangelização”. Eu chamaria de “as cruzadas do século XXI”. As igrejas incentivam seus fiéis a anunciarem seu credo às massas, fazem campanhas afirmando que seguem o mandamento divino, que querem “alcançar as nações” para o Senhor Jesus. Será que querem mesmo?

Aqui, eu confesso: acho difícil entender o objetivo disso tudo. Querem um mundo convertido ao cristianismo, mas com que propósito? Tenho a impressão de que o centro está invertido.

Bom, preciso dizer outra coisa: eu também sonho com um mundo transformado pelo cristianismo. Mas, por favor, me entenda e tenha paciência, não um mundo cheio da religião cristã. Isso seria voltar ao erro da inquisição, dos séculos cegos de poder da igreja, da omissão frente às tantas barbáries que se sucederam.

Se for pra ser assim, tô fora, também não quero esse mundo “evangélico” que ao invés de esperança, bota é medo na gente. Se for pra ser assim, estou com Karl Marx e trombeteio que a religião é “ópio” e não salvação.

Um mundo cristão, o do meu sonho, não é o de um povo devoto às tradições da instituição religiosa, homens de gravata, mulheres subjugadas pelos maridos, com hábitos ocidentais e cultura enlatada.

Um mundo rendido a Cristo precisa ser um mundo semelhante ao próprio Jesus. O mundo cristão será lindo. Será povoado de pessoas de caráter irrepreensível, de gente pacífica, bondosa e justa. Será de gente mansa, inteligente, alegre e generosa. De pessoas preocupadas umas com as outras tanto quanto consigo mesmas.

Um mundo convertido a Jesus Cristão não é o que tanto temem os ateus e seguidores de outras crenças. Ao contrário, esse é o mesmo com que sonham todos os justos, é o mundo com que sonha toda a gente que sonha – porque, convenhamos, gente ruim não deve sonhar com nada, tem é pesadelo dos brabos.

O mundo de Jesus é o de gente que vive como ele viveu. Não a vida do personagem inventado pela tradição romana, mas a do Deus que abriu mão de sua condição divina para nascer bebê, crescer como criança e viver como um homem, entre os homens, e a eles mostrar que é possível ser justo em meio à injustiça, ser puro num ambiente corrupto, ser luz num ambiente de trevas. É possível não se contaminar mesmo em meio à sujeira.

Porque Jesus não viveu como um monge. Não, ele não andava em marcha lenta, com olhar distante, fala devagar, intocável, sendo protegido por guarda-costas-discípulos e flutuando a um palmo do chão. Não, ele não foi assim e não há nada em sua biografia que aponte isso. O que sabemos, do pouco que se pode, é que Jesus andava em meio à multidão. E gostava. Espremido em meio ao anseio dos que o buscavam, feliz em estar junto de seu povo, ele tinha “cheiro de gente”. Era homem comum e simples, eras desses caras, tão “gente boa”, que dava vontade de ficar perto o tempo todo. Sentava no chão, sorria, brincava com crianças. Comia tanto o peixe pescado ali na hora e assado numa fogueira, como o banquete na casa do próspero coletor de impostos.

Jesus era um homem sem preconceitos, que conversava e entrava na casa de todos que o procurassem. Ele tinha amigos a quem era fiel. Chorava com sua dor, sorria por suas conquistas, andava ao seu lado. Ele tinha família, tinha a mãe que cuidou de proteger mesmo em seus instantes finais de vida, os irmãos que ajudaram a perpetuar sua história depois que morreu e ressuscitou, o pai que o sustentou e lhe ensinou a profissão de sua vida, na rude condição que tinham em Nazaré.

Jesus tocou, deu atenção, questionou, aprendeu e ensinou. Viveu em paz. E morreu porque o amor é a sua própria condição. Mas viveu, porque nem mesmo a morte pode vencer o amor. A morte não pode vencer o autor da vida (e da própria morte). E sua conquista, ele não guardou para si, mas, como sempre, repartiu. E o que ele deixou não foi dor, foi saudade.

Amor. Um mundo cristão deve ser um mundo de amor. De seres humanos tratando uns aos outros como iguais, com famílias unidas e buscando sua felicidade de mãos dadas, de relacionamentos restaurados, doentes curados, pessoas vivendo com dignidade, com a justiça e a moral prevalecendo em nossa consciência e refletindo em nossas atitudes.

É utopia? Talvez. É, acho que é sim. O mundo perfeito e puro, de fato, eu creio que só veremos lá no “céu”. Mas, se ao menos tivéssemos consciência de que esse é o nosso papel… Se ao menos aqueles que se dizem cristãos tomassem como verdade a missão que tem a cumprir e buscassem viver como seu mestre, então as coisas poderiam mudar. Quando pessoas mudam, seu mundo muda.

A igreja deixaria de olhar para o umbigo em sua barriga obesa e passaria a enxergar a barriga inchada, desnutrida e miserável dos que tem fome, de comida, de amor e de justiça.

Jesus falou que as coisas mudam de dentro para fora. É a vida dele em nós que gera essa consciência. E é só assim mesmo que pode funcionar. Eu mudo, minha família muda, amigos, a comunidade, a região, o país, o planeta… Parece até venda de Herbalife, Avon e Tuppeware e, pensando bem, se alguns caras chegaram tão longe vendendo pílulas para emagrecer, batons e potes de plástico, porque as pessoas não “comprariam”, afinal, a idéia daquilo que tanto anseiam?

É impossível de se fazer sozinho – Jesus mesmo não fez –, mas se os que se dizem imitadores de Cristo forem realmente diferentes, então uma grande rede ser formará e o amor será nossa epidemia, nossa “pílula mágica”, nosso tuppeware. Então a luz será acesa, dissipando essa escuridão que cobre nossa sociedade.

Evangelização, a Grande Comissão, o Chamado de Vida… gostamos tanto de usar esses termos para designar o papel da igreja. Mas no fundo, isso se resume, de verdade, em poucas palavras do que Jesus falou: “sejam como eu”, “amem como eu amo” e “façam isso o tempo todo, no mundo todo”.

Podemos ter um mundo diferente e isso depende de nós. Isso, isso sim, é uma “boa notícia”.

“Um bom exemplo é o melhor sermão” (Benjamin Franklin).

O que (não) estou lendo

Eu e minha irritante mania de ler vários livros ao mesmo tempo. E não terminar nenhum tão cedo quanto gostaria. Dos atuais, na ordem, estou com essas “pendências” de cabeceira. Todos excelentes.

O mais recente eu comprei ontem, “As memórias do livro”, depois de entrar numa livraria com um amigo e ouvir dele enquanto apontava um exemplar:

– Meu sogro escreve e está lendo esse livro. Ele disse que pela primeira vez na vida sentiu inveja de um autor.

Comprei um exemplar na mesma hora. E agora administro a ansiedade entre as prioridades na leitura.

Alguém aí sabe resolver isso?

E o futuro, a quem pertence?

por Luiz Henrique Matos

Sementes (crédito: pictoscribe)

Estava pensando na minha filha ainda há pouco. Pela manhã eu olhei o tamanho que ela já está, os dois anos que passaram tão rápido e essas coisas de todo pai. A preocupação bateu quando tentei imaginar essa menininha já adulta, daqui alguns anos, construindo sua família e tudo mais.

