Analogias não bastam

por Luiz Henrique Matos

“Alegrem-se na esperança, sejam pacientes na tribulação, perseverem na oração” (Romanos 12:12).

Existem situações em que as ilustrações não resolvem. E também tampouco ajudam. São momentos que exemplos e gracejos são incapazes de retratar. Luzes no fim de túneis, Davis vencendo Golias, vales escuros sendo cruzados por valentes guerreiros, faróis reluzentes nos portos frente a penumbra solitária da noite. Não, nessas horas as parábolas nada refletem. Os versículos ecoam e soam apenas como afirmações frágeis de homens que não viviam, ah não, eles não poderiam estar passando por isso!

Tampouco dizem algo qualquer uma das palavras escritas. As poesias e registros que florescem desses tais são tão somente exercícios e desabafos atrasados não ditos quando deviam. Momentos em que o mundo parece quieto e sentimos que mesmo os anjos apenas observam. Num suspiro, olhando à volta, notamos um tanto do gesto dos solidários que dedicam-se a consolar a dor, mas mesmo eles não podem entender, ninguém poderia.

E brotam as dúvidas, florescem os cravos, desatina a dor, gira confusão, sonhos, transes e um questionamento que perdura: por quê?

Por isso, me calo quanto aos modelos de uns ou outros e até aos meus próprios instintos e aqui procuro ater-me à franqueza dos atos e fatos.

Na busca da resposta, acreditamos e sabemos, assim por simples saber e crer, que tantas e outras vezes ela se esconde não em outro lugar, senão em nós, ali dentro, debaixo, atrás, num canto talvez que, retorcendo e sondando quem sabe? Não, nem mesmo nós podemos enxergar.

E quem pode?

Sim, você já sabe, aqui, isso tudo é cristão, busca sê-lo. E não falaria de outra senão da Verdade. E ao contrário da outra, falsa, a verdade não se envergonha, nunca se cala, nem cansa de se repetir. E a verdade de Deus, tal como o próprio, é eterna e inabalável.

A verdade que sim, ora pois, sim! Sabemos, mas carecemos de confiar. Principalmente nesses tempos em que as muitas dúvidas questionam até o verbo que é, ser.

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jesus).

É Ele, somente Ele, que nos ouve quando já não temos fôlego para chamar. Nos atende, quando na fraqueza somos dobrados ao chão. E no pó vemos a matéria do que fomos, somos e seremos. Mas ainda assim, poeira deste mundo, temos um Deus, tão grande mas tão próximo, tão Senhor e tão Pai, tão justo mas que assim, perfeito, nos ama sem condições. E Ele mesmo se entrega, por amor às criaturas que insiste em chamar de Filhos, perdoa e cura, restaura.

Pena, eu lamento, que talvez não compreendamos tal grandeza em meio à turbulência nesse instante avassalador. Mas não é a compreensão que se faz necessária, sim a fé. Ora, a certeza das coisas que não se podem ver…

“Pois nessa esperança fomos salvos. Mas, esperança que se vê não é esperança. Quem espera por aquilo que está vendo?” (Romanos 8:24).

Se ainda vai doer? Sim, certamente vai. Mas uma hora passa. Se acredito que minhas palavras curam? Honestamente, não. Creio e sei, que nosso Deus nos vê e conhece. E ele sabe, com seus caminhos e seus pensamentos tão mais altos do que os nossos, que ali adiante há algo melhor.

É bom dizer que, o que digo apenas me parece, assim por acreditar, não sei muito bem. Quanto a isso sou também mais um dos que ainda esperam. Me entrego, peço, agradeço e permaneço. Deixo a janela do quarto aberta, aguardando pelo momento em que o sufoco passe e a brisa… ah, a brisa há de soprar, há de tocar, ah ela virá!

Mas sigamos na fé, na oração e no esperar em Deus. Esperar de esperança. Esperar que passem as parábolas, que cessem as lágrimas e que fuja o desespero de tantos porquês. Aguardar pelo novo dia que chega daqui a pouco, onde palavras poderão contar o passado, o passado pretérito perfeito que já se foi e agora é só história, mas que ainda assim esperamos… esperamos que ajude alguém. É, esperança.

“Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus” (Salmo 42:11).

“Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu” (Romanos 5:3-5).

No olho do furacão

por Luiz Henrique Matos

Furacão Katrina. Está em todos os jornais do planeta. Até o momento em que escrevo, foram contados ao menos 200 mortos, milhares de vítimas e prejuízos estimados entre 25 e 100 bilhões de dólares. Segundo fontes, 80% de Nova Orleans pode estar destruída depois de a cidade ter ficado submersa. A maior parte das áreas afetadas está sem acesso a energia elétrica, telefonia, alimentos e água potável. A população pede socorro. Balneários foram cobertos por ondas de até oito metros de altura e em alguns pontos alagados o nível da água chegou a seis metros de profundidade. Todos tentam se proteger da ameaça iminente ao entrar na rota de devastação provocada pelo furacão mais caro da história.

Furacões, por definição, são “tempestades ciclônicas com ventos muito fortes que se formam sobre os oceanos nas regiões tropicais” e podem ser classificados em graus de devastação que vão de 1 (para os mais brandos) a 5 (os mais cruéis e catastróficos). Eles são também nomeados, cada novo furacão recebe um nome que começa seqüencialmente com uma letra do alfabeto (Andrew, Bonnie, Camile, Danielle, Emily, etc.). O Katrina atingiu 5 pontos e segundo calculos, é 141º na ordem do alfabeto.

Análises meteorológicas podem prevê-los e transmitir alertas de precaução, mas não existem recursos que possam impedi-los de varrer o que estiver em seu caminho. Invariavelmente, a única solução é fugir.

Você já esteve na rota de um furacão?

