Doentes curando doentes

por Luiz Henrique Matos

Ela estava gripada, dava dó. O olho inchado, a ponta do nariz vermelha, a respiração de boca aberta, ofegante, tadinha. De madrugada, lá do outro quarto, dava para ouvir os espirros, meio abafados pelo travesseiro. Dava para ouvir o ruído do nariz entupido, que escorria durante todo o dia. Dava para ficar preocupado. Ela nem tinha 70 centímetros de comprimento.

Minhas orações se intercalavam e contradiziam ao mesmo ritmo em que eu a balançava no colo. Pai, eu te peço que cure minha filha dessa doença. E eu ouvia um gemido, um chorinho, a voz rouquinha. Ai, Deus… passe essa dor para mim, mas não deixe que ela sofra. Os remédios, a dosagem, a inalação, o médico. Ué, cadê o telefone do doutor? A gente precisa ligar pra saber o que fazer. Tentava imaginar o que mais poderia ser feito para melhorar aquela situação. Senhor, cuide da minha menina…

E entre preocupações e tentativas, me surpreendia em atitudes curiosas. Naquela noite, ela estava deitada na cama, estirada, corpo dolorido e cansada. Eu dosava pelo conta-gotas um pouco de soro fisiológico em cada uma daquelas narinas minúsculas. Passei a massagear levemente a parte superior do nariz para que a entrada do soro fosse facilitada, apoiei sua cabecinha sobre um travesseiro mais alto, tirei as mantas e bichinhos de pelúcia que pudessem fazê-la espirrar ou acumular poeira. Isso fez com que ela respirasse com mais facilidade. Passou a descansar melhor. Dormiu.

Aí tentei lembrar de onde eu tirei tais instintos. Será que vinham no pacote da paternidade? Hum, não, acho que não. Recordei minha infância, a chateação de uma rinite alérgica que me prejudica o olfato até hoje (acredite, às vezes posso confundir cheiro de perfume com tempero de comida). E me vieram à mente as noites da nariz travado, as madrugadas em que a mãe trazia o travesseiro mais alto para eu dormir, da vez em que os carpetes de casa foram tirados e da revolucionária substituição dos cobertores de lã Parahyba por moderníssimos edredons. Lembrei que, um dia, eu mesmo precisei passar pelo que, agora, fazia pela minha filha.

Doentes curam doentes.

Confesso que aquilo estava longe do meu ideal de paternidade e muito, mas muito distante do tipo de conhecimento que imaginei transmitir para minha prole. Mas aprendi que as dores, sofrimentos momentâneos e tempestades pelas quais passo, devem servir – e servirão – para que eu ajude outras pessoas que porventura estejam lutando o combate que em algum momento já venci. Depois de passar a enxergar, devo guiar o cego na escuridão. Deus espera isso de mim. De nós.

Naquela noite ali no quarto, eu a segurava no colo, pedindo ao Pai que a curasse e aliviasse sua dor. E percebi em meu coração que ele observava, desejando embalar em seus braços a menina que criou para chamar de filha. Ela é dele. Dele, o Deus que se entrega, e cuida daqueles que ama.

E aí aprendo outra vez, na dor e na alegria, que a paternidade me aperfeiçoa como filho.

“Porque todos aqueles que pedem recebem; aqueles que procuram acham; e a porta será aberta para quem bate. Por acaso algum de vocês, que é pai, será capaz de dar uma pedra seu filho, quando ele pede pão? Ou lhe dará uma cobra, quando ele pede um peixe? Vocês, mesmo sendo maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos. Quanto mais o Pai de vocês, que está no céu, dará coisas boas aos que lhe pedirem!” (Mateus 7: 8-11).

(Crônica escrita para o ComunidadeCarisma.Net)

Pequenas lições

por Luiz Henrique Matos

Até outro dia ela cabia no meu antebraço, seu tamanho exato. Hoje, eu mal consigo segura-la nos braços. Poucos meses se passaram mas muita coisa mudou. Na essência, é um ser humano em evolução tão intensa e mais rápida do que eu posso assimilar.

Hoje mesmo, durante o café da manhã eu a observava brincando no chão da sala, deitada de costas sobre o edredom, assistindo pela qüinquagésima vez aos clipes do “Cocoricó” (cuja trilha, confesso, canto entusiasmado entre o barbear e um nó torto na gravata).

– Como cresce rápido, não é mesmo dona?

– Poizé. Num instante eles cresce. Igual a vida. Quando a gente vê, rapidim, tudo já passô (sic).

Sotaque mineiro, analfabeta, cheia de razão, recolhia a louça de ontem espalhada sobre a mesa. Falou, é verdade, aquilo que todo mundo já sabe. Mas com o peso de setenta anos nas costas, filhos adultos, netos, um bebê adotado, viúva… imagino que suas histórias e lutas sejam interessantes. As dos antigos sempre são. Imagino que suas afirmações tenham sempre um peso maior de verdade e sabedoria do que essas conclusões da minha imaturidade.

Fugaz. O tempo voa, a vida passa e o que, de verdade, é importante fazer? Seria o desafio melancólico da auto-ajuda que questiona onde estão empenhados nosso tempo, dinheiro e esforços? Ou o melhor mesmo é viver despreocupado e deixar que as coisas aconteçam por si só?

Não sei dizer. Ou, prefiro não decidir isso agora. Em ambos os casos, não dá para seguir sozinho.

Ela passa por trás da mesa, percebo que calça o par Havaianas antigas da minha esposa. E volta então para a cozinha, onde lava, passa, prepara a comida que fará no almoço.

E percebo, entre uma mordida no pão sovado e um gole na xícara de leite frio com chocolate, que a sabedoria não é privilégio da “gente letrada”, mas dos que observam, e vivem, e seguem com dignidade a vida que nos absorve.

“Portanto, vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre, pois Deus já se agradou do que você faz. Esteja sempre vestido com roupas de festa, e unja sempre a sua cabeça com óleo. Desfrute a vida com a mulher a quem você ama, todos os dias desta vida sem sentido que Deus dá a você debaixo do sol; todos os seus dias sem sentido! Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho debaixo do sol. O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não há conhecimento nem sabedoria.” (Salomão, homem que observou, já velho, em Eclesiastes 9:7-10).

Na falta do que dizer…

por Luiz Henrique Matos

Faz umas quatro horas que estou tentando escrever algo aqui nessa tela. Já comecei quatro textos diferentes, esse é o quinto. Acho que agora vai. Acho.

O último eu parei duas vezes. Na primeira, para dar a mamadeira para a Nina, que chorou lá do berço pedindo seu leitinho. Altíssima prioridade. Na segunda, também pela Nina, que resmungava os primeiros gemidos dando sinal de acordaria em breve.

Pensei em deixa-la ali no berço, afinal já passam das onze e é hora de bebê estar dormindo. Mas não resisti. Olhei aquele rostinho, aquele olhar de quem acorda e ainda dorme me sondando, o sorriso banguela se construindo no rosto e a mãozinha vindo na direção das minhas bochechas. Ela me aperta. Mão macia. Mas precisa cortar as unhas. Ela pede colo. Peguei-a e vim para a sala brincar. Isso sim, mais importante do que qualquer palavra mal escrita numa tela de computador.

Me veio à mente então uma pérola: mais importante do que as coisas passageiras que depois podem ser feitas, é dar valor ao que passa rápido e quando vê já não se pode mais fazer (éca, ficou péssimo isso).

Ela só tem cinco meses, mas sinto que a cada hora longe de casa, perco um novo sinal de seu crescimento. Ela já tem cinco meses.

Enquanto escrevo, ela me sonda por cima da tela. Sentada na cadeirinha de balanço (que preferiu, preterindo meu colo), olha insistentemente para mim enquanto narro em voz alta as palavras que despejo nesse teclado. Ela gosta. Ela ri timidamente. Ela não está com sono, definitivamente.

Que valor tem o tempo, afinal? Que prioridade tem as coisas tão urgentes, perto do que é mais importante? Quero saber, um dia lá na frente, que fiz a coisa certa. Que as escolhas, as mais simples, foram as que causaram impacto e tornaram nobre e valioso o viver. Que o olhar apaixonante e curioso de um bebê é, no fim das contas, maior do que o prazo das tarefas no escritório, maior do que o sono, melhor do que o melhor clássico de futebol na tv.

Falando em clássico, a música de Ravel toca ao fundo, completada pela trilha sonora do ritmo da chupeta colorida que estala naquela boquinha vermelha.

Ela me olha fundo nos olhos. Como faz a mãe dela, quando quer me dizer algo sem precisar abrir a boca. E vejo nesse olhar sua inocência, vejo minha filha, me vejo, sangue do meu sangue, vejo um bebê, vejo a mulher que um dia virá a ser (e aí já não quero mais ver nada porque isso vai longe demais pro meu gosto).

Agora ela observa a própria mão, abrindo e fechando. Ela raspa as pontas dos dedos no estofado para saber a textura que tem. Aprende algo novo. Ela tenta alcançar algo que está pendurado no arco da cadeira e arrancar dali a todo custo. Ela se revira toda para saber como ficar, cair, não… ixi, peraí, preciso arrumar… ufa, foi por um triz! Ela tenta engolir um brinquedo maior do que sua cabeça. Ela baba pra caramba.

Pensando bem no primeiro parágrafo dessa história, acho que o texto não dará em nada, senão nesse despejar de palavras e sentimentos que, a bem da verdade, não dizem muita coisa para o cristianismo de alguém. Talvez até digam ou sirvam para tratar de prioridades, para pregar uma vida mais simples e despretensiosa, para dizer que as coisas realmente valiosas e divertidas também não estão em nossa conta bancária (ah, mas não mesmo, dirão os endividados mas você entende do que estou falando).Acho que ela é destra. Puxou o pai?

Pensando bem, acho que o melhor a fazer é abandonar esse computador e voltar a brincar com minha princesinha. É, filhos nos dão essa vantagem, podemos voltar a ver desenho animado e brincar de ser criança sem que os outros adultos nos julguem idiotas. Pelo contrario, até acham bonito, nobre, pedagógico, estimula o sei-lá-o-quê da criança. Eu só sei de uma coisa: é bem legal.

Ela tem cosquinhas. Ela gosta do meu colo… (ou talvez não tenha muita opção). Ela gosta de cheirar um paninho, igual aquele personagem do Snoopy. Puxou a mãe? Opa, ela pediu colo. Agora está aqui deitada nos meus braços e com a cabeça recostada sobre meu peito. Nada paga essa sensação. Volto a um raciocínio antigo, mas que me visita toda semana: Deus nos dá a chance de ter filhos para que possamos, numa minúscula fração, entender o que ele sente como pai.

Ela não fala nada às vezes acho que ela acha que fala , só sorri, chora e resmunga de vez em quando. Mas nem precisa, você sabe bem disso. É que… ahn, aqueles olhinhos, aquelas mãozinhas, aquele sorrisinho… bem, isso não tem nada de diminutivo. Na falta do que dizer, o momento diz tudo.Talvez, voltando ao raciocínio do parágrafo aí de cima, talvez isso também seja a grande lição da paternidade divina. Ele contempla, ele prioriza, se enche de orgulho, sofre, ele sabe… sim, sempre sabe e ama sob qualquer condição.

Pensando… bem, agüenta firme aí que eu vou curtir minha cria.

Nada pop

por Luiz Henrique Matos

Decepcionado. Foi assim que me achei diante da frase que transcrevia a última declaração do Vaticano. Tanto fiquei que procurei pela notícia nas páginas da BBC para testificar que, de fato, foi divulgada uma nota oficial. Um dos trechos (o principal) afirma que:

“Cristo constituiu sobre a terra uma única Igreja e instituiu-a como grupo visível e comunidade espiritual, que desde a sua origem e no curso da história sempre existe e existirá”. “Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele.”

Faz pouco tempo que deixei de ser católico, nalgum instante entre 2001 e 2002, quando me converti ao protestantismo. Afora o fundamental fato de que isso me levou a um relacionamento mais próximo de Deus, vi e vejo falhas de igual tamanho e proporção. São os podres frutos da religiosidade, coisa tão demasiada e controversamente humana.

Mas apesar de não tê-lo como meu líder espiritual, confesso que me desapontei com Joseph Ratzinger. Pois foi dele mesmo que, há pouco tempo, ouvi num português agringolado a frase que vinha me inspirando boas idéias para redigir outra mensagem. Sua percepção se baseava num argumento que concordo e busco.

“O mundo precisa de vidas limpas, de almas claras, de inteligências simples que rejeitem ser consideradas criaturas objeto de prazer”.

Não que esse argumento destoe da frase da última semana, eles sequer tem relação. Mas ao ouvir aquilo, senti uma proximidade de interesses, encontrei um ideal fundamentado nas Escrituras, que ultrapassa qualquer princípio denominacional. Acreditei estar menos distante o dia em que os diferentes grupos cristãos perceberiam que, afinal, uma essência nos une e que todas as diferenças não são absurdamente opostas a ponto de nos tornar inimigos.

Mas, pobre de mim que sonho tais bobagens.

O documento de Roma só mostra quão imaturos estamos ao concentrar esforços em idéias tão pequenas. De fato, não posso acusar só um dos lados. Vejo meus colegas protestantes perseguirem o catolicismo como não se faz com o diabo. Enquanto os dois lados se atacam, o diabo ri dessa tolice toda, vendo seu trabalho terceirizado.

E quem é cristão, afinal? Não o somos todos? Ou nenhum de nós é? Lembro da história contada por Lucas, no livro de Atos, no momento em que Barnabé e alguns outros chegam a cidade de Antioquia e aquele povo, ao ver suas características e atitudes tão semelhantes às de Cristo, passam a chamá-los “cristãos” (pequenos cristos).

E hoje, espelhamos algo cristão ao tomar tais atitudes? Na verdade, diminuímos o Reino com nossas vaidades. Como diria um irmão: “apequenamos Deus”. Cristo é maior do que o papa católico, as denominações protestantes ou qualquer opinião empoeirada dos ortodoxos.

Eu, bem, sou mesmo um bocó. Mas assumo. Sim, sou dos tolos que se emocionam ao ler a sagrada passagem do Evangelho de João, fazendo coro com Jesus em sua oração derradeira e sonhando testemunhar o dia em que se cumprirá seu único pedido ainda não realizado:

“Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste. (João 17: 20-23).

Que assim seja (amém).

Colos, cólicas, chavões e uma crônica de continuação

por Luiz Henrique Matos
(Continuação da carta anterior)

– Amor, vem cá! Aconteceu uma coisa estranha…

Eram os primeiros minutos do dia 19 de março de 2007, madrugada de domingo para segunda-feira. Eu acabara de fechar a tela do computador onde escrevia minha última mensagem, falando sobre minha esposa, a beleza da gravidez e as pequenas surpresas que Deus nos faz. Já calçava os chinelos e me preparava para ir para a cama quando ouvi sua voz vindo lá do banheiro. “Coisa estranha”, que raios seria isso? Corri para checar.

A bem da verdade, estranho era ouvi-la falar assim. Vindo do banheiro, chamados mais comuns diziam respeito a “Amor, me traz a toalha?”, “Por que você não abaixa a bendita tampa do vaso?” ou, tão comuns quanto, desesperos hitchcockianos que berravam “Henrique-corraqui-pelamordedeus-porque-tem-uma-mariposa-enorme-no-box!”.