E somado a isso, andei pensando também nessa coisa toda de aquecimento global, corrupção, violência, fome e pobreza. O mundo anda cada vez mais complicado. Parece-me que à medida que se amplia o acesso às informações sobre o caos em que estamos vivendo, cresce também a voracidade com que essa desigualdade se agrava.

E eu pensei na Nina outra vez. Que será do mundo quando ela já for adulta? Vai saber… Eu fico com um certo receio em pensar no tipo de prato que meus netos comerão à mesa, do ar que vão respirar, o tipo de proteção métodos de segurança que precisarão seguir antes de sair na rua. Tanta coisa.

Geralmente quando penso no legado que poderei deixar para meus filhos e netos, me vem à mente experiências, aventuras, princípios, erros e acertos que eu tanto gostaria de que se lembrassem. Penso também nos recursos materiais que me esforço para guardar e que poderão lhe garantir algum conforto. Mas esqueço do mundo.

Quer dizer, eu lembro de ensinar a Nina que ela precisa dividir seus brinquedos, ser “boazinha” e doar o que não usa. Eu procuro dar o exemplo fazendo alguma coisa. Mas é pouco, muito pouco.

O mundo, termo que generaliza pessoas – que é termo que generaliza o José, o Mohamed, o John, o Akira, o Makelele e cada ser humano que respira nesse planeta. Pois bem, o mundo precisa de algo mais de mim. Eu preciso fazer mais por ele, por todos.

Coisas simples. Se me foi dada uma condição de vida melhor que de meus semelhantes, então eu posso doar mais. Se eu aprendi a fazer algo que pode ajudar outros a se desenvolverem, então eu posso ensinar. Se… pois é, existem várias alternativas em minha mente, mas o gesto mais simples de estender a mão ao próximo é um passo que precisa ser dado. Como diz a sabedoria popular: comece limpando a sua calçada.

Sou cristão. Não digo isso porque acho que esse fato me garanta alguma condição especial. Pelo contrário, acho que minha crença me obriga a seguir um exemplo e alguns mandamentos a respeito de amor, generosidade, hospitalidade, doação, serviço, compaixão e entrega, que constam de forma enfática nos livros sagrados.

Há algum tempo, um amigo me falava sobre essa questão de plantar e colher. Está na Bíblia, mas é basicamente a velha regra natural da agricultura: o que você planta hoje, colhe amanhã. Às vezes o amanhã não é literal, às vezes quem vai colher o fruto dessa semente que lançamos não somos nós, mas outra pessoa, outra geração. Isso vale para gestos, coisas, investimentos – e plantas, evidentemente.

Até poucos meses, nosso mundo vinha passando por um período de bonança que há muito tempo não se via. Abundância de recursos, dinheiro, crédito, todo mundo esbanjando e aproveitando sua prosperidade. Tudo, segundo essa conversa com meu amigo, fruto de boas sementes plantadas lá atrás.

Pois é, mas acontece que nossa colheita também produz coisas. A maneira como arrancamos tais “frutos”, sem deixar a terra pronta para receber novas sementes, sem regar um pouco, pode impedir o novo plantio. Ficamos tão afobados em aproveitar a boa onda que deixamos de lado nossa obrigação em preservar para o futuro.

E a Nina, o que ela vai colher? Bom, tudo depende do que eu decidir plantar hoje.

(crédito da foto: flickr de pictoscribe)

Cenas domésticas – Herbalife

por Luiz Henrique Matos

Centro de São Paulo, rua lotada, multidões de pessoas se empilhando por todo lado e ambulantes vociferando suas ofertas de produtos piratas.

Nesse embaraço, o pai a carrega no colo já há quase uma hora. O braço cansado, a coluna pendente, as pernas fracas, o suor em bicas. Ela já tem dois anos. Ela já tem quase 15 quilos. Ela sorri. Está tudo bem.

Ela para de olhar a rua por um segundo, sonda o rosto do pai, o fixa nos olhos, passa os dedos pela barba e com os dedinhos juntos aperta-lhe as bochechas enquanto exclama sorridente:

– Gordinho!

Era só o que me faltava.

Em defesa da crise

por Luiz Henrique Matos

Wall Street

Wall Street

Por outro lado, essa crise até que é boa. “O mundo andava muito cafajeste” disse uma mulher numa entrevista recentemente. É verdade. O consumo desenfreado, a ganância das empresas, os lucros estratosféricos, a falta de consciência. Estávamos tomando decisões sem medida, sem pesar conseqüências, sem pensar no futuro. Afinal, pensar no futuro era ganhar muito dinheiro agora.

Mas as bolhas sempre estouram. E quando uma coisa estoura – bolhas ou bombas –, existe o efeito natural e físico de o que está dentro se misturar e afetar o que está fora.

É claro que não estou falando das pessoas que estão sem casa, dos pais de família desempregados e todas as tragédias. Isso é lamentável, é doloroso, é algo que os que estão sendo menos afetados – ou que, incrivelmente, estão incólumes nesse tempo – precisam observar para ajudar de alguma forma.

Mas é aí justamente que pode estar um ponto de mudança positiva. Não na tragédia mas no seu efeito sobre nós.

Talvez, o estouro dessa bolha, produza em nós uma atitude mais consciente.

Talvez a gente pare para pensar. Talvez percebamos, só agora, que precisamos cuidar do planeta, que precisamos controlar o aquecimento global, que não precisamos de uma TV de plasma ou LCD – ou saber a diferença entre uma coisa e outra –, que podemos gastar menos, doar mais, ajudar o vizinho que perdeu o emprego, cuidar do carro, talvez percebamos que a internet de oito megabytes por segundo serve tanto quando a de um, que o jeans de dois anos é mais confortável do que o da vitrine, que se o tênis for lavado vai ficar parecendo novo, que as “suaves prestações” prometidas pelos grandes magazines nunca foram, na verdade, tão suaves assim.

Talvez descubramos que podemos reformar as coisas ao invés de trocar por uma nova, que a boa refeição feita em casa junto com os amigos é mais aconchegante e gostosa do que a do restaurante caro, que bons livros podem ser comprados em sebos ou emprestados em bibliotecas, que precisamos passar mais tempo em casa porque, afinal, todo o tempo que passamos correndo atrás de dinheiro acabou não dando em nada. Ou melhor, deu sim, veja só no que deu…

Talvez percebamos que o dinheiro é algo que existe para nos servir e não o contrário. Talvez o que é “talvez” seja uma oportunidade.

A crise é dura. É como uma onda forte, inesperada, que chega varrendo tudo e tirando coisas do lugar. Mas quando passa, a água limpa e tira alguns excessos.

E no fim, logo ali na frente, tenho fé, sairemos dessa ainda mais fortes. Alguns antes do que outros, mas todos, certamente, mais conscientes quanto ao seu papel nesse mundo.