É fato, não podemos negar que daqui, gozando a paz destas terras tropicais, aos vinte graus em pleno inverno, é muito provável que você e eu não tenhamos idéia do real impacto causado por uma destruição dessas. Não me refiro apenas ao prejuízo capital, causado pela perda de tantos bens, falo das necessidades humanas, das perdas pessoais, da gravidade emocional.

Afinal, sabemos, só quem está no centro de uma devastação como essa, sabe a dor e a aflição que se sente. Pelos noticiários, podemos avaliar, ponderar e nos comover com os números, índices, notícias e imagens reproduzidas pela mídia. Mas não estamos, de forma alguma, na pele daqueles que deixaram tudo o que tinham para preservar suas vidas.

Você já viu tudo o que construiu ser levado pela força de uma tempestade?

E quantos outros não foram e não são, os furacões e tempestades que assolam os homens e os povos ao longo de sua existência e caminhada? Alguns, tolos, tentam enfrenta-los, julgando-se capazes e fortes o suficiente para sair ilesos de uma força como essa.

Entenda, não importam os nomes, para cada circunstância e coração eles tem seus efeitos particulares. São os Andrew ou Avareza, Bornie ou Blasfêmia, Camile ou Ciúmes, Danielle ou Discórdia, Emily ou Egoísmo. Isso, além de todo um alfabeto de Tentações, Pecados, Opressões e Injustiças… tantos ventos fortes são capazes de nos consumir e derrubar. E não nos adianta, a qualquer um dizer que não puderam ser previstos, pois eles nascem dentro de nossos próprios instintos, como frutos de nossas decisões e atitudes (ou a falta delas). E também, aliás, não resolve pensar que entramos como presas desprevenidas em suas rotas.

“Seu trovão anuncia a tempestade que está a caminho; até o gado a pressente” (Jó 36:33).

Aconteceu, porém, afinal. E agora? Às vezes a vida entra em um desses ciclones, os sonhos pareceram frustrados, a esperança foi devastada e o coração amargo, vazio, deixado à margem da destruição. E o pior – ah como isso dói! – é saber que o primeiro sopro desse caos partiu de nossos pulmões.

Pecadores. Nessas horas, talvez só nelas, temos a oportunidade de reconstruir. Recebemos o poder de observar os vestígios desse pó e partir dele para recomeçar. Pecadores. Entendemos enfim o sentimento do arrependimento, nos quebrantamos e oramos ao único capaz de acalmar essa tempestade.

“Na sua aflição, clamaram ao Senhor, e ele os tirou da tribulação em que se encontravam. Reduziu a tempestade a uma brisa e serenou as ondas. As ondas sossegaram, eles se alegraram, e Deus os guiou ao porto almejado” (Salmo 107:28-30).

“Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!” (Mateus 13:9).

(Fontes: Folha de S. Paulo, Wikipedia.org, Associated Press, Bíblia NVI, Wahington Post, Yahoo! Brasil e Reuters).

PS.: É óbvio que, eu não poderia fazer tal analogia e descartar de forma indiferente a situação de necessidade e emergência daquelas pessoas nos Estados Unidos. São milhares de vítimas precisando de nossa ajuda e oração. E de coração, resolve muito.

Procurando a visão

por Luiz Henrique Matos

Eu revirava na cama e procurava no meu travesseiro o descanso para passar mais uma noite. Queria eu que fosse só mais uma, como outra qualquer. Mas não seria assim tão fácil, algo me incomodava profundamente e aquilo parecia estar plantado dentro de mim. E eu nem podia dizer que passaria a madrugada de olhos abertos porque era justamente um deles (peraí, qual mesmo?) que insistia em coçar, e coçar, e coçar desesperadamente.

Lavei, esfreguei, tentei enfiar o dedo indicador lá dentro para tirar o que quer que estivesse ali, fosse um cisco, fosse um tronco. Mas nada parecia resolver. Depois de um tempo insistindo em não levantar ou ceder àquele sagaz inimigo da paz humana, resolvi tentar o óbvio: fui – caolho – à caixinha de remédios, peguei o frasco de colírio e depois de molhar toda a testa e a bochecha, deixei que duas daquelas pequenas gotas inundassem aquele território.

Ah-ahh! Regozijo, paz, conforto, o alívio da pureza. Foram apenas dois breves minutos para que meu olho sentisse novamente o prazer do não sentir, se fechasse exausto (e inchado) e eu gozasse o repouso tranqüilo dum sono profundo.

Mas, ora bolas… por que razão eu não recorri ao colírio antes? Tão óbvio. Como se eu não soubesse o que estava escrito naquela bula. Logo eu, que leio até o verso da embalagem do creme de barbear (em português e español – coisas do Mercosul).

Aproveitando a circunstância, pensei depois, sobre o que falou Jesus, naquela história de apontar o cisco no olho do próximo sem reparar na trave que está no nosso (Mateus 7:3-4). E nessa hora, sinceramente, eu questiono: “Como alguém pode enxergar o cisco do outro com a vista coçando desse jeito?!”

* * *

E não é que ultimamente eu vinha reclamando muito de uma outra coceira, um cisco num olho que não é exatamente meu, mas que eu insistia em apontar e querer ver curado. Citava até, veja só, a receita de um bom remédio para aqueles que eu julgava estarem momentaneamente cegos.

Protestei, intercedi e me cerquei da certeza de que não estava sozinho nesse sentimento. São muitos os que ouvi partilharem a mesma visão de que precisamos de uma igreja mais simples, apaixonada, vivendo um relacionamento de amor verdadeiro entre irmãos e plena nos princípios do cristianismo. Uma igreja refletida em sua forma mais pura na igreja primitiva, liderada pelos primeiros discípulos de Jesus Cristo. E me achava cansado até de reclamar, saudoso de momentos outros, indignado com “aqueles” que andam a desonrar a obra do Pai.

Um sonho nobre, de fato.