Cheguei no banheiro, ela estava de pé em frente ao vaso, uma expressão curiosa naquele rosto meigo e o dedo apontando para algumas gotas avermelhadas no tapete. Olhei para ela, olhei para o tapete, olhei para ela:

– É, neguinha, das duas uma: ou estourou sua bolsa ou sua bexiga está frouxa…
– Bobo.

Alguns telefonemas e uma hora depois, preparávamos as malas para seguir até a maternidade. Nada garantia que a hora do parto havia chegado, mas nada também nos fazia acreditar no contrário. Nove meses se passaram e aquele me parecia o primeiro momento real dessa gravidez.

Malas nas mãos, chaves no bolso, caminhávamos pelo corredor rumo a porta da sala quando nos entreolhamos. Olhamos para a casa que deixávamos e concordamos:

– Quando voltarmos… seremos três.

Chuva. Escuridão na rua. Vai devagar! Hospital vazio. Acabou a energia, subiremos de escada. Enfermeira com sono. Boa noite. Exames estranhos. Telefonemas para a médica. Vai nascer. Ai, ai, ai! Cadastros infindáveis na recepção. Minha esposa saindo pelo corredor em uma maca. Elevador parado, mais escadas. Eu recebendo uma trouxa com roupas. Vestiário médico. Touca, máscara, protetores. Centro cirúrgico. Nossa amiga Amanda na sala de cirurgia. É bom ter um rosto conhecido por perto. Olá, essa é a equipe médica. Como vão, tudo bem? Ar-condicionado gelado. Cadê o fotógrafo? Oi amor, você está bem? Está nascendo! São três e vinte da manhã. Estava com o cordão enrolado no pescoço. Tire as fotos! Esqueça as fotos, quero vê-la nascer. Nascendo, nascendo, está saindo… Olha a Nina, que bebezão! Linda, maravilhosa! Vão cortar o cordão. Um beijo na Manú. Parabéns, agora você é mãe. Te amo. Eu também, muito. A enfermeira vindo. Olhe mamãe, sua filha! Que linda. Veja papai, sua filha. Posso pegar? Só se for rápido, ela precisa ir para o… Tá bom, é rapidinho.

Eu a tomo nos braços, o tempo pára, ela aquieta, meu coração acelera, a respiração ofegante, aquele rostinho, eu a observo estático, meus olhos marejam, lacrimejam, se fecham, eu choro e choro. É verdade, eu sou pai. Meu Deus, obrigado! Ela é sua, meu Pai, ela é toda sua. Obrigado.

– Oi Nina, minha filha, eu sou seu pai, seja bem vinda! – e eu contente por ter dito o que planejei.

As horas que se seguiram foram de algum sentimento que até agora não sei dizer. Vivenciei todos os chavões que uma canção romântica poderia expressar. “Uma sensação indescritível”, “sentimento único”, “amor que rasga o peito”… tantos que quase me via num balbuciar sertanejo. Num transe abobado, eu conversava animadamente com enfermeiras, seguranças, manobristas e comigo mesmo.

Enquanto minhas mulheres não vinham, sentei sozinho naquele quarto escuro. Eram quase seis da manhã quando abri meu bloco de notas e tentei escrever os detalhes sobre as últimas horas que vivi. Não consegui. Desde então, venho pensando em uma forma de registrar os momentos, as emoções, os passos daquela noite para que minha memória fraca não falhe ao tentar lembrar de um dos dias mais incríveis da minha vida.

Foram 39 horas ininterruptas, acordado e vendo minha vida mudar. Amigos, familiares, gente querida nos cercando, o telefone tocando. E depois desse dia, já passaram-se mais de dois meses. E vemos que as semanas seguem e nos levam aos passos inevitáveis de todos os pais, com os choros indecifráveis, colos, cólicas, listas de dúvidas para o pediatra, leite a cada três horas, corridas desesperadas para o hospital, livros de orientação, uma vontade de ter aquele bebê grudado em nós para não deixá-la desprotegida.

Eu, na verdade, queria poder carregar as duas no meu colo e permitir que elas se sentissem seguras. Mas não tenho bíceps e capacidade para tanto. Aliás, nem mesmo tenho a segurança que gostaria. Isso não está em mim, apesar da pose. Isso sim, eu sei, encontro no bom Pai que, nesses dias, está nos ensinando a ser pais.

E eu queria também escrever uma carta. Duas, na verdade. Uma para a nova mãe que vi nascer naquela noite. Outra, para a filha que verei crescer sob meus olhos atentos. Para minha esposa, pensava em registrar todo sentimento, amor, respeito, carinho, apoio, dedicação e tanto mais de coisas que gostaria que ela soubesse que eu sinto e quero viver ao seu lado. Para minha filha, pretendia deixar os grandes conselhos e princípios que, imagino, ela deverá ter, e assinar de próprio punho tudo o que sinto, penso e sonho para sua vida. Mas não consigo.

Foram dias de rabiscos mentais e tentativas vãs. Frustrado, demorei a aceitar a falta de inspiração, quando era justamente essa que não me faltava. Me vi então diante de uma única resposta possível para esse momento. Não, não foi num versículo bíblico como era de se esperar, tão pouco foi em uma frase devastadora de Shakespeare e ainda menos em um verso derradeiro nalgum poema de Fernando Pessoa. Foi sim, outra vez, num velho chavão, que encontrei orientação: “essa história não se escreve, essa história se constrói”. Ora, detesto chavões. Mas são eles mesmos, como diria um pensador, “uma verdade desgastada”.

Pois é, para minhas amadas, espero um dia ter mais do que verdades gastas para declarar. Espero e me esforço por um poema na ponta da pena para poder lhes escrever. Ao longo da vida juntos, nos gestos da rotina, nos presentes, nas flores enviadas de surpresa, nos passeios de fim de tarde, nas orações feitas à mesa, nos clássicos momentos no sofá, na corrida cotidiana que insiste em acelerar, enquanto trago o leite, o pão e o jornal do domingo de manhã, enquanto vejo o futebol na TV, o programa infantil ou a novela das oito. Nos nossos dias, às minhas queridas espero poder escrever e renovar minha declaração apaixonada.

Continuo acreditando no que agora testifico. E sigo também, na observação contemplativa daquele pequeno tesouro dormindo no berço e imaginando que o Criador fez uma vida nova brotar no ventre de minha Manú. A Nina que nasceu há dois meses e que não tem mais fim, é eterna, é assim, ora bolas, a eternidade divina frutificando do nosso amor.

E encontro novamente paz, em uma verdade nada desgastada, que proclama: “Eu te louvarei, porque de um modo tão admirável e maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado, e esmeradamente tecido nas profundezas da terra. Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos os dias, sim, todos os dias que foram ordenados para mim, quando ainda não havia nem um deles.” (Salmo 139:14-16).

O amor, um calção e gestos primitivos (cinco minutos antes de minha vida mudar)

por Luiz Henrique Matos

Lá fora na rua, um grupo festeja. Não sei o motivo, mas aqui quieto na sala de casa, dou risada ao imaginar que essa gente deve ser engraçada. Ouço as risadas, as palmas, a gritaria alegre de algumas pessoas reunidas e fico pensando que Deus tem uma pureza engraçada. Ele nos dá as melhores experiências e lições de vida justamente quando estamos desprovidos daquilo que tanto perseguimos para ser felizes.

Afinal, quem é que precisa de mais do que uma gargalhada para entender uma porção da felicidade? Quem é que precisa de mais do que um escorregão para encontrar ensinamentos a respeito da vida?

E percebo por essas, que o que mais atrai nas pessoas são justamente os gestos primitivos e tão naturais a nós. E percebo por outras, que necessidades vitais também estão na capacidade de rir, cantar, brincar um pouco, abraçar os amigos, comer à mesa com a família. Nos pequenos momentos que nos distraem daquilo que julgamos ser o que de fato importa, nem vemos que, ora bolas, o que importa de verdade está ali ao alcance de um gesto, uma palavra, um olhar, às vezes até de um silêncio.

Gestos humanos, primitivos. São condições à própria vida. Me parecem os tipos de valores e sentimentos que nos formam, independentemente das épocas, da história, desde o princípio. É o que nos faz o que somos, criaturas moldadas à imagem e semelhança de um Deus admirável.

* * *

Aqui dentro, mudo de assunto mas não de conclusão. Observo por um instante, deitada num colchão no chão da sala, a mulher da minha vida. Que cochila. A sutileza de seus gestos, a respiração leve, os cabelos soltos meio bagunçados sobre a fronha de estampa verde xadrez. Uma almofadinha sob a barriga para sustentar os nove meses de gestação. Ela espera por nossa filha. “Puxa, amanhã pode ser o dia em que seremos pais!”. Ela veste meu calção branco – sei lá eu o porquê de ela fazer isso, mas estou certo de que ela o veste da maneira mais charmosa e honrosa que aquele calção velho jamais poderia desejar (partindo do pressuposto, evidente, de que os calções são dotados de algum desejo, honra ou vaidade).

E aqui, apaixonado outra vez mais, acho curioso esse sentimento que nos leva a acreditar e desejar ter uma vida inteira ao lado de outra pessoa. Eu sinto isso. Quero passar ao lado dessa menina todos os meus dias, minhas alegrias e dores, minhas dúvidas e conquistas, meus sonhos e falhas, minhas noites de sono repartidas em uma cama. Cumprirei meu voto de “felizes para sempre” e, sem esperar que chegue o sempre, seremos felizes todos os dias.

Lembro, por um pouco, de alguns retratos de infância que víamos juntos há alguns dias e penso então num belíssimo futuro, no tempo que envelheceremos lado a lado, de mãos dadas, dois heróis da vida simples sentados juntos à mesa. Mas não qualquer mesa. Será uma mesa grande e velha, de madeira já gasta, posta com comida farta, doce de leite e suco de frutas, à espera dos filhos e netos para um almoço no domingo.

Bom, vou dizer uma outra bobagem, mas acho até que é desses detalhes que se preenche o amor. Talvez eu esteja mesmo tendo algumas variações, mas penso aqui que um sentimento precisa de mais do que um significado e um dicionário para ser real. Para ser real ele tem que ser vivido. E o que se vive não são palavras ditas, não ditas, malditas ou escritas, é a vida. Coisas do cotidiano, vitórias extraordinárias, derrotas nem tanto (bem, assim se espera sempre com otimismo). É de tudo que se compõe a vida.

Ela respira fundo, me olha sonolenta. “Sobre o que você tá escrevendo?”. Eu olho para ela, olho para a tela. “Sobre a vida, sobre Deus, família… essas coisas”. Vira de lado, dolorida, coitada, a barriga pesa. Cochila outra vez.

Não, não é uma brincadeira essa história de casar e construir uma família. Isso é um gesto de honra. Honra, reforço a expressão, outra palavra cujo significado pouco se vive nesses nossos dias de relações casuais, convicções hedonistas, falsas verdades e calções brancos dotados de sentimentos.

Enquanto escrevo, vejo o pedaço de metal dourado que me enlaça um dos dedos – o anular, cujo nome sempre me esqueço – e penso que, outra vez, uma coisa tão pequena e arcaica, me faz lembrar dos sentimentos, os sonhos, os planos, a entrega e a decisão de uma vida inteira que estão empenhados nessa aliança.

Sim, honra e amor, Deus e o homem, as amizades e risos, os sonhos e nossos sentimentos primitivos… Sim, o eterno é a promessa de uma aliança.

* * *

PS.: Escrevo agora, depois de seis dias, para a última revisão desse texto. Foi que, nem cinco minutos depois do ponto final dessa carta, nos primeiros instantes do dia seguinte, ouvi minha esposa chamando, agora lá no quarto. Sua bolsa amniótica havia rompido. Deixei o computador como estava e corremos para o hospital, para ver, dali três horas, nossa pequena Nina surgir nesse mundo. Era real, seríamos pais no dia seguinte. Continua.

As cegonhas não existem

por Luiz Henrique Matos

– Os pais morrem de aflição quando se fala na limpeza do umbigo do bebê, mas é simples. Você deve segurar o pequeno pedaço do cordão e com uma haste de algodão embebida em álcool a 70%, limpar a base do umbigo fazendo um movimento circular e também ao redor num raio de dois centímetros…

“Será que serei um bom pai?”, era o pensamento que me ocorria. Enquanto ela falava, eu anotava, tentava absorver tanta informação quanto me fosse possível, mas minha mente não conseguia fugir desse questionamento sem resposta. “Foco Henrique, foco!”.

– O leite materno é fundamental. É incrível, a mãe produz um leite específico para nossa espécie. Nesse alimento estão todas as vitaminas que a criança vai precisar nos seis primeiros meses de vida. Por isso, mamães, é preciso estimular a produção de leite. O aleitamento é importantíssimo. Mas tudo funciona como uma fábrica, se acabar a demanda, acaba também a produção, o estoque seca.

“Demanda, fábrica, produção… empresa. Vou conseguir sustentar minha casa, dar o melhor para minha família? E se um dia eu perder o emprego? Preciso fazer as contas. Não quero que falte nada para elas”. Fulana, Sicrana, Beltrana… as professoras entravam e saíam daquela sala apertada no curso de gestantes, o ar-condicionado fazia um apito inconveniente, eu brigava com aquela persiana que não fechava direito e minha mente teimava em outras perguntas fora de contexto.

Lá em casa, o quartinho já está pronto, como um ninho montado cuidadosamente para abrigar um filhote. Olho para aqueles móveis, vejo aquelas roupas em miniatura penduradas no varal, aquele perfume inconfundível. “Por que demora tanto pra nascer?”.

– Muito bem, agora os maridos peguem esse bastão e passem nas costas de suas esposas. Façam massagem nos ombros, desçam pela lateral… iiiissso, passem também na região lombar. Lembrem-se, homens, elas estão carregando um peso, é importante que fiquem relaxaaadas…

“O que está passando pelo coração dela? Acho que vai ser uma mãe excelente. Tanto amor, cuidado, tanto carinho, a determinação… ela tem valores que eu não tenho, tomara que prevaleçam nessa educação. Ai, tomara que não sinta muita dor. O parto vai ser bom, ah será”. Eu pressionava o massageador sobre seu corpo, com receio por não machuca-la, eu a tocava querendo que sentisse meu carinho, meu amor, minha vontade de mostrar que estou presente, na mesma passada, de mãos dadas, desejando sustentar aquele peso no lugar dela.

– Peguem a boneca, tirem o macacãozinho e a fralda. Segurem de barriga para baixo, apoiando o bebê na palma de suas mãos e no braço. Suavemente, joguem a água morna com sabão sobre o bebê. Muito cuidado com os olhos e ouvidos. Sim, pode molhar o umbigo que não tem problema. Vistam com cuidado, a fralda não pode ficar muito folgada, não precisa esquentar tanto o bebê, a pomada, o cotonete, o sabonete glicerinado… agora troquem tudo de novo.

“É de verdade… Não é uma brincadeira de casinha, é de verdade! Que boneca que nada, tem uma pessoazinha nova dentro daquela barriga. Não vai simplesmente esvaziar e voltar ao que era. Em poucos dias teremos uma filha nos braços, uma criança dentro de nossa casa para o resto da vida, um bebê. Ai que frio na barriga, que coisa!, que vontade de chorar…”.

* * *

Minha filha nasce daqui alguns dias – talvez hoje, se assim resolver – e, como eu bem previa desde o início, os nove meses findam e eu não tenho a menor idéia do que é ser pai. “Serei um bom pai?” é o que fico encucando enquanto uma avalanche de sentimentos, novos e velhos, me atropelam.