“Há quem dê generosamente, e vê aumentar suas riquezas; outros retêm o que deveriam dar, e caem na pobreza. O generoso prosperará; quem dá alívio aos outros, alívio receberá.” (Provérbios 11:24 5 25).

A teologia não salva

por Luiz Henrique Matos

A teologia não salva vidas. A questão da igreja e suas diferentes faces, alvo de tantas discussões desde sempre, são aspectos perifericos da fé. Ficamos presos a debates sobre a história, as interpretações, as pequenas diferenças, o que se pode ou não fazer, as maneiras de se conduzir uma reunião ou pastorear um grupo. Mas no fim das contas, isso não contribui em nada para melhorar o mundo em que vivemos. Isso não ajuda os cristãos a viverem o chamado de Jesus Cristo para que resgatem as ovelhas perdidas.

Tenho visto tantas pessoas, em tantas igrejas diferentes, com diferentes formas de culto e costumes dos mais diversos. E em todos os lugares, entre fundamentalistas e liberais, existem jovens dispostos a se manterem castos por amor a Deus, existem pessoas empenhadas em orar pelos enfermos e ajudar os pobres tal como Jesus ordenou, existem casais dedicados a apoiar familias em dificuldades, existem pregadores apaixonados pelas Escrituras.

Não importa o estilo ou a doutrina, a liberalidade ou o tradicionalismo, onde houver pessoas se chamando por “povo de Deus” e dispostas a se renderem à sua vontade, ali Deus cuida para que sua família floresça e seu amor seja vivo.

É consolador saber que em meio às nossas guerras particulares, o Pai mantém seus olhos e seu interesse fixos no coração do homem. Apesar do homem.

Cenas domésticas – Aniversário

Da série “Coisas lá de casa”…

Mãe: Nina, fala pra mamãe: quantos aninhos a Nina vai fazer?!?
Nina: Deeeeeezzzz!
Mãe: Não, filha, são dois… assim ó, com dois dedinhos. Conta junto com a mamãe. Depois do número 1 vem o…
Nina: Dooooooiissss
Mãe (empolgada): Isso, bebê!!! Que linda! Agora fale… quantos aninhos a Nina vai fazer?!?
Nina: Deeeeeezzzzz!!

Do direito de mudar de opinião

por Luiz Henrique Matos

Andei revendo alguns dos meus primeiros textos, vasculhando coisas que publiquei no site no começo de minha conversão e percebi que discordo de grande parte do que anotei há quatro ou cinco anos.

Achei algumas coisas bem estranhas e pensei em tirar tudo do ar (estão públicos no blog, aqui e aqui) e deixar apenas as mensagens que condizem – ou não contradizem – minha visão atual a respeito de Deus, a igreja e as coisas que circundam nossa espiritualidade. Olhando para trás, sinto que eu era um penoso protótipo de evangélico fundamentalista.

Sem a pretensão de ser como tal, lembrei da frase atribuída ao nosso ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, quando questionado sobre as contradições de seu discurso. “Esqueçam o que escrevi”, pediu na ocasião.

Mas, contrariando o primeiro impulso, resolvi deixar tudo lá. Discordo de mim mesmo em diversas coisas e leio alguns desses textos envergonhado pela sua visão tão pequena e religiosa. Mas não os apaguei justamente porque acho que deixar livre e transparente essa opinião passa em alguma parte pelo processo sadio de evolução, crescimento e maturidade pessoal dessa caminhada (que, definitivamente, ainda não atingi).

Apesar de já não pensar como antes e não ver motivos para permitir que algumas idéias se difundam pelos mecanismos de busca do Google (tem gente que chega ao site justamente por meio dos textos mais antigos), estou contente em saber que a respeito do que enxergo hoje acerca disso tudo, sinto-me uma pessoa melhor e mais feliz com meu Deus. No fim, acho que é o que vale realmente.

Sobre dons, habilidades e propósitos de vida (ou não)

por Luiz Henrique Matos

Há algumas semanas eu pensava nessas coisas de sempre. Coisa minha, de crise existencialista sobre propósito de vida, chamados para mudar o mundo, os sonhos semeados por Deus em meu coração… isso tudo que no fim das contas é algo mais voltado para mim mesmo do que para Deus.

E aí eu pensava que sou mesmo um tremendo egoísta.

Foi nesse instante que um pensamento me surpreendeu como uma rasteira. A doce voz do Espírito – sempre doce, sempre dando uma bronca sutil, sempre me fazendo cair arrependido – me dizia que não importa quais sejam meus dons, habilidades ou propósitos de vida, uma coisa não muda nunca: precisamos seguir a ordem e o exemplo de Jesus de orar pelos enfermos, ajudar os pobres e ensinar as boas novas do Reino a toda criatura, todos os dias.

A pensar… é o que Ele ainda faria se estivesse por aqui nesse tempo.

Sobre igrejas e fogueiras

Por Luiz Henrique Matos

Eu realmente acredito que alguns cristãos lançariam outras pessoas em fogueiras se isso fosse algo lícito nos nossos dias.

Parece um tanto absurdo de se imaginar, mas acho que nós só não praticamos atrocidades como essa porque olhamos para o passado e julgamos os atos de nossos tataravós a partir dos valores e regras que temos hoje. Naquele tempo isso não era uma atrocidade, tal como um dia também não foi ter escravos, apedrejar e crucificar pessoas, invadir territórios ou eliminar etnias inteiras simplesmente para dominar alguns alqueires de terras.

Eu acho que eu mesmo jogaria algumas pessoas na fogueira – às vezes chego a imaginar que até sei quais seriam…

É, eu sei, isso é um absurdo. Odeio saber que eu poderia agir assim. É mais fácil julgar os erros dos outros. Mas não acho que faça algo diferente hoje. Se em pleno século XXI me soa repugnante o fato de alguém se achar no direito de queimar outra pessoa viva simplesmente porque ela tem idéias diferentes das suas, é porque num dado momento a sociedade se deu conta de quão insensato aquilo era e resolveu tomar uma atitude digna a respeito.

E penso ainda que a sociedade ainda não se deu conta de muitos absurdos. Talvez, no futuro, nossos descendentes julguem como maior dos crimes o fato de que um dia o homem foi capaz de permitir que seu semelhante fosse condenado a condições sub-humanas, sem direito a itens essenciais para sua sobrevivência, tais como um prato de comida, água limpa e educação básica. Pode até ser que estudem, indignados, sobre milhões e milhões de pessoas que foram queimadas vivas pelo fogo da indiferença, da injustiça, da ganância e de tantos atos repugnantes dessa nossa época, diante de uma platéia que se pôs sentada em confortáveis sofás e assistiu aos sacrifícios a partir de seus televisores ou computadores. Sem fazer nada a respeito.

É possível que as gerações futuras olhem para os nossos dias e se perguntem o que tinham em mente os primatas deste século que, se dizendo servos de Jesus Cristo e seguidores da verdade amorosa pela qual ele morreu, ignoraram tantas mazelas e doenças e se calaram diante de crimes tão abusivos.

O que Jesus faria? Fico tentando pensar que males ele curaria nesses dias. Tento imaginar para que multidão olharia com íntima compaixão, que tipo de gente chamaria para segui-lo, que bancas de comércio viraria no templo e a que tipo de homens chamaria de hipócritas, deturpadores da palavra de seu Pai.