Mas, foi assim, de então, senão de outro jeito do que pela própria Palavra, que aprendi a diferença e o grande buraco existente entre meu sonho e a realidade. E essa realidade não era a imagem por mim condenada, mas justamente aquela que eu mesmo julgava correta.

Clamava em favor da visão de outros quando foi, me percebi, cego. Um palmo sequer eu via e portanto, não notei também que a dita “mudança” deveria, em primeira instância, ocorrer num lugar mais íntimo: meu próprio coração.

E o tratamento necessário era simples, tão óbvio, eu não percebera: precisava de um pouco do colírio criado naquela lama cuspida em Betsaida, precisava olhar para dentro do que eu era, carecia do toque de Jesus sobre meus olhos (Marcos 8:25).

Voltei a enxergar. Percebi que o sonho era sim possível e próximo, mas ao contrário do que eu acreditava, era preciso muito menos do que uma revolução mundial. Percebi que o grande desafio a ser vencido está bem ali dentro, ficou por tempos guardado ao lado do pecado, escondido perto do já empoeirado perdão não liberado, arquivado com as memórias e fotografias amareladas daqueles primeiros dias de amor. O amor, primeiro amor, ele estava de volta!

Aí que, há poucos dias li também o texto de meu grande amigo, Sérgio Dantas, com um pensamento certeiro a respeito, dizendo: “A igreja da pós-modernidade busca encontrar-se. Ela há muito que busca uma identidade, um método de atuação, tentando copiar a cultura da igreja primitiva, esquecendo que é a essência que deve permanecer”. Na mosca.

E o que é a essência da igreja cristã senão – vai parecer óbvio de novo – o próprio Cristo? Não é também a igreja em si a morada de Deus? E não é Deus, afinal, quem habita nos homens que nele crêem? Logo, somos nós, homens, a própria igreja, habitação do Deus altíssimo.

Como posso então sonhar com uma igreja santa sem antes viver a santificação? Se quero um ambiente com irmãos como eram Pedro, Estevão, João, Paulo ou Filipe, devo antes ser eu mesmo, um conciliador, um encorajador, quem sabe um Barnabé?

Belíssimo (e oportuno) é também o testemunho de C. S. Lewis ao narrar um dos momentos de sua conversão: “Pela primeira vez examinei-me a mim mesmo com um propósito seriamente prático e ali, encontrei o que me assustou; um bestiário de luxúrias, um hospício de ameaças, um canteiro de medos, um harém de ódios mimados. Meu nome era legião” (no livro Surpreendido pela Alegria, página 230).

Se nosso compromisso com esse sonho for realmente sincero e não apenas um critica vã ou desculpa tola, saberemos que a grande obra começa e termina, exclusivamente, em nós. A grande revolução da igreja não trará divisões ou novas reformas, mas um arrependimento profundo, uma grande paixão pelas pessoas, compromisso com a Palavra de Deus e um coração quebrantado e cheio de amor pelo nosso Senhor.

Então a mudança virá e um a um, os tijolos da estrutura rígida serão removidos e não existirão barreiras na casa de Deus. O Corpo de Cristo viverá sem divisões, os homens partilharão o amor verdadeiro e serão chamados santos, porque aprenderam, afinal, que são eles mesmos a habitação do Santíssimo.

Alguém por aí tem um colírio?

O Evangelho do Desencapetamento e uma dúvida cruel

por Luiz Henrique Matos

Uma dúvida me tomou nas últimas semanas e sem ter com quem partilhar – além dos já cansados ouvidos de minha amada e paciente esposa – “arresolvi” trazê-los para esse espaço.

Pois é que, diante dos atentados que aterrorizam o mundo nos últimos anos, leio que alguns estudiosos alertam para o perigo do preconceito por parte do ocidente contra as comunidades árabes ao redor do planeta e principalmente, uma generalização de sentimentos discriminatórios para com os muçulmanos.

Sabe-se que os aderentes dessas seitas e grupos terroristas são uma parte menor no total de 1,5 bilhões de muçulmanos no mundo todo, mas que de toda forma, essa reação global defensiva atinge e dificulta a vida de outros milhares de inocentes que acabam por carregar a culpa sobre as atrocidades de outros. E nesse cenário, o que se recomenda aos líderes religiosos é que se defendam, expondo seu sentimento de repúdio aos ataques, mobilizando suas comunidades e combatendo a pregação criminosa da “jihad” (guerra santa) que motiva os atentados e tornando claro que esses criminosos não representam o verdadeiro sentimento islâmico.

Só a título de curiosidade (e ironia), Alá, a referência dos muçulmanos para Deus (inclusive os terroristas), é traduzida como “O Misericordioso”.

Outro ponto, aqui mais próximo de nosso nariz: na última semana, vivi uma alegria infantil ao ver meu time ser campeão (pela terceira vez, é importante dizer) do principal campeonato de futebol do nosso continente. Mas também tive o desgosto de saber que alguns torcedores, uns poucos diante dos milhares que vestem a camisa tricolor paulistana, agiram como vândalos e destruíram parte do patrimônio público e privado na capital paulista, saqueando lojas e entrando em confronto com a polícia. Mas, como dizer que aqueles irresponsáveis, não representam a totalidade dos entusiasmados torcedores do São Paulo Futebol Clube que sequer pensariam em “comemorar” um título com tal atitude?

Igualmente, no raciocínio (?) de que muçulmanos são terroristas e de que são-paulinos são vândalos, notamos que essa repetitiva veiculação de fatos na mídia, nos leva a outras tantas conclusões generalistas e preconceituosas, como acreditar que políticos são todos corruptos ou que moradores de favela são criminosos. Na mesma visão comum, achamos que os judeus são avarentos, negros são pobres, policiais são excessivamente violentos e os padres estão entre homossexuais e pedófilos.