Estou com medo. Estou feliz. Estou ansioso. Entusiasmado. Estou apreensivo. O que é mesmo “apreensivo”? Estou tranqüilo. Curioso. Estou pronto. Estou nada. Ah, acho que estou. Inseguro. Confiante. Alegre. Apaixonado. Estou marido. Estou me tornando um pai.

Ai caramba, pai!?

E quem é que vai me dizer o que fazer? Alguém aí tem um manual de instruções?

Bem, da maneira mais tola imaginável, tenho aprendido que nessas horas em que nenhuma das direções para onde olho me aponta um caminho, acabo mesmo apelando para o alto. Não, eu não busco um super-herói (essa tentativa já foi em vão). Como diria um rei antigo chamado Josafá: “Meus olhos estão em Deus”.

Sim, em Deus sempre há uma resposta. Um novo fôlego me enche os pulmões, a alma, o espírito. Percebo que apesar de mim mesmo, a revelação da verdade eterna se faz presente nesse ponto culminante.

Estou em paz.

É consolador saber que tenho um Pai que me guia por esse caminho desconhecido. Um Pai satisfeito em ensinar. Sua lealdade inabalável. Carinhoso e presente. É algo sobrenatural pensar que Ele também é o Pai dessa criaturinha, uma vida nova que nasceu como fruto do amor entre minha esposa e eu. É assustador pensar que Ele está nos comissionando para conduzir uma pessoa diante de uma vida inteira, num mundo que parece perecer a cada velho novo dia. Caberá a nós guia-la no caminho. Caminho?

Estou perdido.

Mas que caminho é esse? Que credibilidade eu tenho se sou eu mesmo quem tantas vezes tateio na escuridão tentando encontrar uma luz por onde seguir? Que verdades, que princípios, que sementes lançarei nessa terra fértil e pura? Que pai serei?

Fico tendo desses devaneios. Em meu coração, eu só queria que ela soubesse que já a amo, que já está em minhas orações há anos. Que nunca nos vimos, mas já faço hoje qualquer sacrifício por ela e pela mãe. E penso a todo instante no momento em que nossos olhos se encontrarão pela primeira vez e, bobo que sou, direi: “Oi Nina, seja bem-vinda ao mundo. Muito prazer, eu sou o seu pai”. Teremos muito o que conversar.

Estou sonhando.

Quero que ela saiba tomar suas próprias decisões, fazer escolhas boas. Que ela seja boa. Sonho que ela tenha um caráter irrepreensível, seja bonita, que se firme em princípios eternos, seja meiga e de olhos brilhantes, que ame a Jesus Cristo, que use vestidinhos com detalhes floridos. Sonho que ela ame as pessoas, que goste de brincar comigo e de deitar sobre meu peito enquanto vejo a TV. Sonho que ela mude a sociedade em que viverá, que ela corra na minha direção e se jogue nos meus braços quando eu chegar em casa à noite. Sonho que ela tenha grandes sonhos! E espero que durma bem a noite inteira para eu continuar sonhando. Sonho um novo mundo para minha família, com passeios e viagens perto da natureza. Quero uma família grande, mais filhos, uma casa ensolarada – como essas dos comerciais de margarina – e minha esposa e eu sentados juntos na varanda enquanto as crianças brincam no jardim.

Sim, eu sonho e creio que ensinaremos coisas boas a ela. Será uma pequena menina, uma grande mulher. Eu quero, sim meu Deus, ah como quero, que ela seja uma pessoa melhor do que eu!

Meu Pai, será que serei um bom pai?

Estou em dúvida.

Acredito que nunca saberei. Dizem os antigos que saberei sim, quando vierem os netos. Mas isso é coisa distante, nisso eu nem penso agora. O que percebo é uma renovação nos meus sentimentos empoeirados de fé, esperança, vida. Talvez brote daí essa confiança maior do que eu mesmo. Nessa hora em que eu forço a visão para que o foco esteja correto, imito aquele rei e volto meus olhos inteiramente para Deus. Acreditando ser perfeitamente possível, penso lá no fundo: “Pai, vá na frente, eu vou te seguindo”.

Estou grato. Tenho aprendido que a felicidade tem muitas faces.

À beira da cratera

por Luiz Henrique Matos

Sexta-feira, 12 de janeiro de 2007. Uma história real.

– Corre! Corre! A gente precisa descer agora!
– Ahn?

Enquanto a gritaria e o pânico reinavam, meu gene mineiro prevaleceu e o sossego costumeiro me fez tirar metodicamente os fones de ouvido, ajeitar os fios sobre a mesa, fechar as telas do computador, afastar a cadeira, levantar devagar, pegar minhas coisas na gaveta e pensar se era realmente necessário tanta urgência e gritaria. “Isso é exagero, coisa de mulher…”, pensei na hora. Mas ainda assim resolvi seguir o fluxo e descer pelas escadas do prédio. Dezessete andares, rapidinho! E lá pelo décimo as minhas panturrilhas já doíam.

No caminho, degrau por degrau, eu tentava entender a razão do alvoroço. Em cada lance de escadas uma nova multidão surgia pelas portas e se juntava ao fluxo gravitacional. Para baixo e avante! Os mais heróicos ajudavam os mancos. Os pacientes estimulavam os retardatários. Os apavorados passavam direto pelas frestas, “não pára, não pára, sai da frente!”. E eu pensando por que raios o alarme de emergência não tocava, “de certo é trote”, foi o que me veio.

Alguém disse que a rua estava cedendo e prestes a desmoronar, que havia um buraco e alguns dos carros no estacionamento já haviam desabado – pensei no meu, lembrei que tenho seguro. Outros falavam em explosão. Era algo nas obras do metrô. Quase todos achavam que o prédio cairia dali há pouco. Tinha gente que não achava nada, só descia. Eu achei que era piada.

Já no térreo, me deu uma tontura, eram muitos andares, aquela descida circular. No fim da linha dei de cara com dois sujeitos recostados na mureta e fumando em paz, nada do pânico de minutos atrás. “Ai minha panturrilha!”. Mas afinal, se a ordem era evacuar, que eu fosse então para fora do prédio, onde vi todo um mundo reunido, quase unânimes a ostentar a mesmíssima expressão.

Procurei um rosto conhecido. Bebi um golezinho d’água – antes de sair, lembrei também de passar a mão na garrafinha descartável – e fui para a rua. Alguém contou uma versão mais convincente dos fatos: aconteceu um desabamento nas obras do metrô, que fica ali na rua ao lado e um buraco gigante se formou, engolindo carros, caminhões, trator e casas. Era bom tomar cuidado porque ainda tinha terra caindo e ninguém sabia ao certo o que poderia acontecer.

Um colega tinha estacionado o carro daquele lado, seguimos na direção do acidente. A poucos metros do local tivemos que voltar porque a polícia começou a isolar a área. Aquelas fitas amarelas nos forçavam a recuar e lá no fundo, mais atrás, só deu tempo de ver um caminhão tombado com as rodas pro ar e, mais na frente, a beirada da cratera, que ali então, eu nem sabia de que tamanho era. O carro do colega, sabe-se lá que fim levara. Minhas panturrilhas eu já quase nem sentia.

Encontrei um outro conhecido, ofegante, todo suado, que confirmou a versão anterior. “Vi tudo da janela”, ele disse, “o asfalto rasgando como papel e engolindo tudo o que tinha na rua. Foi caminhão, carro, muro, tudo”. Olhei para a cara dele e curioso, perguntei “e tinha gente também?”. Respirando cansado ele disse que “tinha sim, no caminhão, o cara que dirigia. Além do povo que trabalhava lá no fundo”.

Então a aventura perdeu a graça.

Ouvi uns dois operários contando da correria dos colegas para escapar da nuvem de poeira atrás deles. Vi uma moça voltando do local, chorando em desespero porque viu o carro dentro do buraco. Escutei um funcionário do metrô gritando para eu sair de baixo da rede elétrica porque corria o risco de os fios caírem. Me dei conta de que aquilo deveria ser maior e mais grave do que eu imaginava e que, afinal de contas, não era nada bacana ir pra casa mais cedo na sexta-feira se fosse por causa disso.

O que são as panturrilhas?

Voltei calado para a frente do prédio e ouvi um sujeito dizer ao megafone que “aparentemente” não corríamos risco. De qualquer forma, ouvi ele falar também em “bom fim de semana a todos” e presumi que, aparentemente, o melhor negócio seria ir para casa.

Dei um tempo. Acalmei os ânimos, comprei um sorvete e fui até meu carro. Antes de sair pela rua deserta interditada, subi até a cobertura do estacionamento para tentar enxergar o cenário lá de cima. Primeiro eu vi barro, vi um guindaste torto, vi uma bagunça nas ruas, vi um monte de helicópteros que zumbiam sobre minha cabeça e vi então a cratera imensa. Caramba, o que era aquilo!?

Caminhõezinhos de brinquedo num buraco feito no barro? Tudo parecia de mentira. Mas não era, as sirenes tornavam a realidade mais densa. Denso também era o ar, cheio de pó, cheio de interrogações, cheio de folhas girando numa ventania que anunciava chuva, mesmo sob sol ardente. Eu nunca havia visto algo como aquilo. Pisquei os olhos, consciente de que aquilo marcaria a história da cidade em que nasci. Deveria marcar, “mas esse povo esquece rápido”, é coisa que só penso agora.

Olhei para o lado e dentre a meia dúzia de embasbacados que observei mirando o acidente, puxei assunto com um sujeito, expressando uma esperança de “tomara Deus que ninguém tenha morrido”. Sem nem me olhar na cara ele concordou, “tomara”. Nem lembro mais o que falamos depois disso.

Peguei o carro, liguei o rádio, tocava uma baladinha, sintonizei a freqüência de notícias e uma chamada falava do acidente. A repórter, a caminho, tentava chegar no local. Eu variava, “de que adianta? Agora já foi, agora eu já sei… é feio demais”.

A cidade calma, mês de férias, sol de verão, transito livre como nunca, como é que pode? Em casa, acessei a internet e vi as primeiras imagens, sob créditos de amigos meus aqui na empresa. Liguei a TV, e já tinham imagens aéreas, ao vivo, lá no canal 7. ”Ahn, os helicópteros…”, captei.

E ali na tela eu vi tudo de novo, eu quase que me vi. Mas, ali já parecia mentira. Não dá para acreditar muito em televisão. Aquela é a tela em que eu vejo o 007, assisto ao Chaves, onde passo, zapeando sem querer querendo, pelo Ronie Von e seus genéricos da Ultrafarma. Na tela tudo parece artificial, uma ficção em que daqui a pouco o mocinho aparece e salva todo mundo. Nessas horas, cadê o Duro de Matar?

Na minha mente sim, meu Deus, aquilo me batia feito estaca. No mesmo ritmo tocava a toda hora o telefone celular, eram os amigos preocupados:

– Caiu no buraco?

Não, não caí. Mas acho que, desde então, caí um pouco mais na realidade. Uma que nem imaginei que existia. De que, com panturrilhas firmes ou não, um passo em falso pode definir muita coisa sobre onde estaremos daqui a pouco. Que vida fugaz, que coisa!, que escolhas ainda posso fazer para fazer o planeta e as pessoas e os relacionamentos e a vida serem um tanto melhores?

Todo o tempo do mundo

por Luiz Henrique Matos

Nesse exato momento percebo que há vinte minutos eu parei uma tarefa importantíssima, urgentíssima e atrasadíssima para seguir o impulso de escrever um texto. E então me percebo mais uma vez diante de um dos defeitos que menos gosto de ver em mim: falta de concentração.

Como são quase todos os defeitos, esse também é daqueles que às vezes viram qualidade. Na contramão da minha dispersão exagerada, me sinto motivado em saber que minha lista de tarefas é maior do que o tempo para realiza-las. Apesar de começar tarde, dificilmente atraso. É justamente nessas horas que me supero (e espero que aconteça o mesmo hoje, com as tantas tarefas que deixei de lado para escrever esses parágrafos).

E fico pensando (mas não por muito tempo porque senão eu perco a concentração): e se eu não tivesse mais prazo para realizar tantas coisas? E se os dias já não tivessem fim e todo o tempo me fosse dado para cumprir sonhos, planos e objetivos?

E volto a pensar: mas não é assim que as coisas são?

Estou espantado em notar que essa é uma realidade cada vez mais próxima na curta vida que temos nessa terra. Num ímpeto escatológico, fico a interrogar: como é que vou me virar quando estiver no céu, com toda a eternidade diante de mim? Não haverá tempo, começo ou fim, datas… o que faremos então?

Cá entre nós, não acho que no dia em que bater as botas – e vá lá, as asas –, acordarei diante de Deus, com uma túnica branca, cabelo encaracolado, a capacidade automática de administrar o tempo (que tempo?) e habilidades musicais instantâneas para tocar harpa. Bom, a menos que exista algum estágio preparatório ou um programa de integração para iniciantes.

A verdade é que não consigo conceber direito a idéia de eternidade porque essa nunca me soa natural. Isso, ao mesmo tempo em que acredito que pensar em uma vida finita seja tão doloroso para todos nós justamente porque somos frutos eternos.

Talvez por isso, Jesus tenha dito o célebre “basta a cada dia o seu próprio mal” no sermão em que tratou sobre a ansiedade do homem no dia-a-dia (Mateus 6). Temos coisas mais importantes a fazer!

Qualquer tempo pode ser curto quando visto sob a ótica da brevidade da vida terrena, mas posto em comparação à eternidade, não experimentamos nada. Diante do eterno esse pequeno fragmento de vida natural é todo o tempo que temos para plantar e regar os frutos que colheremos para sempre.

Pois é, preciso me organizar. Ou deixarei para realizar minhas grandes obras quando o tempo já for curto demais. Quer dizer, como lá sei eu quanto tempo ainda tenho?

E você, como você vai aproveitar os poucos anos que lhe servirão para abrir as portas da eternidade?

Bem, tudo começa com uma escolha…

Momento de lucidez

por Luiz Henrique Matos

Aquela vontade que não cessa. A vontade de seguir os conselhos dessa doce voz, de responder aos santos impulsos, de realizar o que de fato cremos como verdade e justiça.

Mas, por que não faço? Por que não sou?

É o desejo cru da santidade, de deixar cair a máscara do trabalho pelo dinheiro, de ver ruir o consumo desnecessário em que vivemos. É querer não querer aparecer e ser maior do que deveríamos.

A angústia por não mentir, a incessante expectativa em não pecar, não desviar o olhar, não titubear no julgamento. É o querer pôr freio na língua e ter os passos retos.

O caminho da retidão, da entrega, de viver aos pés das letras da Palavra que nos aconselha o amor verdadeiro ao próximo, tal qual o temos por nós mesmos. E é deixar tudo por esse amor, entregar a vida toda por aquele se entregou totalmente por nós.

Viver para caridade, para as pessoas. Ajudar a curar suas feridas, liberta-los das prisões, vesti-los de sua nudez, guia-los na escuridão, auxilia-los em suas necessidades. Ainda que seja eu mesmo um enfermo, cativo, nu, cego e pobre.

Sou salvo, não por merecimento, sim por misericórdia. E essa graça me basta. Porque sei nesse instante – como nem sempre acontece – que o poder de meu Pai se aperfeiçoa nas tantas fraquezas que tenho. Hoje sou filho, pequeno Cristo.

* * *

Essa busca… na maior parte das vezes se apaga, passa incólume na rotina, nos dias que se vão sem que sequer consigamos parar e pensar. É preciso parar e pensar. A reflexão verdadeira nos leva à essência do que somos, onde habita a verdade, onde fala o Espírito.