Perguntamos coisas a Deus, mas filtramos as respostas. Ignoramos a sua voz.

E sua voz clama por aqueles que sofrem com os males do nosso tempo. E é duro demais observar que as dores da humanidade são os frutos podres de seus próprios atos. Não adianta culpar o diabo, nós é que fugimos da Verdade. E precisamos mudar o rumo dessas escolhas.

Bem, você pode me perguntar o que eu faço a respeito disso tudo. Eu, sentado aqui num sofá bem confortável, não preciso pensar dois segundos: eu acho que jogo algumas pessoas na fogueira todos os dias.

“Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.” (Romanos 7:15, 18b e 19).

Eu dou esmolas

por Luiz Henrique Matos

Eu costumo dar esmolas. Sei que os especialistas não recomendam, falam que a maior parte dessas crianças que fazem malabarismos e dos velhinhos com suas caixas de balas jujuba nos semáforos são, na verdade, explorados por algum tipo de organização criminosa. Falam também que isso não contribui para o desenvolvimento social sustentável. Eu sei. Mas eu dou mesmo assim. Não consigo ignorar aqueles dedos batendo no vidro como se não fosse uma necessidade urgente.

Geralmente estou no carro e não resisto. Vejo aqueles olhos cansados, aquela pele castigada, as roupas sujas, os pés descalços… e então limpo meu porta-níqueis e dou as moedas que tenho comigo. Eu sou das pessoas que aceita todos os panfletos de propaganda imobiliária que distribuem nos cruzamentos.

Não, eu não sou um cara bonzinho. Dou por obediência àquilo em que creio, a Bíblia diz que devemos dar esmolas – não parei para avaliar o contexto, estou tentando obedecer somente. Mas depois eu fico pensando e acho que dou mesmo é para limpar minha consciência. Abro mão de alguns centavos em moedas para não me sentir culpado ao gastar mais do que acho justo numa calça nova. Dou o suficiente para que aquela criança compre um pão com manteiga no bar da esquina, para não dever nada a mim mesmo quando quiser torrar trinta vezes aquele valor num sanduíche na lanchonete bacana do shopping.

Eu poderia fazer muito mais. Vejo todas as mazelas da cidade grande passando pelo vidro do carro enquanto dirijo e só deixo que meu coração se compadeça por alguns minutos. Aí mudo a estação no rádio e me preocupo mesmo, afinal, se meu time está em quinto ou sexto lugar na tabela de classificação do campeonato e se vou conseguir cumprir o prazo de um relatório que pediram lá no escritório. E isso me ocupa o dia todo.

Eu sei, tem alguma coisa errada na ordem das coisas. Reclamo todo dia dos tantos males que afetam o planeta, da corrupção, das doenças, da injustiça, da fome. Alguma coisa precisa mudar. Alguma coisa precisa mudar em mim.

Alguma coisa eu preciso mudar.

“Os pobres são evitados até por seus vizinhos, mas os amigos dos ricos são muitos. Quem despreza o próximo comete pecado, mas como é feliz quem trata com bondade os necessitados! Oprimir o pobre é ultrajar o seu Criador, mas tratar com bondade o necessitado é honrar a Deus.” (Provérbios 14:20, 21 e 31).

Música para os meus ouvidos

por Luiz Henrique Matos

Ela tem dois olhos bem redondos, castanhos e quase sempre animados enquanto se concentram em alguma atividade. São esses olhinhos, muitas vezes, a primeira coisa que vejo no dia, bem de perto, quando acordo e ela já está ali na cama, quietinha, esperando. E abre um sorriso, com seus cinco dentes na boca, os olhinhos ainda inchados, as bochechas coradas e os dedos que me cutucam os olhos quando eu ouso fechá-los na tentativa de dormir mais um pouco, uns cinco minutos. Mas não dá, é irresistível. Ela está ali, com a testa colada na minha, respirando no meu rosto, me encarando, animada para começar o dia.

São os olhos espertos que me sondam pelo espelho, enquanto faço a barba no banheiro (“ué, que negócio é esse na cara dele?”, acho que ela pensa). Olhos atentos que me enxergam de longe no supermercado e eu a vejo estender a mão, me chamando para perto. São os olhos vagos semi-cerrados que pedem colo, lá pelas tantas da noite, quando ela já não resiste ao sono. Os mesmos que, cheios de lágrimas, pedem socorro depois do seu fracasso (leia-se: tombo) na tentativa de escalar algum móvel na sala. É o olhar brilhante, vivo, rodeado por aqueles cilhos compridos, o rosto gorducho e a boquinha rosada. É a sensação incrível de ver aquela pessoinha correr estabanada na minha direção ao me ver chegar em casa.

Fiquei mal acostumado. Eu diria: bem acostumado. Minha esposa iria falar que eu sou é carente mesmo. Mas o fato é que todos os dias espero por isso. Chego do escritório e, enquanto subo pelo elevador do prédio, já ajeito os papéis sob o braço e a alça da pasta sobre o ombro para abrir a porta de casa e esperar que ela venha.

Essa é das coisas mais rotineiras, eu bem sei. Sempre achei um clichê, gesto enfadonho, momentos estereotipados nos comerciais, a cena do pai ajoelhado, gravata frouxa no colarinho, sorriso estampado no rosto e braços abertos, esperando o filho que corre para se achegar em seus braços. O fato é que é exatamente assim que acontece. E eu me rendo ao rótulo que se quiser dar a isso e digo, a bem da verdade, é dos momentos que mais espero no dia.

E numa dessas “feiras” das quais se fazem os dias não ociosos da semana aconteceu, como sempre. Todo o ritual se repetiu, do elevador à porta de casa, do tilintar da chave na fechadura aos ruídos dela se movimentando na sala, do ranger da dobradiça enquanto a porta se abria (que agora lembrei ainda não cuidei de arrumar) aos primeiros sons da sola do meu sapato pisando no corredor da sala, do “quem chegô?” dito pela minha esposa ao afrouxar da gravata no colarinho. E foi ali, ao topar de frente com minha menininha correndo que ouvi:

– Papa!

Ela falou!

Saiu em disparada do sofá, as bochechinhas tremendo, os passos concentrados na minha direção. Em disparada, meu peito acelerava na sensação única de ver meu fruto me olhar nos olhos e dizer meu nome – ou a palavra mais simples que signifique essa condição paterna.

– Papapapapapapa… papa!

– Oi Nina!

Ela falou para mim. E se me pedisse o mundo naquela hora eu lhe daria (sabe como é, financiamentos bancários já não são tão difíceis de se conseguir ultimamente).

Eu olhava para aquela coisinha, que ainda precisa de mim para qualquer de suas necessidades básicas de sobrevivência e tinha consciência de que, naquele instante, ela era dona do meu coração. Seus olhinhos redondos brilhavam e o rosto sorridente me perseguia.

Duas silabas elementares no vocabulário de qualquer ser humano com mais de 6 anos, mas que a julgar de onde vinham, tornavam todas as outras coisas menos importantes por um momento. Era o melhor dos elogios que eu podia ter ouvido nesses dias.