Há também, já não ia me esquecendo, um sentimento comum e cada dia mais intenso, de que pastores são corruptos, manipuladores e que os cristãos são desonestos, falsários e coniventes com esse “escândalo” que se tornou a igreja protestante no Brasil.

E justamente no cenário que cabe à minha dúvida e a reflexão de meus botões, me assola e incomoda a questão de como são vistos hoje os cristãos em nosso país. Perguntando a uma meia dúzia de colegas, todos estão de acordo senão com todos, ao menos com um dos adjetivos que descrevi no parágrafo acima.

Não sem certa razão, admito, pois assisti há poucos dias um bispo-deputado declarar (com um sorriso nos lábios, também é importante dizer): “Não, a igreja não gosta de doar nada viu. A igreja gosta mais é de receber (o dinheiro)”.

E outra cena ridícula, me permita, foi a faixa pendurada diante de uma igreja em algum lugar desse país, com as seguintes e exatas palavras: “DESENCAPETAMENTO TOTAL. Se você é vítima de: olho gordo, inveja, doenças incuráveis, vícios, dívidas, miséria, solidão, é infeliz no amor, cisma que foi vítima de trabalhos feito na macumba, bruxaria, feitiçaria e nada dá certo. VENHA RECEBER A PRECE VIOLENTA e seja liberto de toda opressão”.

Me escandalizo ao pensar que toda a transformação de vida pela qual passei desde que Cristo faz parte de mim, todo aprendizado deixando por Jesus aos homens, toda construção e fundamento de nossos irmãos na Igreja Primitiva, toda santidade de caráter pregada e desejada na essência do cristianismo, ou seja, tudo o que realmente traduz a nossa fé, está escondido sob uma casca de imoralidade e perversão, que impede as pessoas de verem o verdadeiro plano de Deus por trás do título “Igreja”, que Ele mesmo chamou por “corpo de Cristo”.

Me entristeço ainda mais, por saber que essa “casca” não foi construída por outros, senão por parte da própria instituição que se denomina “Igreja de Cristo” nesses nossos dias. E atrás da instituição estão homens, como eu e você, mascarados, engravatados e devidamente intitulados “crentes”.

Me decepciono ao descobrir que há tempos minha inocência foi perdida. Lembro dos meus primeiros tempos de conversão, quando cheguei a acreditar que todo o que se dizia “cristão” partilhava e vivia as maravilhas que me surpreenderam nas Escrituras. E pensar que estranhei a expressão “primeiro amor” porque julgava que aquele sentimento aquecedor de êxtase não poderia esfriar jamais.

E volto afinal à pergunta que motivou esse pensamento: devemos nos calar? Ficaremos parados ao ver a fé pura e imaculada de Jesus Cristo sendo transvertida em sujo interesse pecaminoso?

Ouvimos muitos desses homens justificar seus atos, martelando versículos e expressões como “submissão à autoridade” e “obediência à liderança”, usando isso como forma de calar seus fiéis-financiadores (ou seriam clientes?).

Mas eles estão errados! Eles não estão pregando o evangelho de Jesus Cristo! Não estão vivendo o mandamento do amor.

Sei e confesso que o que me permeiam são dúvidas, mas sinto-me impelido a pensar que não podemos permitir que criminosos carreguem uma bandeira cristã e com isso, manchem a imagem inocente de milhares e verdadeiros fiéis.

Chego até a alimentar a dúvida de que, veja só, alguns de nós se calam diante da expansão dessas empresas pela satisfação incoerente de “ver o reino crescer” ou pelo orgulho estúpido de sonhar com “uma nação evangélica”. E pergunto ainda: Que reino? Que evangelho? O que de fato cresce nessa ocasião além do saldo bancário desses bandidos? Eles vestem a máscara do cristianismo para justificar seus atos e consequentemente, uma nação de desinformados, manipulados pelo seu discurso de “prosperidade”. Como li há alguns dias em uma charge: “Templo é dinheiro”.

Volto à minha questão: temos que denunciar ou devemos que nos calar e esperar uma “justiça cair do céu”? Vamos virar a banca dos que comercializam ofertas no templo sagrado do nosso Pai? Vamos ser sal e luz nesta terra? Vamos reclamar, como Paulo, contra os que tentam subverter a verdade cristã do amor e da graça? Ou, vamos deixar que a igreja mais uma vez seja esfriada pela mentira, pelas indulgências, pelo interesse vaidoso do homem, pela opressão diabólica?

Pessoalmente, sei que é utopia, ainda prefiro sonhar com o reino do amor e Evangelho que o Senhor Jesus pregou há dois mil anos. Esse sim, arrebanhava multidões, curava os doentes, crescia em paz e preenchia os corações dos homens com aquilo que mais lhe carecem: Deus.

O que acho – mas perdoe-me, posso estar equivocado e sendo levado pelo impulso passional de um filho comovido – é que se continuarmos nesse silêncio, anularemos o futuro do cristianismo e não só perderemos a verdadeira dignidade da Igreja, como também vestiremos a máscara e nos tornaremos coniventes com o… Evangelho do Desencapetamento e sua “prece violenta”.

Em tempo, ainda hoje, dia 18 de julho de 2005, na Inglaterra, 500 líderes religiosos muçulmanos reuniram-se para redigir um “fatwa” (ditame religioso sobre um assunto específico) condenando o suicídio, além de todo ato de violência e terrorismo. Ao que parece, mesmo eles estão mais avançados do que nós.

Ensaio sobre intercessão

por Luiz Henrique Matos

– Nunca pensei em criar minha filha assim, mas se Deus quiser, eu vou vencer.

Depois de alguns minutos, foi essa a frase que me derreteu por dentro e fez com que eu perdesse a concentração na leitura e prestasse atenção àquelas palavras tímidas e rápidas do desconhecido sentado à minha frente. Seu olhar parecia perdido em todo o movimento das pessoas e no pequeno espaço do vagão de trem, mas parecia encontrar um refúgio quando olhava para a menina de 7 ou 8 anos brincando do seu lado, alheia a tudo o que lhe acontecia e à sua preocupação desabafada. E era nessas horas que ele soltava sem querer um sorriso feliz, que parecia meio engasgado no meio de tanta preocupação.