E Deus mesmo mora ali, no coração, na mente, no estômago, na região inescrutável de nosso ser. Na intimidade do avesso é que podemos ver sua impressão e as cicatrizes e as costuras e marcas deixadas pela sua intervenção. E só do avesso, esse mesmo, é que mostramos quem realmente somos.

Pela graça de Deus somos o que somos, na paráfrase plural do desabafo de Paulo. Mas estamos mais próximos do que deveríamos ser quando acometidos por esses ímpetos de lucidez e santidade. Pudera eu ser sempre assim.

Caminho seguro

por Luiz Henrique Matos

Josafá! Se o nome não fosse tão feio eu o daria a um futuro filho (é claro que minha esposa não sabe disso). Mas o que me encanta nesse homem não é exatamente a beleza de seu nome (ou nesse caso, a falta dela), mas sua fé tão sincera.

A frase registrada no livro de 2 Crônicas me inspira. Cercado por inimigos que vinham ataca-lo, esse rei orou: “pois não temos força para enfrentar esse exército imenso que vem nos atacar. Não sabemos o que fazer, mas os nossos olhos se voltam para ti”. E seu exército seguiu para o campo cantando músicas de adoração. Naquele dia, o povo de Josafá venceu a guerra sem precisar levantar uma espada.

Ter os olhos em Deus. Não há batalha impossível ao seu lado, não há alegria completa sem a sua presença.

Deus é Pai. Que cria, disciplina e ensina. Pai que estende a mão para levar seus filhos na direção certa. E de mãos dadas com ele, só assim, é que poderemos trilhar os seus caminhos.

Faça-se o dia claro ou a escuridão da noite. Ponha-se o sol num entardecer ou venha no horizonte a tempestade. Andemos no topo da montanha ou num vale de sombras. Não importa, qualquer caminho é possível, todo momento é seguro quando estamos com Deus.

A dor é superável, a alegria é sublime, o amor é intenso. As dificuldades são duras, mas possíveis. É nele que está a resposta, ele é o sabor da vitória, é a força e o poder. É nele que temos novo fôlego.

Porque a fé, ora se não, a fé não é confiar e esperar o espetacular, a fé não elimina a dúvida, a tentação ou a dor. A fé, ora sim, é a crença natural, é o saber pelo simples saber, é crer apesar da dúvida, é fruto da graça divina, é presente de Deus Pai.

O Pai. Que se coloca à mostra para os que enxergam, fala o tempo todo aos ouvidos que lhe são sensíveis e tem sempre a mão estendida para um filho perdido. Atento ao primeiro pedido de colo.

Chame esse filho João, José, Joaquim ou… Josafá.

Cura interior

por Luiz Henrique Matos

Cura interior. No meu caso, teve nome, Colicesctomia com Colecistite por Videolaparoscopia. Um nome muito peculiar é verdade. Mas na linguagem quase popular, chamam de cirurgia de extração da vesícula biliar por vídeo. Já no palavrório totalmente popular, “retirada da visícra” transmitida pela TV. Em resumo, entrei na faca.

Cura interior. Hoje eu acredito e defendo esse processo. Passei pela minha há algumas semanas e agora gozo o alivio da restauração.

Mas, nem tudo foi tão simples (se é que parece ter sido). Antes, lamentei por algum tempo a minha falta de fé. Pensava que sendo eu um cristão tão convicto, bem que poderia experimentar um milagre, desses espetaculares, e passar incólume por essa luta.

“Ué”, qualquer um de nós poderia perguntar, “mas Deus ainda não cura os doentes tal como fez tantas vezes na Bíblia?”. É verdade, mas para entender o motivo, minha pequena fé me faz apelar à dose de razão que tenho. E é por ela que percebi e passei a crer em mais duas coisas.

A primeira foi ao descobrir que o verdadeiro processo de cura de Deus para mim passava por essa cirurgia. E vai muito além da “visícra” – que até doer eu nem sabia que existia. O que ele tinha a mudar dizia respeito a meu relacionamento com ele, ao meu caráter e, principalmente, ao estilo de vida que eu vinha levando. E agora, só eu, meus lençóis e o surrado travesseiro em que recosto a nuca sabemos o quanto tenho sido realmente curado.

A segunda aconteceu quando, refletindo sobre os motivos pelos quais eu não era milagrosamente atingido por um raio celestial que curasse meu estômago, fui levado – para minha decepção – a reconhecer que Jesus não realiza seus milagres por espetáculo puro e simples. Sua intenção, ao contrário, é atender à grande carência de seu povo. Sofresse um indivíduo do primeiro século de lepra, asma ou colecistite calculosa, certamente não haveria na Judéia uma medicina avançada como a que temos hoje. O Deus Pai providencia o que seus filhos precisam, até que esses evoluam e se tornem capazes de aprender os meios naturais sobre como isso acontece.

E agora, do que precisam as pessoas de nossos dias em sua dependência da intercessão divina? Quais são os males que carecem da ação de Jesus Cristo hoje?

Cura, eu ainda diria. Estamos doentes. Não mais leprosos, tuberculosos ou febris, mas quantos não somos os dependentes de enfermidades “emocionais”? Quantas não são as famílias contaminadas pelo câncer da separação, dos relacionamentos desajustados, dos filhos que se perdem pela falta de atitude dos pais? Quantos não sofremos de estresse, depressão ou fraquejamos pela asfixia de sentirmo-nos incapazes para ações aparentemente tão banais?

Estamos contaminados. E para conter essas epidemias das “feridas da alma”, precisamos sim do toque curador de Jesus Cristo. Instantâneo, puro, renovador, eterno. O toque que afaga, transforma, refaz. Precisamos. E muito, porque filhos que somos, ainda não descobrimos os meios que o Pai usa para curar esses males.

Mas, – não é preciso ser muito inteligente para saber – Jesus já não caminha entre nós, como homem, desde que começou a conta do nosso calendário. Ele fez melhor, resolveu viver dentro dos que crêem nele e a esses incumbiu a tarefa de realizar tantos milagres e feitos quantos ele mesmo realizou.

Faz através de nós. Pode e quer fazer. Tudo o que conhecemos e lemos a seu respeito, os seus feitos… esse agora é um papel nosso, trazer cura para as pessoas em nome de Cristo Jesus. Cabe a nós, filhos e herdeiros, entender, ministrar, tocar e cumprir tudo o que recebemos como fruto da promessa.

E, quer saber? Cura interior, cirurgia na alma ou seja lá qual nome você quiser dar a isso, agora livre de meu preconceito tolo, a isso chamo, sem ironias, de cristianismo. E isso cabe a nós.

“Estes sinais acompanharam os que crerem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal não lhes fará mal nenhum; imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados”. (Marcos 16:17-18).

As grandes conquistas do homem

por Luiz Henrique Matos

Desde criança, sempre acreditei que um dia eu faria algo que marcasse e mudasse a história das pessoas. Inventaria algo que fosse um divisor de águas na humanidade, uma salvação para os povos. Nunca soube direito o que seria, mas era um pensamento megalomaníaco qualquer.

Bem, preciso ser honesto antes de continuar essa confissão vergonhosa… pensamentos assim ainda me assaltam a mente. Sonhos impossíveis. Mas não são por vaidade, tão menos por orgulho. Esse sonho infantil, passava e passa por grandes feitos que tragam alegria para as pessoas. Eu diria então que é uma megalomania altruísta.

Quem sabe não seria um livro publicado mundialmente? Talvez um projeto de erradicação da fome. Uma canção tocante (ainda que eu seja inteiramente desprovido de ritmo e afinação). Ou, não seria eu um atleta nas Olimpíadas trazendo orgulho para minha pátria? Um grande artista? O vencedor de um Oscar para melhor documentário? Um prêmio Nobel da paz? Um líder político, um explorador espacial, um super-herói (por razões racionais esse último já não me vem tanto à mente)?

Bem, os amigos mais próximos são testemunhas de que nenhuma das opções acima fazem parte de meu acervo de dons e possibilidades. Mas foram e são sonhos, agora devidamente confessados. E só não me envergonho mais em escrevê-los nessa carta porque sei muito bem que você também pensa essas bobagens enquanto vive o ócio da vida comum, durante suas tarefas rotineiras, ao comer um pão com manteiga ou escovar os dentes em frente ao espelho.

A verdade é que nenhum de nós quer passar despercebido pela vida. Nós sonhamos! Queremos fazer algo que marque a geração em que vivemos. Desejamos ter a nossa saga particular e deixar uma lembrança para nossa descendência.

E foi há pouco, vendo um programa bobo de TV, que percebi que há algumas semanas eu estou sim, de maneira inimaginável, começando a escrever algo na história.

Serei pai. E daqui cinco meses uma garotinha (as chances são de 80%) sairá de dentro da minha esposa. Uma vida totalmente nova, inédita, um ser humano a mais no planeta. Uma pessoazinha de algumas gramas e centímetros…

E isso é muito mais do que uma estatística demográfica para o mundo, é o resultado da soma do que minha esposa e eu somos. É como se o amor que sentimos um pelo outro pudesse ser medido e se transformasse em algo que podemos tocar. Sim, amor tem tamanho e ela é a prova viva disso.

É a prova de que o amor cresce, engorda e se desenvolve. Ela será a nossa marca, uma assinatura que deixaremos no mundo. Uma ovelha no rebanho do bom Pastor. Daremos a ela um nome e nossos sobrenomes. Com os olhos em Deus, daremos a ela o melhor que tivermos e que não tivermos também. Na verdade, se necessário, deixaremos de ter para que nada lhe falte.

Eu sei muito bem que essa não é a história que estará nas prateleiras das livrarias. Não passará em horário nobre e dublado no canal de televisão de alguma emissora no norte europeu. Não será noticiada em primeira página. Também não a lerão as pessoas que não conhecemos, não ganharemos medalhas, prêmios ou condecorações por isso.

Mas quem se importa? Seremos pais e essa é a glória – que talvez venha ainda acompanhada de uma camiseta de “Super Pai” pintada a dedo na 2a Série, uma caneca feita de barro por aquelas mãozinhas finas ou mesmo um beijo melado na bochecha quando eu chegar do trabalho para jantar. Isso importa.

Valores importam porque são o que nos moldam. São nossa família. E aquilo que somos e vivemos, eu sei, refletirá nessa vidinha que hoje pulsa, se prepara e surgirá em nossa casa e inverterá as nossas vidas sem pedir licença.

Quando casamos, iniciamos nossa família. Mas agora sinto que estamos começando a história daquilo que realmente somos. E ainda teremos mais filhos, que nos darão netos e bisnetos e talvez até alguns tataranetos (quem sabe o que ciência não há de preparar até lá?).

E quando estivermos velhinhos, sentados em nossas cadeiras de balanço, tomando um chá com biscoitos (bem, acho que ainda gostarei muito mais de um Toddynho do que dos chás), esses pequenos resultados de nosso amor, virão nos visitar num fim de tarde ensolarado. E então, entre uma brincadeira e outra, contarei a eles sobre os grandes feitos que seu avô realizou.

Sim, poderão haver aventuras, viagens, expedições inter-espaciais. Poderei ostentar livros premiados, ações humanitárias e conquistas materiais. Curiosamente ou não, não tenho a mesma fé em relação a música e a carreira como atleta.

Poderei ser ali, nesse futuro imaginado, um homem marcante para as pessoas. Mas hoje, percebo e acredito, que a grande obra de minha vida será a mais simples delas. Uma vida vivida com amor, a Deus e à minha família. Os filhos como frutos desse amor simples e tão comum. Eles serão o símbolo da história, do nome. Será essa, afinal, a mais nobre das obras, a melhor das conquistas, o grande triunfo. E me alegrarei, realizado em saber (ah, como creio!), que eles foram muito além de nós nessa jornada.

Hoje, oro e espero fazer direito. Espero honrar a confiança de Deus Pai em mim e na minha Manú, porque Ele nos dará a chance – e o amor, a vontade e o desafio – de escrever a nossa história, de escolher como e por o quê seremos lembrados um dia.

“Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão dum homem valente, assim os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta.” (Salmos 127: 3-5).

Ops!

por Luiz Henrique Matos

Muito bem. Sem as ilustrações que tornam melhor a explicação das mensagens, aproveito agora o isolado repente de um aprendizado – expressado na onomatopéia desse título – para dar razão a uma verdade que precisei sentir antes de crer. Que segue:

A única boa conduta que um homem pode ter por si só é o reconhecimento de seus erros.

A afirmação tão contundente deve-se ao fato de que todas as outras boas condutas pela qual pode ser avaliado, não lhe são originais de fato, mas reflexo da misericórdia divina. A bondade, a honra, a justiça, o amor, a fé, o ajudar a velhinha carente a atravessar a rua no semáforo são tão somente fragmentos de Cristo impressos em seu caráter. Esse bom caráter é a “imagem e semelhança” de Deus que herdamos. Isso é parte intrínseca de sua personalidade.

Mas veja pois e então que quanto ao arrependimento, essa é realmente a única atitude nobre que pode um homem ter por iniciativa própria. Reconhecer seus próprios erros e se dispor a mudar não é algo do qual Deus necessite em momento algum.

O arrependimento é a rejeição sincera ao comportamento anterior, o lançar fora a ilusória e altiva auto-suficiência, é esvaziar-se de si mesmo. E justamente nessa condição é que a visão se enquadra ao ângulo exato para enxergar a cruz. O ponto final da jornada egocêntrica.

A cruz. É esse o ponto da encruzilhada em que o caminho mal passa pela conversão e um novo rumo é tomado. É o ponto em que o homem vê que os erros dos quais, afinal, se arrependeu, estão perdoados. As penas que deveria sofrer, já foram sofridas. Suas dívidas já foram pagas. Sua morte foi consumada na crucificação de Jesus Cristo, o mesmo que agora, ressurreto, o convida para a vida eterna.

Que atitude boa pode o homem ter diante de tamanha glória? Que vida pode um homem viver então senão de gratidão e entrega àquele que o preenche de virtudes por amor? Quem não amaria um Deus assim? Quem não o teria como Pai?

“Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16).

Versos infantis dessa minha felicidade

por Luiz Henrique Matos

Felicidade eu tenho,
Deitada ao meu lado,
Suspirando em paz,
Descansando em sonhos,
A repousar

Cabelos soltos sobre cama,
Como solta ela está,
Entregue, inocente,
Renovando a vida e o dia,
A repousar

Felicidade eu sinto,
Realizado nesse leito,
Enquanto leio, paro e olho,
A admiro e assisto,
A repousar

E sonho, ah, eu sonho acordado,
Com o filho que ela tem em seu ventre,
O futuro que seremos, dois eternos,
Ah, felicidade!
Ah, repousar!

Crescerá a criança,
De todo amor será cheia, de Deus,
E lançada como a flecha voará,
Subirá como águia, além irá pela vida,
Até pousar.

A explosão da vida

por Henrique Matos

Vou ser pai. Minha esposa me fez ontem essa boa surpresa. Isso quer dizer que estamos afinal sendo presenteados com uma alegria que, admito, ainda não tem medida nesse meu coração mole.

É incrível pensar que dentro daquela barriga já existe uma pessoazinha, com menos de um centímetro, é verdade, mas com um coraçãozinho batendo. Existe uma vida ali e nada me faz duvidar de que essa explosão milagrosa não seja ação de um Deus perfeito e amoroso.

É igualmente maravilhoso – e até meio assustador – pensar que Deus confiará em nossas mãos a responsabilidade de criar um filho seu. Coisas assim que me fazem ter certeza de que a vida não é fruto do acaso, que cada ser humano é especialmente moldado em todas as suas características, que todos temos uma identidade única que nos diferencia e torna tão especiais.