Sim – respondendo a uma pergunta que talvez você não tenha feito –, ela já havia falado outras coisas antes. Disse “mamã” para chamar aquela que é justa merecedora da primeira fala. E disse “kissss”, para chamar a nada merecedora cachorrinha no quintal da casa da minha sogra, enquanto fingia estalar os dedos.

(Eu estava em terceiro lugar nessa fila, mas quem se importa com o detalhe de que antes de me chamar ela tenha aprendido a correr atrás de uma poodle que não lhe dá a menor atenção e que ela só vê uma vez por mês? Quem liga? Hein? E estalar os dedos! Hein?!?)

E aquela voz admirada se dirigindo a mim soava como expressão de louvor. Era ela, minha cria, aprendendo uma coisa nova e se expressando para mim. Orgulho, corujice, satisfação, amor, coração mole, euforia, puro exagero. Sim, a mãe dela tem razão, sou meio carente.

Aquela voz, o resmungo, o chorinho pelo qual eu largo tudo e lhe volto minha atenção. Deixo trabalho, abandono um livro aberto sobre a mesa, largo as tarefas por fazer, deixo o feijão esfriar no prato, desligo o futebolzinho na TV. Abandono a mais importante das prioridades, porque meu pequeno fruto precisa de mim. Eu nunca imaginei que seria assim, mas o coração de pai renuncia de si em favor do seu sangue que corre naquelas frágeis veias.

E ainda agora, alguns meses depois, aquela vozinha mínima me chamando ainda é capaz de me mover. E fico pensando que vai ser assim a vida toda. Se ela chama, eu vou. Se estou deitado, me levanto. Se ela diz algo, respondo. Se ela chora, eu acordo. Se ela pede, invariavelmente, eu dou.

Ela é filha, eu sou pai. E quando ouvimos a voz da nossa própria carne nos chamando, que pai não pára e se curva para ouvir, responder, atender ao pedido de um filho?

Quem resiste?

Nenhum pai. Nem o Pai.

É proibido pensar?

Por Luiz Henrique Matos

No começo, tudo parecia interessante. Embrenhei-me na leitura e sentei atendo às novas vozes que entoavam sua crítica endereçada a uma parte da igreja que, mercantilista, pasteurizou o evangelho. Surgia um contraponto ao velho discurso evangélico massificado na mídia.

Eu gostei de tudo isso. Parecia um eco do que dizia meu coração. Era equilíbrio num pensamento adequado, humano, cheio de essência bíblica.

E surgiram novos pensadores no meio da igreja. Gente intelectual, de ouvido atento e voz ácida contra os que pregam heresias. Gente empenhada em preservar a verdade das Escrituras. Gente finalmente mais preocupada, mais preocupada com… com o quê mesmo?

Com o tempo (pouco tempo) a crítica construtiva deu lugar a uma voz de combate. E líderes cristãos passaram a tomar posição numa batalha ideológica.

Serei sincero, não sei ainda o que pensar a respeito desse tipo de manifestação. Tenho minhas inquietações e indignações com alguns comportamentos que observo na igreja. Às vezes tenho vontade de entoar esse mesmo discurso e virar as mesas dos que fazem comércio no templo, tal como nosso mestre naqueles dias em Jerusalém. Às vezes até viro.

Mas depois, feita a obra, vejo que ainda assim a dor não passa, percebo que a cura não vem pela explosão impetuosa. Noto uma vez mais que só pela graça, o amor, a cruz é que ocorrem transformações. Em Deus. Percebo, afinal de contas, que não importa tanto o que eu digo ou escrevo, mas vale sim o que eu faço, o exemplo que dou, as pessoas que formo. São mais que palavras.

Ao vociferar uma crítica, tenho medo que minha opinião fique restrita a isso: mera opinião. Tenho medo de julgar, de filtrar o que entendo como lei e condenar os outros baseado no simplismo de minhas interpretações, sem pensar com o coração de Deus. E tenho medo também de apontar o dedo ante os olhos dos outros sem enxergar a sujeira que eu mesmo produzo. Também peco. Talvez não os mesmos erros desses “cambistas”, mas peco com outras tantas e iguais falhas.

Acredito que a auto-reflexão na igreja é positiva e necessária. Mas prezo pela atitude sábia, pela ponderação construtiva dos que respeitam a liberdade e resgatam a essência das boas novas que pregamos. Sem batalhas particulares, sem combates contra “carne ou sangue” como nos ensinou o apóstolo, sem levantes que tentam separar o joio do trigo antes da hora. Não existe guerra santa.

“O conhecimento traz orgulho, mas o amor edifica.” (Paulo, na primeira carta ao Coríntios, capítulo 8, verso 1).

Por isso, opto por não dar nomes aos bois. Já o fiz e me arrependi. Pobres dos bois. Hoje, prefiro exaltar as boas obras dos que ajudam a construir dignamente o Reino. Faço minha escolha baseado no amor que promove a paz. Decido meu caminho pensando nas pessoas, vidas, que acabam ignoradas quando nossos olhos se voltam exclusivamente para ideais.

Precisamos ser um. Respeitando as diferenças. Vivendo em Jesus Cristo, como Ele, que viveu e morreu por todos. Todos.

“A maior carência do nosso tempo é por uma igreja que se torne o que a igreja raramente tem sido: o corpo de Cristo com o rosto voltado para o mundo, amando aos outros independentemente de religião ou cultura, derramando-se numa vida de serviço, oferecendo esperança a um mundo aterrorizado e apresentando-se como alternativa genuína ao que se passa hoje.” (Brennan Manning).

 

Tragédias – O que os números não dizem

por Luiz Henrique Matos

Parecem só números. Os frios números dos economistas, estatísticos, contabilistas, pesquisadores. Os relatórios chegam das agências através de notas, com dados, gráficos, escalas, percentuais, contagens, somas e/ou subtrações.

Chegam também as imagens. Duras imagens. Mas tão artificiais e estáticas como poderiam ser as produzidas em qualquer estúdio. Vemos na tela da TV, do computador ou nas páginas de sites e jornais. Fatos, dados e fotos. Nada mais.

E eu leio, quase como se meu olhar passasse por sobre uma receita de bolo:

– 100.000 mortos por ciclone que atingiu Mianmar. 1.500.000 foram afetados.
– 1 mãe é morta na frente dos filhos em Taubaté (SP).
– 18.000 soterrados em terremoto na China. Mais de 12.000 mortos.
– 45 pessoas morrem após explosões no oeste da Índia.
– 1 criança jogada da janela do 6º andar morre em São Paulo (SP).
– 4.000 soldados americanos já morreram desde a invasão do Iraque.
– 48 mortos e 5 desaparecidos em naufrágio de barco no rio Solimões (AM).

Faz diferença para você?

São pessoas. João, Johnny, Cheng, Mohammed, Maria, Jen, Isabella, Hashid, Park, Lee… gente, vidas, com sangue correndo nas veias, coração pulsando, a mente atribulada em medo, desesperados. São planos que não se cumpriram, famílias destruídas, crianças órfãs, cidades inteiras arruinadas. É mais, muito mais do que podemos calcular.