Dos poucos e confusos instantes em que estive com Evaldo (seu nome foi a última coisa que descobri), saí pensando na lição de vida que tinha acabado de receber e no que eu poderia escrever sobre sua história. Mas aí percebi que não valia a pena lição ou texto algum, eu precisava mesmo era cumprir a promessa envergonhada que fiz àquele homem assim que ouvi as palavras que você leu no travessão do primeiro parágrafo:

– Vou orar por vocês – entenda, é uma tremenda ousadia falar um negócio desses para um estranho.

“Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações conhece a intenção do Espírito, porque o Espírito intercede pelos santos, de acordo com a vontade de Deus” (Romanos 8:26-27).

Mas existe algo um pouco inquietante nesse compromisso: será que isso realmente poderá mudar alguma coisa? O fato de eu pedir algo à Deus em favor daquele homem e sua filha poderá mudar sua preocupação e fazer com que consiga educa-la da forma “vitoriosa” como sonha? Que valor afinal pode ter a dedicação, por alguns minutos, da minha intercessão?

Honestamente, eu não sei. E imagino que ninguém realmente compreenda o quanto isso representa na esfera espiritual em seus efeitos. Mas, podemos ver os bons frutos colhidos quando oramos por um propósito, conseguimos experimentar o melhor da vida através de uma prática regular de oração. E muito, acredito, porque vemos o próprio Deus agindo dessa forma, preocupando-se com as pessoas e agindo em favor delas muito mais do que com sua satisfação pessoal.

Além disso, há um outro fato. Quando intercedemos nos tornamos também um pouco mais parecidos com o Senhor, refletindo uma porção daquilo que Ele fez por nós na cruz, no pedido pela vinda do Espírito Santo e pelo que ainda faz na eternidade quando sabemos que: “Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Romanos 8:34).

E o que é afinal o cristianismo senão o amor, sincero e simples, dedicado a Deus e ao próximo?

Me pergunto então como vou resistir à necessidade de um irmão, privilegiando meu egoísmo, quando depois da minha afirmação envergonhada, vejo Evaldo com seu sorriso preso, o carinho pela filha, seus olhos em minha direção e ouço sua resposta, ainda tímida e rápida:

– Amém… por favor, ore por nós sim.

O eterno e o passageiro

por Luiz Henrique Matos

Vi agora há pouco um senhor, daqueles bem senhorezinhos mesmo. Já idoso, andava com certa dificuldade, meio curvado, mancando, ajudado por uma bengala em uma das mãos e o casaco grosso de lã apoiado sobre o outro braço dobrado. Embaixo da boina, seu rosto tinha a pele um tanto manchada pelos anos e tanto mais enrugada pelos efeitos da gravidade. Seguíamos nós dois, na plataforma de uma estação de trem, rumo a um ponto comum: a escada de seus trinta e poucos degraus que nos levaria à rua.

Sinto uma compaixão irresistível e desconfortável por idosos que me faz ser gentil de uma forma que normalmente não o sou. Acelerei o passo, cheguei mais perto e ofereci ajuda em sua aventura: “O senhor quer ajuda?”, perguntei. Mas ele não ouviu e ficou me encarando com olhar sério, esperando que eu dissesse algo. Repeti, agora em tom mais alto: “O senhor quer ajuda? Para subir…”, disse apontando para a escada. Então ele ouviu e para minha surpresa respondeu: “Não, pode subir. Eu vou aqui, devagar”.

Subi sozinho, me sentindo apenas metade-escoteiro, vendo frustrada a minha tentativa de boa ação. Mal deu tempo de me concentrar em outra coisa e um pensamento me tomou de assalto: “Um dia eu vou ficar assim”. E aquilo me incomodou.

Incomodou-me não o desgaste natural do tempo sobre o corpo, saber que ao passar dos anos minhas orelhas ficarão mais longas, o nariz mais pontudo e as bochechas caidonas (pelo menos em mim, penso que vai ser assim). Acho até que a idade traz consigo a experiência de uma longa vida e no meu caso, trarão também as aventuras que sei que vou viver, como viajar ao redor do mundo de balão e navio, enfrentar uma viagem ao espaço com escala em algum planeta bacana da via-láctea, ou simplesmente ler histórias infantis para os meus netos sentado na varanda de um sítio.

Fiquei intrigado sim, mas foi com a certeza de que vi naquele homem a lucidez de uma vida plena, que apesar de sua mente ainda ser a mesma de outrora, seu velho corpo já não corresponde ao ritmo com que decidiu viver. Uma mente madura em um corpo passado. A briga de uma lado da vida que cresce até onde ela própria dura, contra outro que se deteriora ao longo dos anos.

E aquele mesmo assalto de raciocínio, leva também à pergunta: “O que vale mais, o passageiro ou o eterno?”.

Assim também, abruptamente, o pensamento cai noutra questão, que não mais sobre a vida terrena, mas agora sobre a eterna: “O que é importante afinal, a Corpo ou o Espírito?”.

E daí afinal, ao fato que nos confronta: todo pecado sobre o qual somos tentados, todo prazer estritamente carnal, alimenta um desejo passageiro e limitado. O corpo, com todos os seus luxos, esvai pelo ralo com o tempo e um dia voltará ao que fora antes: pó. E isso, é tempo que não volta mais, é – como diria Salomão – vaidade, é correr atrás do vento.

Mas, quanto ao espírito, alimentá-lo produz um fruto sempre maduro e saboroso. Ao dedicarmos tempo ao amadurecimento espiritual, plantamos para uma longa e duradoura ceara. Quando investimos na eternidade, colhemos a sabedoria de Deus.