Nesse instante existe um ser humano, ainda que uma coisinha sem forma, sendo moldado pelas mãos de Deus. E ele nascerá de minha esposa todo enrugado e mesmo assim vou acha-lo a coisa mais linda do mundo e já procurar algo em que tenha puxado o pai. E dormirá em um berço sob meu teto e me acordará de madrugada com um choro muito mais alto do que sua estatura mínima pode fazer acreditar. Quebrará boa parte dos cristais que preservamos por anos num móvel da sala e nos fará manter um estoque de copos de plástico mesmo para as refeições mais nobres. Me pedirá um vídeo-game de presente quando eu sonho em deixar uma coleção de livros. Me obrigará a trocar o canal da TV no meio de um decisivo jogo do tricolor para assistir algum desenho animado ultra-moderno que eu vou criticar e lamentar dizendo que na minha infância tudo era diferente. E ele consumirá mais fraldas do que jamais pensei existir numa prateleira de supermercado, terá mais brinquedos do que julgo necessário, perderá mais roupas do que o tempo que levam para gastar, trará uma bagunça desmedida para essa minha vida tão metódica… e, meu Deus, como estou grato por isso!

Bem, talvez essa seja mais uma experiência dessas que todos precisamos passar na vida. É possível – eu creio nisso de fato – que a paternidade seja a melhor das lições de Deus para que entendamos um pouco do sentimento que ele tem, como Pai, por seus filhos. Toda expectativa, os sonhos, a imaginação que voa longe tentando saber como e quem será esse indivíduo que é parte de nós. Gosto de imaginar – e acho que ele também – que essa nova vida terá seus próprios dons, personalidade, talentos, decisões e um propósito especial a cumprir.

Não, não acho que será fácil (e ninguém disse que seria), mas sei, de todo coração, que é o que mais desejamos nessa vida e que nossa esperança está nessa fé. E é nesse momento, tentando entender quais são as expectativas de Deus para essa criança, que voltamos a ser só um par de filhos necessitados, buscamos o colo do nosso Pai e pedimos um conselho diário para que nos ajude a ser o exemplo de caráter e vida que ele espera que sejamos.

Viver essa verdade com alegria, obedecer, ser e partilhar esse amor… com certeza, a única forma de podermos ensinar isso tudo da maneira certa.

“Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido com nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir.” (Salmo 139: 13-16).

Votar com fé eu vou

por Henrique Matos

A Copa do Mundo está tão em alta que ninguém lembra do que anda acontecendo cá por essas terras, mais especificamente em Brasília. No que cabe a esse “logradouro” virtual, os comentários sempre pairam – e “pairarão” – sobre a condição da igreja (e não do craque Ronaldo, como alguns gostariam).

É curioso e até assustador (mas nada surpreendente) que nesses dias de internet e massificação da mídia a pauta de nossas conversas esteja condicionada às manchetes de telejornais e websites. E como tal, já não falamos de política, de crimes, desastres da natureza ou qualquer outra coisa que não remeta ao “quarteto mágico”.

Pois bem, vou ser o chato da história então. Eis que, foi divulgado ontem o relatório final da CPI dos Bingos, que segundo a Folha de S. Paulo “investigou durante meses todo tipo de denúncia que surgiu contra o atual governo, como a suposta ligação entre o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT) e o esquema de financiamento de campanhas; as possíveis irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto durante a gestão de Antonio Palocci; a suposta doação de casas de bingo ou a remessa de dólares vindos de Cuba para a campanha de Lula, entre outros temas explosivos”.

E no que nos afeta, dentre os 79 nomes que deverão ser indiciados, pelo menos dois são de deputados que foram eleitos com seu primeiro-nome comum: Bispo. Entre os ditos está o tal Rodrigues (o bonitão aí da foto), que renunciou ao cargo depois de ser provada a sua participação no escândalo do Mensalão e agora também deve ser investigado em detalhes (esteve preso, inclusive) por sua marcante atuação no caso do superfaturamento de ambulâncias. Rodrigues e seus comparsas são membros da chamada “bancada dos evangélicos”.

Sim caros amigos, foram eleitos com o voto da gente simples, confiante de que os “hômi de Deus” os representariam com dignidade no Parlamento. Bem, visto está que não fazem seu trabalho. E ainda atrapalham, mancham a dignidade do povo, do país e da igreja.

Assim, acho que a denúncia tem valor para repensarmos neste ano eleitoral (sim, teremos eleições em 2006) se esses tantos que se dizem cristãos não estão apenas angariando votos entre um segmento de eleitores muito do inocente, esperançoso por ética e cheio de… boa fé.

P.S.: O relatório final da CPI dos Bingos, divulgado essa semana, está disponível no site do Senado: http://www.senado.gov.br/web/comissoes/ CPI/Bingos/RelFinalBingos.pdf. Antes que alguém se empolgue na leitura, lembro que o documento tem 1.430 páginas.

Pregadores da bola

por Henrique Matos

Foi essa a declaração do jogador Zé Roberto, meio-campo da nossa Seleção ao site GloboEsporte.com e à revista Veja na última semana: “É uma coisa em que penso, sim (virar pastor). Quem sabe depois do fim da carreira?”.

Com jeitão de rapper e aparência sisuda (mas de comportamento discreto), o desejo do rapaz tem seus méritos. Ele faz parte dos Atletas de Cristo, instituição bastante séria e respeitada. E a atitude dele parece muito sincera e apaixonada – e até mesmo coerente, pelo que segue na reportagem dizendo que a decisão não cabe apenas a ele.

Não tenho dúvidas de que serão muitas as portas abertas para um possível pregador com sua fama (e ainda muito mais se ganharmos o hexacampeonato), como também não tenho da quantidade de convites e explorações oportunistas de algumas comunidades sedentas pela audiência que um “convidado” como esse atrai para os cultos.

Mas a dúvida que me cerca é: teria ele talento e maturidade para ministrar e pastorear pessoas?

Essa é uma dificuldade na igreja brasileira (e não do jogador, coitado). Somos tão deslumbrados pela conversão de celebridades que qualquer uma delas que se apresente como cristã ganha logo um microfone e um título eclesiástico. Nada contra testemunhos, pelo contrário, são fonte de inspiração. Mas temo pela exposição exagerada sobre essas pessoas, que tal como qualquer outro “recém-nascido” no cristianismo, precisam de acompanhamento pastoral, estudo e discipulado.

Sobre ministérios e vocações, ainda acredito que podemos e devemos ser luz nesse mundo, usando como instrumentos os dons que nos foram confiados por Deus. Ah, seu eu jogasse bola como algum daqueles 23 convocados – o fato é que não jogo nem como o gândula – pregaria com os pés e não com essas mal-escritas frases.

E quanto ao Zé Roberto e seu desejo, espero sinceramente que esse irmão tenha com suas palavras o mesmo talento que tem com a bola.

Tempo de fazer amigos

Por Luiz Henrique Matos

Escrevo em meados de junho de 2006. Para os desavisados, estamos em ano e mês de Copa do Mundo, acontecendo agora na Alemanha. São trinta dias a cada quatro anos em que, confesso, a imensa maioria de meus interesses estão dirigidos ao futebol.

A Copa é a época em que exerço um certo domínio sobre o controle remoto da televisão de casa, o estoque de milhos para pipoca é renovado semanalmente e até as desacreditadas habilidades atléticas da Tunísia me soam encantadoras.

E nessa época, fãs de futebol tornam-se tanto ou mais religiosos do que os 99% de muçulmanos da Tunísia – povo que até onde me consta, não se preocupa tanto com sua seleção –, parando três vezes ao dia (horários dos jogos) e voltando-se para a Alemanha, a fim de reverenciar a bola, o gol, o futebol-arte e mesmo as bolhas nos pés do Ronaldinho.

E tanto tempo diante da televisão faz com que reparemos em peculiaridades que nada somam ao nosso acervo intelectual. Detalhes que vão desde os nomes dos patrocinadores nas placas à beira do campo até as letras e melodias dos hinos de cada um dos 32 países participantes. Dentre essas minúcias, uma me chamou atenção e até, vejam só, ajuda-me nessa mensagem. Li em todos os estádios, faixas com a expressão “Tempo de fazer amigos”, que vim a descobrir depois, foi a frase escolhida pelos organizadores para ser o tema do torneio.

Julguei interessante. E nos intervalos, sob influência nítida do clima futebolístico, pus-me a pensar que a dimensão dessa frase é maior do que pode parecer – bem como a filosofia do futebol e as analogias que lhe são possíveis. O fato que se defende é que apesar da competição, aquele é um ambiente para se “fazer amigos”. Mesmo com as diferenças raciais, culturais, lingüísticas ou geográficas, durante um mês aqueles atletas e torcedores esquecem o que os separa e concentram-se em um tema comum: a alegria do esporte.

E a realidade dessa ilustração acaba, de fato, acontecendo. Note a importância histórica de jogos como, por exemplo, Portugal x Angola, que até recentemente viviam na disputa de um regime de colonização, cuja liberdade custou-lhes violentas guerras e tempos de inimizade. Pois, vimos os jogos e a única disputa entre aqueles homens limitava-se às quatro linhas do campo, não de batalha mas de festa. O mesmo acontece em jogos/batalhas entre Alemanha x Polônia, França x Costa do Marfim e em um nível de maior tensão Croácia e Sérvia.

Um outro caso também por aí se conta, de que a delegação da Costa do Marfim, vivendo uma intensa guerra civil, conseguiu negociar um cessar fogo entre as partes, para que a celebração da classificação de sua seleção prosseguisse em paz. Sobre isso, veja abaixo o trecho de um artigo de Paul Laity, editor do London Review of Books para a revista National Geographic.

“Torcedores chegaram a dizer que só o futebol, não a política, poderia contribuir para o fim da guerra civil. Ao longo dos seis anos anteriores, os donos do poder na Costa do Marfim, originários do sul do país, haviam fomentado o ódio aos imigrantes e aos muçulmanos. No entanto, muitos dos melhores jogadores eram de famílias muçulmanas ou imigrantes e, com isso, a seleção de futebol virou um irresistível símbolo de união nacional. Após o desfile da vitória em Abidjan, o diretor da Federação de Futebol da Costa do Marfim lançou um apelo ao presidente Laurent Gbagbo: “Em nome dos jogadores, venho dizer ao senhor que o maior desejo deles é que nosso país acabe com suas divisões. Eles gostariam que essa vitória fosse um estímulo para a pacificação. Que este êxito sirva para nos unir de novo”. E os festejos nas ruas prosseguiram ainda por mais um dia.”

Por trinta dias, aquelas pessoas voltariam a falar a mesma língua, seriam a mesma raça, unida em sua torcida multicolorida nos estádios e nas ruas, na expectativa pura e simples de jogar.

“As diferenças que nos separam limitam-se a um ou dois pontos. Agora, se olharmos bem, nós concordamos em todos os outros aspectos. Então, se somos diferentes em tão pouco e iguais em tantas outras coisas, porque não deixamos de lado essas diferenças e não vivemos em comunhão?”.

Essa é uma frase que admiro e da qual sempre me lembro em certas ocasiões. E como são devidos os créditos, registro que foram ditas por Rui Luís Rodrigues. Rui é um especialista, mas não necessariamente da bola, e sim da Igreja, como pastor, pregador e estudioso.

E é sobre a igreja que essa frase nos fala. A igreja de Jesus Cristo com todas e muitas das suas diferenças, separações e denominações. A igreja que já não é uma rocha mas quase um plural de pedregulhos gastos, tantos são os estilos e características que teimam em defender e rotineiramente se multiplicar.

Costumo pensar: em troca de quê exatamente alimentamos essas rusgas? O que ganhamos com essas divergências tolas? Mas confesso que as questões apenas ecoam, não acham respostas. Acredito que se vivesse o sábio rei Salomão em nossos dias nós o veríamos exclamar seu jargão: “Ah, isso é vaidade! É correr atrás do vento”.

Penso também – e sou de pensar à toa – naquela oração de Jesus. Aquela, a única que ainda hoje não foi respondida e que me fazem desejar saber a razão: “A natureza divina que tu me deste eu reparti com eles a fim de que possam ser um, assim como tu e eu somos um. Eu estou unido com eles, e tu estás unido comigo, para que eles sejam completamente unidos, a fim de que o mundo saiba que me enviaste e que amas os meus seguidores como também me amas.” (João 17: 22-23 NTLH).

É evidente, portanto, que se como igreja desejamos levar o amor para esse mundo, precisamos ter uma única direção para levar as pessoas a Ele! Não, eu não falo de um só modelo ou estilo, nós precisamos respeitar as diferenças. Eu falo sim de uma única forma e visão, um reconhecimento de semelhança e proximidade familiar porque, afinal, nos dizemos todos discípulos de Jesus Cristo.

Se o futebol – como no caso da Costa do Marfim – tem o poder de amenizar guerras, porque não a igreja seria capaz de acabar com diferenças tão pequenas que a divide? Tudo não parece tão simples?

Mas eu reconheço, sou um sonhador… desses que acham possíveis coisas estranhas. E nesses “achismos”, já começo a me entusiasmar em pensar que estamos mesmo começando um novo tempo. Tempo de despertar para a realidade de que podemos ser amigos. Tempo em que poderemos ver a família de Cristo reunida numa mesa posta, sentada a partilhar do mesmo pão, ainda que seus costumes e hábitos sejam diferentes.

Sim, eu sinto e sonho com esses ares. Um novo tempo em que seremos amigos, ou melhor, viveremos essa verdade de que somos, de fato, todos irmãos. Olharemos para as diferenças que nos separam e veremos que elas são por demais pequenas, indignas dessa rivalidade que temos alimentado.

Mas mais do que boa vontade, para se fazer amigos é preciso compreensão. Para se viver como irmãos é condicional que todos entendam a mesma língua, ainda que não se fale nada, porque entre irmãos é assim, não é preciso falar muito, basta que se goste, respeite as opiniões e queira fazer bem ao outro. E preciso dizer: eu acredito nesse tempo, eu oro por ele com fé e esperança de vê-lo edificado.

E ainda que eu esteja errado e esse sonho não tenha começado a se construir, acabo achando que podemos ao menos concordar, aqui entre nós, você e eu, e fazer o esforço para que um novo tempo comece. Um tempo em que a Igreja poderá tirar os olhos de sua religiosidade e os dirija, em amor, para as pessoas. Um tempo de trazer novos irmãos e por que não, espelhados no tema esportivo, fazer bons amigos.

Antes que precisemos clamar ao futebol para salvar também a igreja.

“A religião que Deus nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e manter-se incontaminado pelo mundo.” (Tiago 1:27 NVI).

Coração peregrino

por Luiz Henrique Matos

Movido uma vez mais por suas emoções, o Coração saiu em busca dos Sentimentos que há muito lhe eram ausentes. Estava perdido e queria voltar para casa. Sentia falta das coisas que o faziam pleno, cheio de si, dono de tantas das decisões de seu dono. Fraco e sem rumo, o Coração partiu.

Longe de seu eixo, andou por muitas terras antes de se perder. Embrenhou-se pela Razão, enveredou em caminhos de Tristeza, Vazio, Sombras, Altivez e Sequidão. Sem sua força vital, tornou-se o Coração companheiro do Egoísta, da Solidão e aliou-se à Incredulidade. O Coração pródigo era seco sem os Sentimentos vitais.