Não, por favor, não são números. Nunca poderão ser.

Eram, são, somos pessoas. Criados e sonhados por Deus. Cada um para quem o Pai concedeu seu sopro de vida. Homens, mulheres e crianças por quem Jesus Cristo morreu naquela cruz.

Sonhos interrompidos.

Há lágrimas nos céus. Angústia, dor e luto no coração do Pai, que vê sua criação sucumbir diante da fúria de uma catástrofe.

E nós. Não podemos ser apenas espectadores, leitores e analistas dos fatos que chegam pela mídia. Não podemos passar por mais essa sem nos comover. Não, não dá para encarar a tragédia com a mesma normalidade e inércia do mais recente aumento de 0,25 pontos percentuais na taxa de juros nominais. Que se danem os juros!

Não importam os dados, importam as pessoas.

Precisamos ter o coração de Deus. O Deus que rasgou o céu, o tempo e a eternidade para resgatar aqueles a quem ama. O Deus que se sacrificou e levou a dor da humanidade em seus ombros. O Deus que deixou o mandamento para que os seus filhos sejam na terra o que ele mesmo é.

Devemos resgatar o caráter e a atitude de Cristo, que são nosso exemplo e direção de vida.

E hoje, vale, muito mais que palavras, a intercessão sincera, seja em oração, em donativos ou em atitudes. Vale, mais que um sermão, ser mão estendida para ajudar.

“Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’. “Então os justos lhe responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?’. “O Rei responderá: ‘Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’.” (Mateus 25:34-40).

Sobre a velhice, rotinas e prioridades

por Luiz Henrique Matos

Eu nem posso dizer que não haviam me avisado. As frases-feitas me passam pela mente como verdades nas quais eu não quis acreditar. “O tempo voa”, “vixe, passa rápido”, “aproveite agora”, “você vai ver como cresce rapidinho”… eles tinham razão.

No mês passado ela fez um ano. Já fez um ano! Corre para todo lado, balbucia as primeiras palavras, arrasta os brinquedos pela sala, faz as manhas de todo neném quando quer algo e engorda e cresce em ritmo de gado novo. O que eu posso fazer? Nada, nem sei por que pergunto. Os cabelinhos encaracolados, a pele branca, bochechas gordas, a boquinha rosa… Nina, meu neném, até há pouco tempo totalmente dependente, agora é uma pessoinha cheia de vontades, uma menina, criança, que daqui a pouco cresce e cresce mais. E assim vai. Quando se vê, já foi.

Passa rápido demais. E percebo que tem coisas dos últimos anos que se misturaram na memória. Vi-me mais uma vítima de outra verdade, a de que depois dos dezoito os anos já quase não se contam. E ficam esparsos, cada vez mais, os momentos memoráveis do dia-a-dia. A praga da rotina.

Não, não reclamo da vida. Ela é boa demais da conta. Tenho esposa, uma filha, trabalho. Tenho Deus, meu Senhor e Pai. Minha família e meus amigos. O que paro pra pensar é na rotina – sempre ela – e nos dias que insistem a passar, na parte da vida que se contam nas horas, que observo já vivida, lá atrás, através do retrovisor do carro que dirijo em primeira marcha no trânsito caótico dessas nossas avenidas.

Também não vou me iludir, o auto-engano é frustrante demais. Sei que as coisas continuarão como são e assim sempre serão. Mas eu não. Quero fazer diferente.

E isso passa pelos momentos memoráveis, daqueles mais simples, de um dia de boas risadas, boa comida, de descompromisso.

É o que eu quero. Estar com minha família e aproveitar. Lembrar que os recursos mais valiosos são aqueles para os quais dedico mais tempo. Jesus disse: “onde estiver o seu coração, ali estará o seu tesouro”. Falta agora um pouco dessa ordem em mim.

Deus, família, trabalho, igreja… tudo tem sua ordem, seu tempo, valor. Mas mais do que uma fração de minutos ou dias, importa a qualidade e não a quantidade que se emprega.

Para entender esse valor, recordo das boas marcas e lembranças. São essas coisas que quero viver mais. Em casa, à mesa, na rua, no chão, na estrada, à mesa, de mãos dadas. Sei que sou mais do que o acaso. Sei, em Deus, que existe um propósito para a vida. E eu gostaria de envelhecer e saber que cumpri com integridade minha jornada, o bom caminho. Mas não só. Se for assim não tem graça. Bom será saber que o fiz ao lado daqueles a quem amo.

Todos lá sentados num gramado de verde quase escuro, numa tarde de sol brando e céu azul, ao lado do pomar, em frente à casa de madeira clara, o cão correndo pelo jardim, as crianças brincando na terra, os adultos brincando na terra, uma boa rede estendida, a mesa posta com toalha branca embaixo da árvore cujo galho serve de sustento para o balanço de pneu de caminhão, o suco fresco servido gelado, a moça grávida sonhando com os dias da nova vida que carrega no ventre ao lado do marido que lhe acaricia os cabelos, o cheiro de café coado e recém fervido no bule invadindo o ar… e a certeza de que isso não nos custa mais do que um bom sonho.

Salomão sabia das coisas. Já idoso, no fim da vida, tratou de registrar o que observou para que pudéssemos aprender alguma coisa.

“Portanto, vá, como com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre, pois Deus já se agradou do que você faz. Esteja sempre vestido com roupas de festa, e unja sempre a sua cabeça com óleo. Desfrute a vida com a mulher a quem você ama, todos os dias desta vida sem sentido que Deus dá a você debaixo do sol; todos os seus dias sem sentido! Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho debaixo do sol. O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não há conhecimento nem sabedoria.” (Eclesiastes 9:7-10).

E penso, decido agora, que não vou eu esperar o fim da vida para chegar às mesmas conclusões que o sábio rei. Posso e vou fazer agora, aquilo que de fato tem valor. Quero ser o homem rico, cheio do tesouro que realmente interessa e vale a pena acumular.

Meu coração está no meu tesouro.

E confesso que às vezes eu queria mesmo é que o tempo não passasse assim de forma tão brusca. Que minha menina pudesse caber em meus braços para sempre. Que eu conseguisse me manter o humor do garoto que conquistou o coração da moça mais bonita, que um dia me disse o “sim” definitivo num altar. Tanta coisa. É bobagem minha, tempo gasto à toa. Importante é o que posso fazer desde agora.

Deus não faz um só dia igual ao anterior. Não tem amanhã que possa ser previsto e também não existe ontem que possa ser vivido outra vez. E acho mesmo que para o amor, hoje é nosso melhor momento. O que faço agora é o semear do fruto que colherei daqui a pouco e também lá na frente. E minhas prioridades revelam meus valores, me revelam.

O resto, Salomão me ensinou, é correr atrás do vento.

“Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é o essencial par ao homem.” (Eclesiastes 12:13).

Uma resposta

por Luiz Henrique Matos

“Minha resposta é o amor”.

Lá do fundo do salão, eu observava a quantidade de pessoas com os braços levantados, respondendo a um convite que pedia que se manifestassem aqueles que passavam por um momento de dificuldade ou dor.