Nessa batalha entre espírito e carne, de certo – como aprendi com um pastor – será mais forte o que estiver mais alimentado.

Sim, também é fato, o corpo vai ficando cansado, as costas começam a curvar, o casaco grosso com a boina já serão parte do nosso cenário e as escadas parecerão cada vez mais íngremes e desafiadoras. Mas, enquanto houver forças, enquanto o espírito for vigoroso e puder ser amadurecido, poderemos responder com serenidade aos convites fugazes que a vida nos faz: “Pode ir. Eu vou aqui, devagar”. E assim nós chegamos lá, não mais voltando ao pó, mas na glória eterna, como realmente importa.

Perucas imperiais

por Luiz Henrique Matos

“A religião está no coração, não nos joelhos” (Jerold Douglas William).

Há poucos dias li uma notícia que me deixou intrigado. Na verdade, eu já era intrigado pelo tema da história em si e as lembranças que me traziam. E por mais bizarro que pareça, acho que merece ser mencionado. Eu não sabia e talvez você também não, mas descobri a origem daquelas perucas brancas e compridas que os nobres usaram por tanto tempo no passado.

Ei-la: Aconteceu que o Rei Luís alguma-coisa-em-números-romanos (desculpe, não lembro qual foi), muito vaidoso, notou que estava ficando calvo. Ordenou então a alguns de seus súditos que lhe providenciassem uma peruca para cobrir a falha e, feito isso, passou a usa-la. Sua corte, notando a diferença e sendo então muito bajuladora, viu no visual do rei uma forma de agrada-lo e gradativamente adotou também as perucas. Com tal gesto, em pouco tempo, o ornamento era utilizado em toda a França.

Mas não bastasse, eis que passado algum tempo, uma comitiva inglesa visitou o reino francês e vendo ali que o uso da tal peruca era bastante difundido entre os nobres, importou o costume para os bretões que também o adotaram na Inglaterra.

Estupidez pura, você há de concordar. E parando muito pouco para pensar, não parece tão diferente do que acontece ainda hoje, temporada após temporada, nos desfiles das novas coleções e vitrines badaladas da moda.

Honestamente, não gasto muito do meu tempo pensando a respeito, prefiro acreditar que essa questão faz parte de nós, homens e nossas esquisitices. Também não me preocupo com os modismos de hoje ou outrora, mas preciso dizer porém, que quando esses gestos vagos e temporais transformam-se em costumes, ficamos a um pequeno passo de uma grave conseqüência na história humana: as tradições. Ou pior, as tradições sem fundamento.

A igreja é muito boa nessa (penosa) arte e ostenta ainda hoje suas “perucas francesas”. Foram costumes de determinada época ou cultura que, incorporados na doutrina de um ou outro grupo, transformaram-se em tradições religiosas que acabaram por caracterizar ainda hoje certas comunidades.

Mas o pior realmente aconteceu quando deixaram de ser apenas algumas sutis características e tornaram-se um fator crucial de exclusão no meio desses grupos.

O curioso – e triste – é que repetimos um erro que já vimos exaustivamente antes, refletido nos judeus retratados nos Evangelhos. Na ocasião, os fariseus por exemplo, acreditavam na lei transmitida oralmente, geração após geração, tanto quanto acreditavam na lei mosaica deixada nos rolos. Presos às próprias tradições, não puderam notar a transformação do mundo com a vinda do Messias que tanto esperavam (e ainda hoje esperam).

As denominações cristãs estão cheias, todas elas, de tradições e hábitos que tornam o homem cada vez mais preso às próprias leis e da mesma forma, mais distante da verdade única na plenitude de Deus.

Não cabe aqui (e nem a mim) uma exposição detalhada do que vem ou não a ser esses hábitos, quem os pratica ou como o fazem. O objetivo é, juntos, refletirmos sobre as Escrituras, o contexto dos livros, a base histórica e a realidade por trás de cada texto. E a partir disso, viver a verdade na essência do que ela representa.

Jesus veio ao mundo e durante seu ministério contextualizou sua pregação de acordo com as necessidades do povo naquela época. Os mesmos rolos que os judeus liam e veneravam ao “pé da letra”, foram interpretados por Jesus de forma que todos compreendiam – e diziam ainda que Ele falava “com autoridade”.

Outro bom exemplo são as parábolas que Ele contava. Através delas, Jesus explicava o Reino de Deus ao povo em uma linguagem simples e por meio de situações muito práticas.

Acredito que podemos (e devemos, de fato) fazer o mesmo. Ler a Bíblia para compreende-la em sua essência e significado, viver a vida que Deus pede que tenhamos, praticar o amor verdadeiro. E não nos perder em costumes e interpretações vãs ou interesseiras.

Vivemos complicações demais, o Evangelho é simples.

Existem diversos textos na Bíblia onde lemos exemplos de tradições e costumes humanos que foram quebrados por Davi, Jesus ou Paulo e poderíamos ler alguns deles aqui. Mas isso, imagino, cabe melhor na reflexão particular de cada um, tendo o coração como habitação do Espírito Santo e obtendo Sua doce revelação.

E por falar em coração, é sobre ele mesmo que poderíamos sim tratar e concluir com o princípio do que devemos dedicar tempo e manter como “santa tradição” através das gerações.

Essa tradição que afinal, poderia ser vivida e perpetuada para que um dia todos a pratiquem como algo presente em sua conduta e que, de tão comum, seja uma bela “peruca” ornamentando nosso caráter:

“Ame a Deus acima de todas as coisas e ao seu próximo como a si mesmo” (Jesus Cristo).