Mas cansou-se da vida errante e naquele dia saiu em busca do que lhe preenchesse. Peregrino, resistente a sol e chuva, a alegria e dor, em vales e montes, em jornadas distantes. Alheio ao tempo circunstancial e às dificuldades, trilhou confiante seu destino, à procura do Norte, em busca do alvo que errara tantas vezes.

Andou pelo Vale da Dúvida, caminhou só durante as noites. Sentiu fome, sede, frio. Tropeçou em indecisões diante das estradas que se lhe exibiam, abriu trilha na mata já fechada de um caminho quase sem volta. Encarou de frente a morte durante a Escuridão, viu a luz que esforçava-se por raiar entre as nuvens e chegando afinal o sol, seguiu em confiantes passos.

E meses a seguir, venceu enfim o Coração. Chegou numa manhã de outono à sua morada, o Lar da Graça, encontrou o abrigo merecido dos que perseveram, colheu no quintal o bom fruto dos que se arrependeram e semearam justiça. Sorriu uma vez mais e para sempre. Encheu-se novamente dos Sentimentos que buscara, da Salvação que carecia e era agora pleno na presença de Honra, Respeito, Misericórdia, Fé, Bondade e tantos desses irmãos de quem há tanto tempo desgarrara.

Renovado, entrou finalmente o Coração em seus aposentos mais íntimos e encontrou à sua espera a Fidelidade, com quem desfrutou a vida e a quem prometeu e dedicou seu tesouro, o Amor. Estava novamente seguro o Coração, estava em Deus, de uma vez por todas abrigado nas Terras de Paz Eterna.

“Como são felizes os que habitam em tua casa; louvam-te sem cessar. Como são felizes os que em ti encontram a sua força, e os que são peregrinos de coração. Ao passarem pelo vale de lágrimas, fazem dele um lugar de fontes; as chuvas de outono também o enchem de bênçãos, prosseguem o caminho de força em força, até que cada um se apresente a Deus em Sião.” (Salmo 84:4-7).

À procura

por Luiz Henrique Matos

É meio de tarde, é verão, nesse instante estou sozinho em uma casa. Inquieto com tantas coisas, resolvi separar alguns minutos para refletir no silêncio, ouvir os detalhes, acalmar o espírito ultimamente tão agitado.

No primeiro instante ouvi o canto dos pássaros que brincavam no quintal, sorrateiros, voando baixo rente à grama, passaram como o vento e partiram lá para ao longe. E foi só, desde então reina o silêncio, o calor e minha inquietude teimosa. Rompida somente, tempos depois, pelo zumbido chatíssimo de uma mosca que se atreve a invadir a sala e, imitando os pássaros, voar baixo rente ao meu ouvido que se irrita e incomoda e coça e se enche. Vai e volta a mosca barulhenta e eu já não acho boa a idéia desse silêncio contemplativo…

Achei, no início desse fim de semana prolongado, que o simples fugir da cidade grande para o campo, me faria desligar das tantas coisas do dia a dia, do trabalho, da vida. Eu queria é me esvaziar um pouco de mim mesmo e viver um tiquinho vazio, renovado, ser abastecido de paz, de Deus.

Descobri, para minha frustração, que não são trezentos quilômetros interior adentro pelo Estado que me levarão ao sonhado objetivo. Descobri, sem querer que fosse assim, que me forçar a dez minutos de silêncio não fariam com que meu espírito fosse renovado. Não, a essência do que desejo não se compra por encomenda, não se vende em “fast-foods”.

Essa paz, longe do que desejei, está sim por perto, quase ao alcance das mãos, não fosse ela tão discreta e impossível de se apanhar. É ela, pois que nos apanha, faz surpresa, nos envolve, quando nos pega assim desprevenidos, despreocupados, entregues. Descobri aqui nessa sala, que ao contrário do que procurei a tantos quilômetros distante de casa, precisava (preciso) eu é de uma viagem curta, simples, sincera, para dentro de mim, eu.

Parei então de forçar o que não se toma pela brutalidade e resolvi sentar para ler um pouco, deixar o corpo ceder, a mente aquietar e o coração sem muros para se romper. Vim aqui para esse teclado digitar, contar do que me passa, me esvaziar.

E descobri aqui que de assalto fui num instante tomado, pela graça, pelo amor, pela verdade de algo muito simples: Deus está em toda parte. E, opa lá, se quero ter a Sua paz, preciso eu estar em Deus.

O que é “estar em Deus” senão viver consciente de tudo aquilo que Ele mesmo é. E Deus é amor, é justiça, é poder, é carinho, é misericórdia, é vida, é paz, é bom, é Pai, é sabedoria, é tanto e tão tudo que breves linhas não descrevem, palavras não resumem, corações não compreendem. Mas é Deus e feliz estou por saber que só n’Ele sou realmente o que sou.

Quisera eu ser sábio para nunca disso me esquecer – eu me conheço nos amanhãs. Quisera ter eu essa verdade impressa no coração para em todo o tempo em meu Deus estar, cheio, transbordante, vivendo às margens de Sua sombra.

Mas espere, eu li e leio aqui, noutro pequeno trecho, e vejo o que tanto quero e ouço a doce voz da Sabedoria divina, que nos chama:

“Amo os que me amam, e quem me procura me encontra. Comigo estão riquezas e honra, prosperidade e justiça duradouras. Meu fruto é melhor do que o ouro, do que o ouro puro; o que ofereço é superior à prata escolhida. Ando pelo caminho da retidão, pelas veredas da justiça, concedendo riqueza aos que me amam e enchendo os seus tesouros” (Provérbios 8:17-21).

Tiro ao alvo

por Luiz Henrique Matos

Nunca fui bom com alvos. Não, eu não falo de minha mira, flechas ou pontaria – com isso eu também não sou lá um Robin Hood, mas o caso aqui é outro – sou ruim em estabelecer metas pessoais. No começo, achava que programar em janeiro todos os planos que cumpriria até dezembro seria mais outra maneira de incluir regras no meu já metódico – e involuntário – estilo de vida.

Vejo com admiração os amigos que hoje, fim do primeiro mês, já determinaram os tópicos pelos quais dedicarão tempo, empenho, dinheiro e, principalmente, orações ao longo do ano. Sim, cada alvo precisa ser algo “trabalhado”, corretamente pedido e entregue a Deus com perseverança e fé.

Neste ano eu desejo, sinceramente, fazer diferente. Pretendo repetir o que fiz uma vez há alguns anos e anotar em uma folha arrancada de caderno quais são os meus projetos pessoais, profissionais e espirituais para esses onze meses que ainda me restam.

Fica evidente, portanto, que meu primeiro e prioritário objetivo para o ano é: estabelecer alvos!

E já começo a sonhar. Penso nas orações que farei buscando uma vida maior de dedicação a Deus, com mais relacionamento e menos religiosidade. Desejo ser promovido no meu trabalho, ler mais livros, ler toda a Bíblia durante o ano. Quero realizar minha esposa e fazê-la tão feliz quanto possa sonhar. Quero ter um filho, um não, dois, um casal de gêmeos! Desejo escrever um livro infantil, quero também um dicionário, desses grandes, para encontrar sinônimos enquanto escrevo, quero ver meus amigos e familiares mais próximos de Deus. Preciso estar mais perto dos meus velhos amigos, contribuir com mais obras sociais, ter disciplina nesse meu ministério, melhorar minha postura. Este ano, deverei comer menos pizzas e mais verduras…

De fato, preciso é colocar ordem nisso tudo e estabelecer algumas prioridades. Preciso dividir quais são os alvos pelos quais devo orar, em quais me empenhar e os outros tantos que são pura falta de vergonha na cara.

Ah, eu quero aprender inglês! I’m sorry, quase me esqueci.

Agora, sendo alguém sem experiência nessa história toda de metas, alvos, planos ou seja qual for o nome que se dê para isso, não sei bem se é bom ou ruim, mas pessoalmente, vejo-me realizado em cada um desses pontos. De certa forma, sinto que vou consegui-los e não concebo a idéia de passar por esses dias sem fazer a colheita desses frutos. Foi Paul Yong Sho quem certa vez disse algo como: “Me diga o que você vê e eu te direi onde você irá chegar”. Pois então, estou errado?

Viajar mais! Tirar férias! Estão aí outros planos que esqueci de relacionar no devido parágrafo (talvez eu precise dedicar também um tempo para pedir por uma memória melhor…). Preciso pedir menos.

E por falar em pedir, isso me leva a dispersar noutro pensamento. A questão que debato, cá com meus botões (sempre eles) é: se estou pedindo é porque reconheço primeiramente que a realização ou não de tais planos não dependem somente de mim, mas antes, da providência do meu Deus, certo? Certo – os botões não respondem então eu mesmo concluo – Como então posso ter tanta certeza de que meus desejos são também os de Deus para mim?

E se Deus, estando lá em cima, como Deus deve estar, vendo meus tropeços e dúvidas, conhecendo-me melhor do que eu mesmo e tendo os sonhos de um pai para seu filho… e se Ele sabe que alguns desses pedidos não serão bons? Que o melhor para mim não está na realização desses planos e sim em algo que desconheço?

Estou pronto para ouvir um “não” como resposta? Não sei – respondo sem ao menos consultar os botões.

Acaso Deus, será “menos Deus” se não realizar as minhas vontades? É evidente que não, afinal, como um cristão, reconheço que não são os meus desejos que devo buscar, mas antes de tudo, procurar quais são os bons sonhos e planos que Ele tem. Mas, na prática, aceitarei isso com tanta racionalidade?

Meus botões se calam.

Então pergunto: e você?

Voltando um bocado nesse raciocínio, preciso dizer que ainda acho que os alvos são importantes, ótimos para direcionar, disciplinar e, no meu caso, ajudar a enxergar que muito do que tanto quero depende tão somente de um simples passo meu. Mas temo que essas metas, encaradas da maneira errada, nos afastem da submissão, da entrega e até mesmo da espontaneidade da vida, do acordar sem ter que se preocupar, do improviso de cada dia, da falta do que fazer nos dias de domingo.

Doutrinar nossas realizações pode nos deixar preocupados demais, nos levar a uma visão limitada a sentimentos egocêntricos. Pode nos impedir de seguir as palavras de Jesus e compreender que não devemos “andar ansiosos pela nossa vida, quanto ao que haveremos de comer ou beber” […] “pois é a vida mais do que alimento”. Precisamos, por algumas vezes, ser assim como as ervas são no campo e os pássaros a voar, despreocupados, despretensiosos e cheios de beleza e ação de Deus.

Em uma de suas cartas, Paulo relata o drama pessoal de conviver com o que chamou de “espinho na carne”. Uma enfermidade, uma dor, um mensageiro de Satanás como ele chegou a dizer. E conta ali que por três vezes orou a Deus para que o livrasse daquilo. E conta também o que ouviu do Pai como resposta:

“Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. E ali mesmo, linhas abaixo, o apóstolo conclui o seu raciocínio: “Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angustias. Pois, quando sou fraco é que sou forte”. E ele compreende então que mesmo as dores que sentia, eram provações que o fariam crescer e vir a ser o homem que tanto pedia para tornar-se.

Eu confesso, oro por bobagens. Veja você cada um dos alvos que consegui lembrar nesse momento para escrever aqui e notará – como eu mesmo só o fiz agora – que não tenho pedidos angustiados, necessidades, dores a serem curadas. É claro que tenho outros sonhos, tão pessoais e íntimos, entre o Pai e eu. São como tantos desses que você mesmo também deve ter. Vontades, planos, um chamado, as dúvidas, os anseios, vergonhas, os medos tão escondidos que às vezes até tem receio de coloca-los para fora. Não tenha.

Às vezes, pediremos e não seremos atendidos, faremos planos e terminaremos frustrados, nos sentiremos sozinhos durante a caminhada. Nessas horas talvez seja bom entender que na vulnerabilidade da dúvida, podemos provar nossa fé. Que no desapontamento de ver um sonho não realizado, conseguimos ser fiéis a Deus. E que apesar de tudo e de tantas coisas, Ele nunca muda, é o mesmo – cheio de amor, perdão, paz, justiça, verdade, carinho, sonhos, bondade… – ontem, hoje e sempre.

“Ao homem pertencem os planos do coração, mas do Senhor vem a resposta da língua. Todos os caminhos do homem lhe parecem puros, mas o Senhor avalia o espírito. Consagre ao Senhor tudo o que você faz, e os seus planos serão bem sucedidos.” (Provérbios 16:1-3).

Desaniversário

Por Henrique Matos

Imagine só você essa história, coisa dessas absurdas mesmo. Suponha, só por alguns parágrafos, que no fim de semana que chega seja o seu aniversário. Toda expectativa, os preparativos e desde há cerca de um mês, já comentam as pessoas sobre a data. Você afinal, é uma grande personalidade, respeitado por suas idéias e gestos tão nobres, e todos os seus amigos já sabem, só pelo clima, que o esperado dia se aproxima.

De repente assim, você se lembra do que lhe contam sobre o dia do seu nascimento, quando de longe, amigos da família trouxeram belos presentes em sua homenagem. Você está também empolgado com essa atmosfera festiva que o cerca e, pelo burburinho das cozinhas e salas de estar, parece que um grande evento se fará.

Seu aniversário é, afinal, a data escolhida por muitos dos que o conhecem para se confraternizar. É o dia, talvez o único, em que boa parte das famílias se reúnem, sentam à mesa e celebram. Elas brindam ao amor, à verdade, à paz, à justiça, o ano que passou. Brindam também o dia do seu nascimento.

Bem, guardando as devidas proporções, é um aniversário como qualquer outro que se faz por aí todos os dias, tantos dos anos.

Observando a movimentação, você se prepara para a festa, toma um banho longo, veste sua melhor roupa, quer receber e se alegrar com aqueles que o amam, quer ver os presentes que ganhou, quer viver um dia, só esse, sabendo das coisas boas que pensam a seu respeito.

Espere. Deixemos um instante de narrar (e imaginar) e observe a cena. Sim, abra a janela dessa sala, deixe a luz do dia entrar e veja: os convidados já estão vindo. Assim como veio tão rápido, e já chegou, o grande dia.

Veja as famílias, sim, elas estão juntas! Olhe ali os belos pratos, frutas da estação, sucos, vinho, bolos recheados com nozes e doce de leite, balas e confeitos especiais, um lombo bem assado… Cuidado, não deixe a fome dispersar a imagem. Veja também os presentes que trazem nas mãos, são tantos, em belos embrulhos. Haverá grande festa nesse seu dia.

Mas, a medida que se aproximam, pode-se notar que estão todos mudando de caminho. Ei, eles saíram da direção! Nada de tudo aquilo é para você de fato. E também não é para algum dos seus pequeninos amigos e familiares. É, pelo visto, para uso e lazer dos próprios convidados. Carregam para si os presentes.

Ora, que aniversário é esse – pensa você e, agora que vi, eu também – em que as pessoas festejam na ausência do aniversariante? Em que compram presentes para agradar a si próprias? Em que se celebra a data tão esperada, mas pouco se fala no festejado anfitrião?

Que Natal é esse, afinal, em que as famílias se reúnem para celebrar um nascimento, mas esquecem de convidar e homenagear ao Pai e seu tão amado Filho, justamente na data que marcamos como símbolo de sua vida entre nós?

“Eis que de súbito apareceu entre eles um anjo, e o campo ficou iluminado com a glória do Senhor. Sentiram muito medo, mas o anjo sossegou-os: Não tenham medo; trago-vos a notícia mais feliz e que se destina a toda a gente! Esta noite, em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador – sim, o Cristo, o Senhor.” (Lucas 2:9-11 – na versão “O Livro”).