Uma voz, sobrepondo todos os meus pensamentos momentâneos, me martelava a mente, falando algo sobre o amor e sobre respostas.

Vendo aquilo, me questionava como é possível, no meio da igreja, tantas pessoas ainda lutarem diariamente contra o sofrimento. Estou errado, eu sei – isso é uma questão circunstancial, pessoal e nada prática – mas às vezes me parece antagônico.

“Hoje eu trago respostas. A partir de agora eu planto em cada coração o meu consolo, uma nova direção e a minha providência”.

Enquanto via aquelas pessoas, ainda que por alguns segundos, fui levado a um pensamento sobre a vida de cada um. Afinal, quem eram eles? Do que sofriam? Não eram os mesmos que ainda há pouco participaram da ceia e cantaram em gratidão ao bom Deus?

Eu olhava aquela multidão e até o fundo era possível ver algumas dezenas de mãos erguidas. Alguns rostos eram conhecidos e eu já vira em outros domingos, outros eu nunca tinha visto.

O homem na cadeira à minha frente levantou o braço direito. Parecia um pouco constrangido em admitir que precisava de ajuda. Mas ele precisava de ajuda! O que ele tem? Sua mão levantada era um pedido de socorro. Estava com a mulher e dois filhos. Eu não o conheço. Do que ele precisa?

“Minha resposta é o amor”.

Convenço-me cada vez mais de que a igreja é uma comunidade de doentes se prestando a ajudar uns aos outros. E meu espanto vem em parte porque noto que somos curados à medida que ajudamos outros a vencerem suas batalhas e obterem auxílio em suas dores.

Em grande parte, foi o que Jesus fez. Em seu sofrimento, permitiu que fôssemos resgatados e salvos.

“Minha resposta é o amor”.

Deus falava com sua voz pungente em meu coração naquela manhã de domingo. E sua manifestação (sim, eu acredito nisso) fazia meu peito arder em compaixão. Por um instante, pude ver com seus olhos e saber que a dor de seus filhos, faz o Pai se retorcer em angústia e desejo em ajudar. Acima do bem e do mal, ele ama. Deus é amor.

Agora, três dias depois, reflito sobre aquela situação tentando entender que sentido tem eu saber e ouvir uma resposta quando o clamor desesperado vinha de outros corações.

“Escreva”, sugeriu meu amigo-conselheiro. Não gosto. Prefiro guardar esse tipo de experiência para mim. Falar sobre assunto assim me parece polêmico, exibicionista e algo dotado de certo orgulho próprio. Mas eu cedi.

Enquanto penso sobre aquele momento, percebo a intenção paterna me incomodar outra vez a mente. E para mim a resposta vem em saber que pela fé somos levados a acreditar no poder curador e consolador do nosso Deus. No entanto, na prática, ele nos mostra que sua manifestação se dá através do toque de nossas mãos e das palavras de consolo que saem dos nossos lábios.

Temos a Deus. Deus é amor. E somos a sua resposta uns para os outros.

“Assim conhecemos o amor que Deus tem por nós e confiamos nesse amor. Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele. Dessa forma o amor está aperfeiçoado entre nós, para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo somos como ele. No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor. Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.” (1 João 4:16–20).

(Escrito para coluna no site ComunidadeCarisma.net)

Minha Páscoa

por Luiz Henrique Matos

“Porque, sempre que comerem desse pão e beberem desse cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até que ele venha.” (1 Coríntios 11:26).

* * *

Hoje pela tarde, sexta-feira, eu me vi numa cruz. Olhei para cima e, olhos nos olhos, me vi em Cristo. Não, não me vi em seu lugar, eu me vi naquelas feridas, me vi como sangue jorrando de sua carne, me vi como um espinho afiado cravado em sua testa e perfurando o olho. Hoje me vi como um prego atravessando os tendões até romper o seu punho.

Pude me contemplar por inteiro naquele corpo que se contraía em câimbras e agonia. Vi naquelas feridas o meu orgulho, minha vaidade, meu egoísmo, minhas mais ocultas sujeiras. Vi, em seu brado de dor, ecoar minhas mentiras, as razões infundadas, minha impureza.

Ouvi, no sarcasmo de seus algozes, minha voz  ressoar. Sondei a trilha de seu martírio e observei minha história, minha vida exposta em cada uma de suas lagrimas de dor. Eu pingava sobre a terra árida numa mistura de água e sangue.

Vi meu passado, todos os meus desvios, minha consciência pesada de tantos e tão duros erros que nunca eu quis lembrar de novo.

Estava tudo ali, numa cruz. Eu o apedrejei.

No corpo dilacerado de um homem inocente, vi a minha condenação. Em sua alma, doía o peso dos meus pecados.

Hoje olhei fundo nos olhos do homem em cujo rosto cuspi.

Eu vi.

E ele não me julgava. Sequer questionava. Em seus olhos cansados e cheios de lágrimas, vi o absurdo, o incompreensível, minha maior interrogação: eu vi amor.

É possível?

* * *

Hoje pela manhã, domingo, me vi num túmulo vazio. Havia faixas de linho dobradas no canto e um cheiro de perfume de ervas. Não, eu não vi o corpo do homem morto. “Ressuscitou!” gritavam algumas mulheres do lado de fora.

Mas para mim, ainda ecoava na mente o sussurro daquele cordeiro pascal. “Pai, perdoa-lhe”. Ainda tinha visões com o brilho daquela olhar. Como pode  alguém ter compaixão quando mais carece dela? Com pode alguém amar quando tem todas os motivos para o ódio? Como pode um juiz se destituir do poder de julgar? Como pôde Deus morrer?

Olhei para a gruta vazia e só vi crescer minhas dúvidas. Pois se vi na cruz as minhas culpas sendo levadas, o que sou eu agora? Que será da vida breve que ainda tenho?

E caminhava para casa. Fora daquele túmulo, mais ningúem exclamava, todos correram, ningúem restou. Vi tão somente o jardineiro. Simples, cabisbaixo o homem. Eu passaria reto, admito, sem percebê-lo. Mas ele então ergueu o rosto e me chamou. Pelo nome! Ele me chamou pelo nome. Pude ver seus olhos. O olhar. Era ele.

Era Ele.

Senti o fraquejar de minhas pernas até cair de joelhos e me dobrar aos seus pés. Prostrado, assim estava eu, meu corpo, minha alma, meu todo, eu. Senhor meu! Tentei, mas não consegui dizer nada. Ele me tocou. Como um pai que ampara o filho, ergue-me pela mão, abraçou-me, consolou. “Pronto, querido. Acabou”.

Acabou.

Hoje olhei fundo nos olhos do homem que morreu em meu lugar há três dias.

E ele não me julgava, sequer questionava. Em seus olhos atentos e cheios de vida vi brilhar a alegria, o triunfo, a esperança da vida eterna, a paz, o compreensível, minha maior certeza: eu vi amor.

É possível!