Um novo reino

por Luiz Henrique Matos

Relatos desse mesmo dia, em algum lugar de uma época…

Essa noite trovoou lá fora, ouvi os estrondos e as águas correntes da chuva despencando do céu. Escutei os brados da guarda marchando pelas ruas, ouvi as velhas ameaças do mal em seus movimentos, as injúrias opressoras contra um inimigo silencioso que não se podia distinguir pelo som e que chegava inesperadamente tomando as ruas com sua presença pacífica.

E dizem os poucos que viram que o que era a ordem vigente, passou de repente a mudar seu posto. As armas foram todas ao chão, os soldados mudaram de lado. E o que era escuro foi então clareando. Onde estavam as sombras houve a luz. E com o cair da noite, fez-se o dia reluzente.

Ao cantar do galo, todos se levantaram, as ruas foram cheias do perfume do café com pão fresco que saía das casas, as gotas de orvalho eram vistas sobre as plantas, o cheiro da chuva que caiu na terra ainda impregnava o ar e aos poucos os primeiros trabalhadores saíam para o trabalho.

Mas apesar da rotina aparentemente inalterada, todos sabiam da mudança. Sim, havia a certeza de que algo estava diferente. E no íntimo, sem qualquer anúncio público, souberam da presença de um novo rei que tomara o poder naquelas horas de trovões.

E foi assim, silencioso e de assalto, que nasceu o dia da grande conquista, este foi o dia em que o AMOR assentou-se em seu trono sobre a terra.

* * *

Mas ainda que incólume sobre a vida de seu povo, nas entranhas e estruturas da sociedade, grandes reformas foram implementadas. Em instantes, viu-se como nunca em toda a história, a transformação do mundo.

E esse é o dia em que a arrogância declina à humildade e toda guerra nos continentes finda em plena paz. As tempestades foram acalmadas, o frio amenizado e os que eram pobres naquelas ruas já sentem-se supridos pelo calor e sustento de seu novo rei.

Do seu trono, o amor não observa alheio, ele desce para estar entre o povo. Sua glória, afinal, é percebida e todos são tocados pela sua presença.

“Quão nobre e bom é o nosso rei!” – diz o povo em cada esquina.

O povo está alegre e há festa, com música e dança na corte. Os servos celebram não mais pela opressão de um tirano, mas agora pela liberdade extraordinária e também a certeza do que não se vê, mas sabe-se, ah como sabe-se, que está entre eles.

“Que reine eternamente o amor!” – proclamam pelas praças e em suas casas.

Nessas praças, a corrupção se exauriu e cresce a honra. O roubo desapareceu e se faz vistosa a honestidade, a miséria enfraqueceu e farta está tornando-se a prosperidade, que agora é de todos e não de apenas uns.

Nas casas, pais, mães e filhos crescem na unidade, verdade e na partilha. Prosperam como o mundo todo agora o faz. Em sua mesa há paz, em seus leitos carinho. A família é uma só. E o amor está entre eles.

Eu, de minha pequenez, junto-me a todos e me dobro diante do amor. Sinto todo o meu vazio ser preenchido e minha vida é renovada nessa fonte.

“Que rei é esse?” – perguntam-se todos – “Anda entre nós, nos traz para perto de si” – certamente em nada se parece com os que o precederam no governo.

Um rei sem erros, mágoas ou ciúmes. Um rei bondoso, puro, paciente e eterno. E que somente por si e seu povo, tudo suportou, tudo sofreu, tudo esperou para que chegasse este dia, em que os vê face a face.

E por cada alameda ou fresta deste mundo novo, o amor fez-se governante, não mais com guerras, batalhas, políticas ou negociatas obscuras. O amor não arromba, não mata, não toma. Ele conquista.

Tão próximo de cada um de nós, o vemos refletido uns nos outros, na face da alegria, da esperança, da misericórdia e na verdade.

Os jornais anunciam que foram abertas as cadeias, porque já não existem mais ladrões. Aos ventos ouve-se o novo anúncio: “Acabou a religião!”.

Foi destituída a igreja dos homens, porque agora já não há doutrina, tão pouco normas, divisões, diferenças ou denominações. As instituições deixam de existir, todos os povos vivem em comunhão e nós, homens, nos sentimos parte de uma mesma família.

Hoje todos conhecem e vivem a verdade única, afirmação de posse do novo rei, conduta de vida nesta terra que se renova e gravada para a eternidade: “O reino do amor é construído no coração do homem. E ali o nosso senhor edifica sua morada”.

E ao fundo, ouve-se a voz de um de seus filhos, o profeta. Sua declaração encontra descanso na alma de todo o povo e testifica para a eternidade:

“Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 João 4:8).

* * *

“As doze portas eram doze pérolas, cada porta feita de uma única pérola. A rua principal da cidade era de ouro puro, como vidro transparente. Não vi templo algum na cidade, pois o Senhor Deus Todo-poderoso e o Cordeiro são o seu templo. A cidade não precisa de sol nem de lua para brilharem sobre ela, pois a glória de Deus a ilumina, e o Cordeiro é a sua candeia. As nações andarão em sua luz, e os reis da terra lhe trarão a sua glória. Suas portas jamais se fecharão de dia, pois ali não haverá noite. A glória e a honra das nações lhe serão trazidas” (Apocalipse 21:26).

Teologia Rocky Balboa

por Luiz Henrique Matos

As histórias, todas as cinco de toda a série, são mais ou menos assim:

Rocky Balboa, o grande campeão de boxe, está tranqüilo em sua casa, ao lado da família, quando vê sua posição de melhor lutador do mundo questionada por algum atleta proeminente e arrogante. Rocky titubeia, entra em conflito com os próprios princípios e com a esposa, mas ele sabe, precisa aceitar o desafio, é sua honra (e sempre uma causa maior) sendo posta em prova. Então se prepara, treina, treina muito, levanta carroças, percorre a cidade, sobe uma escadaria, passa noites em claro, espreme uma bolinha de borracha e tem o apoio de sua sempre fiel equipe.