Vestindo a camisa

Por Henrique Matos

Dia desses foi meu aniversário. Teve festa, família, bolo, amigos e tantas dessas coisas que só acontecem uma vez no ano e que, particularmente, aprecio muito. De minha esposa – a quem pedi que não me desse nada (ainda que sempre esperando receber algo) – ganhei um presentão que me alegrou demais: a camisa oficial do time para o qual eu torço.

Estávamos os dois na cozinha de casa quando tive a surpresa. “Uma prova do meu amor”, disse-me ela, que de fato, gosta tanto de futebol quanto eu gosto de brócolis (ou brócolos, como aprendi outro dia) e, sendo assim, posso imaginar o seu tormento, pobrezinha.

É certo que ela me imaginou um tanto mais magro quando fez a compra (talvez pelo antigo manequim da solteirice). Experimentei a camisa apertada e tive o desagrado de ver o seu tecido modelando minha circunférica silhueta. Mais triste então, foi notar no espelho o brasão do time ser distorcido pela minha barriga.

Mas sim, seu gesto prova uma boa dose de seu amor, capaz de superar essa minha tão típica, masculina e inexplicável mania. Pois é o futebol essa “caixinha de surpresas” (por favor entenda, eu precisava usar o jargão), até mesmo para um par de pernas quase nada habilidosas como as minhas (e o “quase” ainda é muito).

“Só não saia comigo vestindo ela, pode ser?”. Eu disse um “não” animado, eufórico com o presente novo, mas agora, passados alguns dias (e feita a devida troca por um modelo maior), percebo que seu pedido talvez não seja tão desafiador. Ao contrário, admito que tenho uma boa dose de vergonha em usar aquela camisa em público, achando que ostenta-la – além de um perigo iminente na violência da cidade grande – seria um gesto exposto por demais. Me olharão na rua com algum preconceito, deboche ou julgamento.

Mas, ora bolas, eu não posso ter vergonha daquilo em que acredito! Por que sou eu, mais um desses que só assume a escolha quando o time vence? Por que festejo apenas quando estou com outros torcedores como eu, nas horas em que eu canto hinos, dou brados, faço junto o corinho do “com mu-ito orguuulho, com mu-ito amooor”. Mas em público, bem, aí a minha história é outra, em meio às atenções é preciso ser discreto, passar incólume pelo olhar dos algozes.

Está certo, penso aqui, vencerei minha vergonha, tentarei criar coragem. Provarei que gosto mesmo desse símbolo a ponto de assumi-lo sem ter medo dos estranhos, da torcida alheia e do desdém dos “sem-clube” que julgam a nós, torcedores, como um bando de ignorantes manipulados.

E foi que, pensando nisso, lembrei de uma outra ocasião não relacionada com esses fatos, mas muito adequada à dita circunstância. Estando um dia os doze jogadores em um campo, disse a eles o capitão do time:

“Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou, o que o homem poderia dar em troca de sua alma? Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, o Filho do homem se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.” (Marcos 8: 36-38).

Esse “defensor” não teve vergonha de mim. Pelo contrário, passou ele mesmo a vergonha no meu lugar, sofreu a derrota, exposto à multidão, à torcida adversária que o condenou por erros que não eram seus. E fez isso por mim, triunfando vencedor, para que eu não precisasse, nunca mais, passar por tal julgamento.

Merece um hino, um brado, corinhos, fanatismo até. Merece que eu diga: em qualquer circunstância, sim, eu vestirei a camisa. Estampando em meu peito o orgulho e amor de ter um novo… coração.

Amigos de Judas

por Luiz Henrique Matos

Há muitos dias ele vinha sofrendo. Tudo já não era como antes e doía saber que muito do que lhe ocorria era conseqüência de decisões erradas e imaturas. Mas em meio à confusão já não conseguia encontrar o caminho de volta.

Fazia meses que não nos víamos, a última vez foi um “e aí, como vai?” superficial em um ponto público da cidade grande. Mas a conversa boa e devagar, a comunhão, já não aconteciam há tempos.

Na verdade nunca fomos muito próximos, nem realmente amigos eu diria. Mas sem entender o motivo – acho que são as coisas loucas dessa fé – estranhamente, nesse sentimento cúmplice, eu sempre sinto quando algo errado lhe acontece.

E não foi diferente neste então, quando nos vimos recentemente. Na igreja cheia, as famílias reunidas, os abraços gratuitos de cumprimento, as músicas de celebração, o senta e levanta dos bancos, a ministração pastoral, o momento de reflexão. E a todo momento, no banco atrás de mim eu percebia outra vez que embaixo da fachada sorridente estampada em seu rosto, ele procurava por uma resposta.

Mas ninguém parecia perceber. Há tanto tempo, tanta gente, ninguém notou. Tudo foi devagar demais para ser assim de repente como um susto. Foi a sombra que aos poucos trouxe nuvem, que uma hora se fez noite. E o dia não chegava.

Ora, eu pensei, ele precisa saber que não está sozinho, deveria descobrir que outros tantos também sentem-se perdidos, sujos, indignos. No meu cristianismo, acreditei que ele carecia da mensagem salvadora da cruz, juntar-se uma vez mais ao aprisco e retornar para casa como o filho pródigo regressa para os braços do pai.

Não sei se lhe disse tudo isso, mas lembro que algo eu falei. Ao menos ali, tentei acompanha-lo naquela caminhada escura. E fizemos uma oração juntos. Uma prece dessas redimidas, arrependidas, que vasculham as brechas das trevas até o raiar da luz. E ali, novamente tive a alegria de vê-lo retornar à fonte e abrigar-se conforto da paz.

Quem sabe, eu penso agora – ligando isso tudo a uma reflexão de outros dias –, se Judas, lá nos seus dias, também tivesse ao alcance um ombro… Talvez, se um dos onze que ali estavam percebesse sua angústia, creio que ele poderia ter vivido. Sim, eu sei, as Escrituras desde há muito profetizaram que o Cristo seria traído, mas onde está o trecho dizendo que o traidor deveria morrer? Acaso lemos nalgum dos textos que ele não poderia arrepender-se de seu gesto e confessar seu pecado? Não foi assim afinal com Pedro e todos os outros que fugiram na ocasião prisão de Jesus?

Mas Judas não teve um irmão. Dentre todos os que estiveram ao seu lado diariamente naqueles três anos, não houve um que percebeu sua dor e o chamou, caminhou ao seu lado e o conduziu novamente à verdade. Faltaram amigos para aquele filho pródigo que, talvez por isso, jamais retornou ao lar.

Amigos. Esses que olham nos olhos, enxergam além do superficial para ver em que momento da trilha o passo do outro se perdeu. Esses mesmos que compreendem a dúvida e entregam não uma resposta pronta, mas o mapa do caminho, o amor fraterno e a disposição em caminhar juntos.

Sabemos que são de amigos que carecemos em nossas tribulações. E por isso, podemos também olhar ao lado nesse instante e estender a mão para o pródigo que se distanciou e que desejamos ter de volta em casa, sentado à mesa, repartindo o pão e o vinho da comunhão.

“’Vamos fazer uma festa e comemorar. Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado’. E começaram a festejar.” (Lucas 15: 23b e 24).

Ansiedades, probabilidades e estatísticas

por Luiz Henrique Matos

“Suponho que viver a vida a cada dia (…) é precisamente o que nós temos que aprender – mesmo quando o velho Adão em mim às vezes alega que, se Deus quisesse me fazer viver como os lírios do campo, por que não me deu a mesma dose de nervos e imaginação que ele! Ou será esse precisamente o ponto, o propósito exato deste paradoxo divino e audacioso chamado ser humano – fazer, dotado de razão, tudo aquilo que outros seres fazem sem ela?” (C. S. Lewis).

Às vezes gostaria de saber qual seria a probabilidade estatística – dessas de um número tanto para tantos milhões – de realmente acontecer o que se fez em certas ocasiões. Sei que o assunto não é novo, hoje em dia parece até que andam em evidência os filmes que mostram o passado de um Fulano e o quão diferente a vida dele seria se uma simples alteração, atitude ou gesto fossem mudados.

Se eu não tivesse – à revelia, diga-se aqui – sido transferido de departamento em meu primeiro emprego, jamais conheceria aquela linda, encantadora, amável, irresistível, perfeita, graciosa… garota que hoje é minha esposa. E foi através de uma amizade sua que consegui o emprego seguinte, que posteriormente me possibilitou o atual. Também em sua companhia, comecei a freqüentar igrejas e numa delas tornei-me cristão. O cristianismo, afinal, foi a válvula para que eu iniciasse um novo projeto com textos, que me fez então estabelecer esse contato com você. Ora, se não fosse então uma frustrante mudança em meu antigo trabalho, hoje provavelmente eu seria solteiro, com outra carreira, longe da igreja e sem a mensagem que você lê nesse exato instante (não que isso lhe represente muita coisa).

Acho que é por isso que não acredito em “acaso”. Falo sem qualquer reflexão filosófica sobre o tema, tão agradável para os pensadores mais engajados, mas apenas pura e pobremente como uma reflexão vã sobre o assunto, jogando conversa fora para tentar entender os caminhos, percalços e alegrias dessa vida.

E sei sim que é por isso, em quantia maior e mais convicta, que acredito na providência e soberania divinas. Não de forma simplista, como se fossemos todos marionetes nas mãos de um tirano manipulador, mas de forma estratégica, sonhada, com o bom Pai traçando caminhos para os filhos, desejando que sejamos suficientemente sábios e de alguma forma sensíveis para compreender os seus planos de amor.

Por isso também, em momentos de ócio imaginativo (como esse), procuro relembrar os fatos, dos mais sutis, que foram fundamentais na construção dos caminhos que trilhei. Olhando para trás e vendo o rastro das pegadas, posso perceber que muitas das lutas e tempestades que eu julgava quase mortais para meu espírito – e sobre as quais muitas vezes lancei condenações às minhas decisões – foram, na verdade, providenciais para meu crescimento e amadurecimento.

O caminho que você e eu podemos escolher é um só, dentre tantos que tentadoramente aparecem à frente. Mas a decisão é única e definitiva num certo momento: seguir a Jesus Cristo como nosso salvador, a Deus como Pai, é uma escolha por ele mesmo revelada “estreita” (Mateus 7:14), mas que conduz ao descanso da eternidade. E essa conversão de trajetórias, nada sutil, altera muita coisa daí por diante. Uma mudança, até mesmo os números frios das estatísticas podem provar.

Probabilidades? Bem, imagine então quais seriam as de que se cumprissem em um único homem, todas as 332 profecias ditas a respeito do Messias que os judeus esperavam. No que me lembro, era de uma chance em 8 seguido de oitenta zeros (não, não fiz a conta e também não sei pronunciar o tal número. Eu o li nalgum lugar que agora não encontro). Pois, desafiando a razão, todas elas foram consumadas na vida de Jesus Cristo.

Agora olho ansioso para o que sou, tentando avaliar esse presente em que vivo, minhas possibilidades de acerto e meus riscos de erro, sei que muitas de minhas dúvidas serão respondidas amanhã, quando então saberei seus propósitos. Mas, me pergunto outras horas: e as dúvidas sobre o depois? E o dia de amanhã como será, o que virá, o que se dirá? Olho então novamente para trás, um tanto só para aprender, e vejo nas páginas que li e nos passos que trilhei a verdade reluzente dos sábios (e eternos) conselhos de meu Pai…

“Dêem pois prioridade ao seu reino e à sua justiça e Deus cuidará do vosso futuro. Não se preocupem com o dia de amanhã. O dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta cada dia o seu mal.” (Mateus 6:33-34, na tradução “O Livro”).

Adeus às armas

por Luiz Henrique Matos

Nos próximos dias você e eu, cidadãos brasileiros, eleitores, seremos convocados a enfrentar uma grande fila em uma escola de nossa cidade para prestar o voto sobre a pergunta que os parlamentares decidiram julgar como responsabilidade nossa: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”.

Contrariando a vontade própria mas obedecendo ao impulso inevitável, senti-me no dever de expor o assunto sob uma ótica bíblica, visão essa que também busco, como resultado da frustrada tentativa de chegar em uma resposta sobre meu voto. Confesso que pensando de forma racional, me divido entre os argumentos das duas partes. Mas, ao menos agora, que fiquem os dados como base de ponderação e limitados aos comerciais televisivos recheados de celebridades. Não pretendo aqui citar as muitas estatísticas que tentam nos convencer, mas no que me cabe, gostaria de refletir sobre as Escrituras e o que nela se diz a respeito.

Um estudo breve é suficiente para saber que não há no Novo Testamento qualquer expressão ou citação que justifique o porte de armas ou uso de violência (seja como ataque ou defesa). Pelo contrário, aliás, muito pelo contrário, a exortação é outra. Apenas para citar alguns exemplos: João Batista, Estevão, Tiago, Paulo e, obviamente, Jesus, são alguns dos que se submeteram sem reagir às acusações e ataques injustos contra si, alguns deles pagando com a própria vida. Jesus dizia ainda que devemos perdoar e amar os nossos agressores.

Alguém pode dizer que isso refere-se a particularidades da vida religiosa e que de fato, não tem adequação com o que se discute hoje. Digo porém, que existe ainda um outro momento muito apropriado, que acontece na noite em que Jesus é preso. Ele orava no Monte das Oliveiras quando Judas chegou acompanhado do grupo armado que iria prendê-lo. Jesus não foi resistente e diante da investida opressora, entregou-se. Mas na hora, eis que Pedro (sempre ele) sacou uma espada e no ímpeto de defender seu Mestre decepou a orelha de Malco, um dos servos do sumo sacerdote que participava daquela investida judaica. Jesus repreendeu o gesto, ordenou a Pedro que guardasse a espada e curou a ferida do homem.

Pessoalmente, admito que o argumento de ter uma arma em casa como medida de “defesa”, me soa algo tão coerente quanto: “Olha, eu não bebo e não pretendo beber, mas deixo uma garrafa de uísque em casa para caso um dia eu precise”.

Espere aí, pensando bem, há sim uma outra passagem bíblica falando sobre armas. E é Paulo quem escreve aos efésios dizendo que sim, é necessário que tenhamos uma espada. Bem, ele fala em espada, mas sejamos mais modernos e vamos contextualizar o nome desse “instrumento” para… vejamos, uma metralhadora! Nesse aspecto e com a devida substituição, o versículo seria assim: “Usem o capacete da salvação e a metralhadora do Espírito, que é a palavra de Deus” (Efésios 6:17).

Para todos nós, é muito confortável cobrar esse cristianismo exemplar e santo de nossos irmãos e líderes, mas não podemos ignorar o fato de que é de nós mesmos que deveríamos exigir uma conduta o quanto mais próxima da que nosso Senhor viveria. E mais do que pregar, estudar ou concordar, sei que preciso eu mesmo viver a verdade sendo um espelho dessa fé, agindo como Jesus agiria.

“As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas” (Paulo em 2 Coríntios 10:4).

Também é fácil (e muito justo) exigir que nossos governantes façam sua parte, inibindo a violência e sendo eficientes no combate ao crime. Mas também não somos nós, os cristãos, que dizemos ser herdeiros e parte de um Reino que prega a paz, o amor e a misericórdia como princípios incondicionais? Na vida prática, se quero ver luz, começo então acendendo a lâmpada. E assim igualmente creio que se desejo viver em uma sociedade de paz, preciso fazer a minha parte, declarando que prefiro os meus princípios de vida e de fé aos “remédios” sugeridos por uma indústria bélica.