* * *

Hoje é Páscoa. E percebo numa noite de tempestade, o refrigério cair do céu. O que me lava, o sangue, o vinho. O que me salva, o corpo, o pão. Em memória de Jesus Cristo, reparto a ceia e reflito que não foi há dois mil anos que aconteceu minha páscoa, mas no exato momento em que olhei para a cruz e vi quem eu verdadeiramente sou em Cristo: filho de Deus.

“Jesus fez também muitas outras coisas. Se cada uma delas fosse escrita, penso que nem mesmo no mundo inteiro haveria espaço suficiente para os livros que seriam escritos.” (João 21:25).

À Ele.

Primeiros passos

por Luiz Henrique Matos 

 

Soltei minha pasta no chão, larguei o paletó sobre a mesa, afrouxei o nó da gravata e arregacei as mangas da camisa. Eu acabara de ouvir a novidade e não podia acreditar que estava acontecendo. Bem, quer dizer, podia sim, já havia imaginado centenas de vezes como seria esse momento. Mas nada se parecia com aquilo.

Ajoelhei, abri os braços e fiz o convite:

– Vem, filha. Vem aqui com o papai.

Ela riu. Sempre ri. Soltou seu apoio no encosto da cadeira e deu o primeiro passo, cambaleou, tentou se equilibrar, ôôô, caiu sentada. Sem problemas, a fralda amortece a queda. Pronto, vamos recomeçar. Em pé. Um passinho, dois, outro, mais um, vários, vários passos. Ela vinha atravessando a sala em minha direção, com aquela insegurança típica da inauguração dos momentos importantes da vida, com um sorriso de conquista naquela boquinha banguela, seus olhos alternando entre o chão logo à frente e o meu olhar concentrado, orgulhoso, paterno, protetor, satisfeito, radiante, coruja.

– Que belezinha! Minha princesinha já está andando! Parabéns, filha. Que linda! Agora ninguém te segura… Amor, vai tirando tudo o que é de vidro aí de cima do móvel. Amor, você viu isso?! Preciso filmar! Amor, cadê a câmera?

Ela andou. E agora sai descontrolada pela sala, quartos, banheiros, cozinha, corredor, shopping center e ruas. Ela vai a toda, cambaleando, tropeçando, caindo e confiante. Independente.

Será que ainda vai precisar de mim para alguma coisa?

Até ontem só andava mesmo de mãos dadas, com aquela mãozinha suada apertando o meu dedo indicador e um pedaço de pão preso na boca. De mãos dadas com o pai, seus passos são mais largos, ela se sente mais segura. Eu era seu ponto de equilíbrio. E ainda pedia colo para qualquer coisa.

O tempo vai passando. Não me cabe julgar a velocidade das coisas, é o tempo, e pronto. Mas com o passar dos dias consigo enxergar um pouco do meu papel como pai se cumprindo, uma porção do trabalho finalmente frutificando.

Às vezes (cada vez menos) é possível perceber sua insegurança. Ela olha os cinco metros à sua frente – que a visão em miniatura deve transformar em cinco quilômetros – e fica com medo, ameaça sentar, pede colo. Vencendo os instintos super-protetores (são muitos, acredite), eu mantenho distância, estendo os braços e a incentivo a seguir sozinha.

Lembro que Deus já fez isso comigo. Não faz muito tempo, eu nem sabia andar. Levantou-me, estendeu o dedão para que eu me apoiasse e soltou minha mão no momento certo. Na outra ponta, de olhos esbugalhados e braços abertos, estava lá, coruja, orgulhoso de ver sua cria caminhando pela primeira vez com as próprias pernas. Cambaleante, mas vitorioso. Era eu.

Deus me fez para aprender a andar sozinho.

Apesar de já andar sozinha pela casa, a Nina ainda me pede colo. Quando está cansada, quando cai e começa a chorar, quando precisa de alguma coisa ou, nos mais deliciosos instantes, quando corre para um abraço.

Eu nem ligo, eu gosto, é minha filha.

Às vezes eu peço colo.

(Crônica escrita para o Comunidade Carisma.net)

Como nos velhos tempos

por Luiz Henrique Matos

Eram seis da tarde. A reunião de culto começava com ameaça de chuva. Os primeiros acordes já saltavam pelas caixas, embalados seqüencialmente pela guitarra, violão, teclado, bateria, percussão, contrabaixo, vozes. Música.

Como todo domingo, as luzes daquele galpão de fábrica transformado em igreja foram se apagando, as mãos de quase duas mil pessoas iam se levantando e, em alto som, as vozes de um grande coral cantavam elogios ao bom Deus. Eu estava lá, de olhos fechados, mente aberta, coração entregue.

E foi num segundo, entre uma frase e outra que “pufff…”, apagão! Centenas de olhares de interrogação foram dirigidos ao palco. Tudo escuro, tudo em silêncio. Acabou a energia no bairro.

A equipe da música não se deixou intimidar. O vocalista marcou o compasso nas palmas e começou a cantar sem o microfone. Aos poucos o som foi crescendo, as palmas entrando no ritmo, da frente para o fundo do salão as vozes foram-se somando e a música seguiu. Sem instrumentos, sem microfones, as canções do repertório foram improvisadas.

Alguém ao lado pode não ter gostado. Uma senhorinha mais atrás começou a fazer uma oração em voz muito alta. Eu achei tudo aquilo ótimo. Uma massa de vozes fugindo da inércia que uma liturgia padronizada produz. Sem automatismos. Éramos um grande coral desafinado, mas finalmente muito sincero.

A energia voltou duas músicas mais tarde. Tudo correu normalmente para o fim das canções, o momento dos recados, recolhimento de ofertas e o início do sermão. E foi ali mesmo, no meio da mensagem, enquanto o pastor pregava sobre um tema tão marcante, que a escuridão voltou.

Bem – eu pensei – não vai dar para fazer um coral agora. E fiquei imaginando qual seria a decisão daquela liderança. E me senti grato ao ouvir aquele homem gritando, pedindo a todos que fizessem o máximo de silêncio possível porque a mensagem seria pregada até o fim.

E assim foi, sem luz, sem microfones, sem anotações, sem telões ou recursos áudios-visuais. Uma multidão em silêncio, atenta a cada palavra, concentrada no significado da mensagem, nos textos, nos tópicos. No fim, todos reunidos em silêncio, de mãos dadas para uma oração conjunta.

Fui pra casa imaginando como não era nos tempos antigos. Pensei em Jesus, que pregava assim para tanta gente, todos os dias, nos caminhos da Terra Santa. Pensei nas cordas vocais do nosso pastor e que ele deveria estar precisando de uma pastilha Valda.

Eu acho mesmo que às vezes é muito bom voltar à simplicidade. Somos bombardeados por informação de todos os lados, a todo instante. E deixar de lado os recursos tecnológicos e novas mídias de apoio ajuda a ter um único foco em alguns momentos.

Naquela noite, tínhamos à frente somente a escuridão e foi bom, bom demais, perceber o silêncio quase soberano ser rasgado por uma voz exaltada anunciando a única verdade fundamentalmente necessária: Jesus Cristo, o Senhor.

Obrigado aos meus irmãos da Comunidade Carisma, por não desistirem de alimentar esse rebanho faminto.