Como disse, não se trata de razão, mas de fé. Não são os direitos que temos ou os que perderemos, mas uma postura coerente com o que acreditamos. Postura essa que, se me permite encerrar com a citação abaixo, foi pregada e vivida por um homem que nunca professou a Jesus Cristo como seu Deus, mas que buscou nele o exemplo para promover parte das maiores mudanças que a sociedade moderna experimentou. Por seu gesto e liderança, seu país, a Índia, tornou-se livre de uma nação opressora. E enquanto esteve vivo, combateu com medidas pacifistas e desarmadas a violência intolerante entre os povos, o racismo e a injustiça social. Esse homem morreu em 1948, assassinado com três tiros.

“Precisamos ser a mudança que queremos ver” (Mahatma Gandhi).

Sessão nostalgia

por Luiz Henrique Matos

Tarde chuvosa, tempo cinzento, dia sonolento… um momento ideal para relembrar os dias da infância distante, das horas de sessão da tarde deitado no sofá, da nostalgia latente de uma meninice que a vida adulta já encobriu. Ai que vontade! Um chá quente com biscoito água e sal em casa… Mas não posso, é dia de compromisso, hora da responsabilidade. E assim sendo, como é, aproveito a circunstância para ser só um tiquinho mais nostálgico, aqui nesse tempo, numa conversa de compadres sobre fatos distantes do noticiário que reluz em minha tela e borra os meus dedões.

E sobre o passado, nele mesmo é que estive pensando e queria saber se você, por acaso assim, se “alembra” de um desastre natural que aconteceu já há muito tempo. Acho que há tanto que nem sei se ainda tem espaço em nossas remotas lembranças. A mídia eu sei que já esqueceu, mas com um tanto de paciência, posso ao menos lembrar o nome… tsunami. É isso aí, uma onda gigante que assolou alguns países no sul da Ásia. Você lembra disso? Fatos do passado, coisa de longa data. Quem nessa loucura de vida ainda tem tempo para falar em fatos já resolvidos? Mas só por dizer, coisa boba, foram duzentos e cinqüenta mil pessoas mortas naquela tragédia.

Tem também uma outra, um tempão depois, mas que já quase se perdeu. Um dos tais furacões Katrina. No norte dos Estados Unidos ele inundou uma cidade inteira e o povo fugiu para outro estado que depois também quase foi inundado, uma insanidade. Bem, mas e desse, você tem alguma recordação? Soube pelas notícias da época que foram mais de dez mil pessoas que morreram nas tempestades.

E ali juntinho, na mesma semana do furacão, se a memória não me escapa (desculpe, coisas da idade), aconteceu também aquele desastre no Iraque. Não, não estou falando daquela guerra antiiiiga que os norte-americanos travaram contra o ditador, o dito cujo chamado Saddam Hussein. Falo aqui do incidente sobre uma ponte no Rio Tigre em que morreram mais de mil pessoas, pisoteadas, asfixiadas ou afogadas depois de uma suspeita, veja bem, só uma suspeita de ataque suicida.

Pois é. E sabe que agora já tem um outro sendo esquecido, no fim das suas contas, nem rende mais audiência para os telejornais. Foi esse um terremoto, de novo na Ásia. Você lembra? Não? É compreensível, também pudera, já se passou uma semana e isso é tempo por demais. Com certa dificuldade, achei uma matéria e li que até hoje não terminaram de contar as vítimas, mas que os governos do Paquistão, Índia e Afeganistão contabilizam mais de 39 mil mortos, entre corpos encontrados e outros ainda soterrados. E depois de tanto tempo, os jornais já não relatam mais o ocorrido em suas páginas.

É, o tempo passa rápido demais. Para mim, para você, o volume de informações na mídia é tamanho e vindo de tantos meios diferentes que nem percebemos que as elas chegam, ocupam o topo das manchetes e vão diminuindo de tamanho e importância até que alguns dias se passam e ninguém mais se recorda.

Agora, penso aqui outra vez junto com esses meus botões (sorte eu estar de camisa), não é porque os jornais deixam de noticiar que o fato se resolveu. A imprensa e o pensamento imediatistas da nossa cultura ocidental são tão frenéticos que não só nos esquecemos de fatos recentes com tamanha facilidade, como deixamos de nos comover com as situações que acontecem debaixo de nosso próprio nariz.

Ainda hoje, os governos sul-asiáticos trabalham para reerguer as cidades atingidas pelo tsunami e a estimativa inicial da ONU previa ao menos dez anos para a recuperar as áreas devastadas. O furacão Katrina ainda deve consumir cinco anos de investimentos e obras em Nova Orleans. O Iraque, bem o Iraque, não bastasse o desastre sobre a ponte, o povo daquele país ainda sofre com a opressão norte-americana presente em seu país e com os insurgentes rebeldes que explodem a tudo e a si próprios pelas ruas das cidades. E afinal, sobre o terremoto no Paquistão, procuro pelas notícias e pouco ainda se fala a respeito da situação no oriente.

Mas o triste saldo que fica nessa conta não é o das estatísticas sociais, são sim, de fato, as pessoas desabrigadas, as famílias separadas, os enfermos, as crianças sem remédio ou comida. E não é bem assim no plural e no termo coletivo. Está ali um bom punhado de gente, com sentimento, dor, vida, esperança… assim como eu, tal como você, passando por necessidades primárias e a mercê de nossa comoção e, quem sabe, uma caridade.

Em horas dessas, uma condição me incomoda o espírito e não consigo deixar de sentir um tanto de culpa pela minha negligência e mais um outro bocado de dúvidas, que se resumem em uma única que agora me faço: e eu, o que posso fazer?

Ser como Jesus? Amar ao próximo como amo a mim? Orar e interceder? Estender a mão e ajudar? Me conscientizar e prevenir os danos que causo à criação divina? Sim, tudo isso e tanto mais. Mas ainda busco a verdade por detrás dos conceitos e ministrações. Tento desbravar a vida, procurando o exemplo deixado pelo único que foi capaz de trilhar sozinho esse caminho e vencer, sem as muitas indagações de que me cobro.

Me questiono na condição de quem se declara cristão, renascido em Jesus Cristo, preenchido e marcado por sua verdade, amor e misericórdia e desejoso em espelhar o seu caráter. Procuro nas Escrituras a resposta e não preciso ir muito longe, várias me saltam aos olhos e à mente, mas uma delas, só uma breve e simples passagem, me faz parar e entender sobre o caminho, sobre a atitude, sobre a postura que preciso viver:

“Certa ocasião, um perito na lei levantou-se para pôr Jesus à prova e lhe perguntou: ‘Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?’. ‘O que está escrito na Lei?’, respondeu Jesus. ‘Como você a lê?’. Ele respondeu: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento’ e ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo’. Disse Jesus: ‘Você respondeu corretamente. Faça isso, e viverá’. Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: ‘E quem é o meu próximo?’. Em resposta, disse Jesus: ‘Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Então colocou o homem sobre seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os deu ao hospedeiro. ‘Cuide dele, e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando voltar’. Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?’” (Lucas 10:25-35).

João e o pé de…

por Luiz Henrique Matos

Ainda hoje eu me lembro daquelas experiências. Não era preciso prática e nem tão pouco habilidade para se ver algo surpreendente, como num milagre. Na verdade, bastava que se plantasse… e via-se rapidamente o resultado.

A receita, tão simples, envolvia muito pouco: um copo de plástico, um pedaço de algodão, alguns mililitros de água e dois pequenos feijões embalados no algodão. Esperava-se dois ou três dias e finalmente era possível ver aquele pequeno ramo verde, que na minha infância breve parecia crescido tal como uma (promissora) árvore.

E esperando, eu pensava, se passassem mais uma semana ou duas, o copo seria destruído pela grandeza daquele meu pé de feijão, capaz de romper algodões, terras e tal como na história, me levar aos céus. E aí, talvez por isso, minha mãe não me deixava prosseguir na experiência que transformaria o mundo (bem, espero que você seja capaz de considerar essa inventividade infantil).

Há pouco tempo – alguns minutos para ser exato – eu li a história de João, um rapaz que em sua adolescência viveu grandes aventuras. E numa delas, presenciou a melhor das histórias sentado diante daquilo que na tenra mocidade lhe parecia uma árvore, mas não passava, afinal, de um pé de… uva.

“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto, se não permanecerem em mim. Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim, vocês não podem fazer coisa alguma” (João 15:1, 4 e 5).

João era moço, novinho de tudo, talvez tivesse uma visão dividida do que se passava, não compreendendo a grandeza do que vivia, mas ao mesmo tempo, pela inocência, sendo ele mesmo o integrante mais envolvido naquele espetáculo sobrenatural.

Aqueles dias seriam os últimos em que ele poderia desfrutar a presença do filho de Deus nesta terra. Encantado com aquele Messias amoroso a quem ele mesmo pôde tocar, acompanhar, servir, amar e entregar-se cegamente às suas palavras. E momentos como esse, diante da videira, marcaram sua vida ao ponto de, anos depois, ser o único dentre os quatro autores dos evangelhos a narrar o acontecimento.

Naquele dia, João ouviu sobre o amor que marcou sua vida e pregação. Sentado num chão de terra, observando e crendo, ele viu o Deus vivo o chamar de amigo, ele ouviu seu Mestre lhe dizer que era preciso frutificar.

“Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço. O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei. Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai, eu lhes tornei conhecido” (João 15:10, 12 e 15).

Aquele João da videira, era o garoto que vimos reclinado sobre o peito de Jesus na ceia, foi um dos três que faziam parte da intimidade do Mestre, foi o único discípulo a estar aos pés da cruz ouvindo de Cristo a ordem para cuidar daquela que fora sua mãe. O pequeno João do pé de uva, foi o apóstolo na igreja primitiva, foi missionário pela Ásia, foi preso e escravizado pela perseguição do império romano. Foi o que serviu aos seus irmãos, foi o que viveu até que Deus o recolhesse, foi o que contemplou e recebeu a revelação descrita em Apocalipse que ainda hoje nos consola.

João viu o Deus, ouviu o Verbo, seguiu o Caminho, conheceu a Verdade e optou pela Vida. Creu e dedicou-se à mensagem de viver em Cristo e frutificar ao mundo. João em sua inocência espontânea e juvenil, experimentou o melhor, dedicando sua adoração àquele que é digno de tal amor.

A videira. Uma pequena árvore, plantada ali num solo árido daquela Jerusalém antiga, mas que pela presença do Deus vivo à sua frente, ficou eternizada na parábola e levou o jovem João a lembrar e viver grandes experiências, nos mais altos céus.

Agora veja você, com seus olhos de fé. Imagine. Viva a experiência. Diante da videira, frente ao Deus de amor, ouvindo esse desafio…

E que frutos dará?

“Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome. Este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros” (João 15:16 e 17).

Daqueles dias

por Luiz Henrique Matos

Às vezes chego em casa cansado. Um dia duro de trabalho, trânsito na cidade, contas para pagar, preocupações que vêm à mente. E então, ao seu lado, não preciso dizer nada. Sei que ali eu descanso, esqueço e encontro a paz. Com você eu não preciso saber as respostas, não preciso ser herói, não preciso ser um adulto bem resolvido ou dessa gente que inventa qualquer assunto para o clima não ficar sem graça.

Lembro, em alguns desses momentos, de palavras que ouvi em outras horas: “Às vezes, entre dois amigos, o silêncio já diz muita coisa”. É verdade. Eu só preciso dizer que não suporto o silêncio sem a sua presença.

Tem momentos em que minha ansiedade me afoga, minha concentração passa longe e até parece que eu sou incapaz de terminar algo. A mente voa. Tenho dúvidas. Os sonhos ficam distorcidos, as certezas… bem, acho não tão certas assim. Cada passo em frente parece que pesa um pouco mais. E eu me encho das perguntas cujas respostas nunca soube. Mas, o que de mim você já não conhece?

Gosto das horas em que te digo: “Somos só nós dois”. Ali, restabeleço minha aliança de amor, honra e fidelidade. Sou leal a você (apesar de minhas inúmeras falhas). Nunca quis um relacionamento em que não pudéssemos ser totalmente francos um com o outro. E é muito bom ouvir suas verdades.

Sua presença me revela respostas. Seu toque, cura-me as dores e permite que eu deite em minha cama depois de um banho e minha oração, para repousar em tranqüilidade. Tenho sonhos. Tenho planos. Tenho muito a agradecer. E o que tenho, e o que sou, sei que brotaram antes como vontade de seu coração bom e fiel.

Esse amor tem me inspirado canções e poesias. Às vezes faz a mim, um homem grande, chorar como a criança amparada após o tombo. “Calma, foi só um susto” eu ouço o sussurro, abrigado na segurança de seus braços.

Algumas vezes, sozinho, eu me pergunto: por que? Um universo tão extenso, um mundo tão grande, uma criação tão bela e esplendorosa, os mares, as nações… por que isso tudo e tanto, para ser explorado, governado e devastado por corações ingratos? Como o meu.

Não temos segredos, não há mistérios. Existe sim essa sua sabedoria infinita que eu não compreendo, mas me acolhe. Assim, são inescrutáveis esses seus caminhos.

Alguns homens não acreditam nessa verdade. Outros crêem mas te vêem distante e avaliam a sua personalidade como temperamental e rígida, confundem justiça com frieza. Entenda, eu sinto se não me limito a tais leis e regras, mas confesso que gosto dessa intimidade (ainda que eu fuja tantas vezes) e prefiro conhece-lo pessoalmente. Afinal, não é você o próprio Deus? Não é o Senhor? Acaso não é o Rei, Eterno, Santo, digno de glória? Sim, é tudo isso e é único. Mas como tratá-lo com distância, enquanto dia-a-dia me ergue em seu colo como filho e me pede para chama-lo de Pai?

Meu Pai do céu. E quantas não foram as vezes em que eu quase me esqueci do seu amor? Tantas as horas em que me buscou pelas manhãs, perdido, dormindo ao relento, chafurdando na lama, embriagado da droga mundana. Você nunca desistiu de mim. E constrangido, abri meus olhos e os voltei em sua direção… E não vi sombras, e não vi mágoa. Eu vi sua mão estendida, seu sorriso terno, ouvi sua suave voz proclamando festa: “…este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado”.

Eu jamais poderia retribuir tanto amor.

E me fez muito mais, motivado por aquilo que é em essência: amor. Amor fiel, paciente, bondoso. Amor alegre. O amor eterno que esperou a hora, que tudo sofreu, tudo suportou. E resistiu. Se entregou. Perfurado, maltratado, cuspido, espancado. Os que o conduziram ao Reino lhe deram uma coroa, de espinhos. Vestiram uma capa, estando nu. Ergueram ao alto da montanha, crucificado.

E ali morreu no meu lugar. E adiante, depois, ressuscitou para o triunfo da eternidade.

Quando volto a olhar em sua direção, lembro-me daquele dia. O dia em que senti minhas culpas partirem e meu fardo ser removido. Dia em que meus pecados foram perdoados e cada uma de minhas feridas curadas. Dia em que minha mente repousa, minha fé se baseia e minha vida se entrega.

Apesar de mim, você é Deus. E é aquele o seu gesto que nos liga para sempre, na eternidade que viveremos juntos. Nessa cruz que observo, seu Filho morreu eu meu lugar, para que hoje eu pudesse chama-lo Pai, meu Pai.

Que eu nunca me esqueça.