Passam-se os dias e lá pelo meio do filme, chega o momento da grande luta. As duas potências no ringue, Rocky sempre simpático, ao contrario de seu adversário hostil, ambos com aqueles roupões coloridos. O início da luta é equilibrado, mas ao longo do primeiro round nosso herói começa a apanhar. E assim seguem sucessivamente os rounds, com Rocky apanhando um gongo após o outro. Sua esposa, na primeira fila está desesperada, a torcida temerosa, a equipe permanece confiante, mas também preocupada. Rocky já não golpeia com a mesma agilidade, ele apanha muito enquanto seu inimigo parece uma muralha intransponível.

O rosto dele está deformado, aquele protetor de boca já não sustenta mais nada, o telespectador atrás da televisão aguarda ansioso por uma reviravolta. E então, perto do décimo assalto, Rocky quase cego vê uma saída. E ele se levanta para sua glória. Em poucos segundos reverte o resultado que já perdura horas. Rocky começa a reagir, acerta seus diretos, “jabs”, cruzados e incrivelmente o adversário cambaleia. E assim, em instantes mágicos, ele golpeia e derruba a muralha, que no chão ouve o juiz contar os dez segundos derradeiros até a declaração consumadora: “E o vencedor é… Roooockyyy Balbooooaaa!”

E no meio do ringue, cambaleando, cego, deformado e muito suado, Rocky é cercado pela multidão que invade o lugar, enquanto isso, cresce o som da trilha musical e ele grita o nome da esposa aos quatro cantos, até que ela chega, eles se abraçam e tudo se faz perfeito. Depois de sofrer um bocado, ele tem sua realização, mantém seu titulo, vive a sua glória. E do lado de cá da TV, um garoto admirado sonha em ser boxeador.

E melhor do que assistir ao desempenho histórico do lutador, era poder incorporar e viver o personagem. Com alguns amigos, eu via o filme, vestia alguma roupa esportiva e seguia então pela rua a correr, dar soquinhos no ar e acreditar que apesar de gordinho, eu era o próprio Garanhão Italiano ilustrado naquela tela.

Mas excluindo dessa história a minha aspiração esportiva – que definitivamente não vem ao caso – gostaria de esclarecer os sábios ensinamentos teológicos deixados por essa história nada clássica.

Dentro e fora das telas, podemos acompanhar os milhares de lutadores em nossos dias. Alguns arriscam-se nos ringues esportivos, tentando a carreira e o sucesso pela força bruta. Mas não é desses que vamos tratar. O exemplo que cabe nesse pequeno enredo diz respeito a outros tantos lutadores que estão por essa vida, dando seus socos, tomando alguns, cambaleando e sofrendo…

É a teologia da luta, cujo soar do gongo, admito, me cansa ouvir ser entoado. É a pressão de alguns sobre o povo entoando o sinal da batalha, dizendo que é necessário, passar pelo sofrimento para se obter a vitória. É a exigência de que se carregue um fardo pesado sobre as costas para no fim, só no fim, poder sentir o alivio de que essa vida valeu a pena.

A penitência, o castigo, a disciplina. Só acreditamos que o alvo de nossa busca realmente tem valor, quando para chegar a ele passamos pela tormenta da provação. E então, aí sim, somos merecedores dessa conquista. Afinal – é o que se diz –, para tudo existe um preço, não é mesmo?

Mas, permita-me a pergunta, por quê?

Pois sim, existe um preço, existe também um sacrifício e sofrimento muito altos. Mas sobre essa quantia não nos fora dada a medida. Não tivemos acesso ao valor, apenas soubemos que ele existiu. E o que muitos de nós já ouviu e talvez ainda não compreenda é que o valor já foi pago.

Há dois mil e tantos anos, esticado em uma cruz, Deus negociou a vida de seu Filho para que você e eu já não tivéssemos que pagar essa dívida.

Com sua morte e ressurreição, Jesus venceu o inimigo e nos presenteou com o cinturão da verdade única e suficiente: em Cristo fomos salvos. E a partir desse fato, sabemos que temos nele, o suprimento e vida necessários, para toda a eternidade.

Não, eu não estou ignorando as circunstâncias e dificuldades que enfrentamos ao longo de nossa jornada. Também não estou a fazer descaso das tribulações pelas quais passamos. Elas são duras, realmente. E quanto a isso fomos avisados de que passaríamos. Do que trato aqui – e disso não tenho como me ausentar – envolve algo maior: a vida inteira de cada um de nós e o destino eterno que recebemos pela graça.

Do que você precisa? Seja o que for, está em Jesus Cristo. E é nele que devemos buscar. Já não são necessárias lutas, desafios e tão pouco precisamos apanhar por dez ou onze rounds até a reviravolta de nossa conquista. Na verdade, quanto a isso, já nem precisamos lutar.

O grande desafio contra o qual lutamos está em nós mesmos e esse sim merece nosso esforço. Lutamos contra o pecado e lutamos para crer. Mas isso é pano para outra manga e não cabe nessas linhas.

Mas se é em batalhas e assaltos que você tem vivido, acreditando que tem de pagar hoje para gozar a paz vindoura, tenho então algo a lhe dizer, antes que ouça outro soar do gongo. Algo que pela força da ficção, os gritos da multidão e os apelos de Hollywood, Rocky Balboa não pôde ouvir.

Eis a boa nova: Jesus já sofreu e, na cruz, venceu a grande batalha. Você é livre. E este é um fato, basta que aceite.

Pequenos grandes heróis

por Luiz Henrique Matos

Você já reparou na imagem ou figura de um grupo de soldados? Aqueles homens armados e equipados parecem autoridades capazes para qualquer batalha. Tente lembrar também das cenas dos filmes de guerra, com batalhões marchando em direção aos campos, uma fila linear com milhares desses heróis seguindo em um bloco de poder, representando alguma nação ou um ideal – que não são necessariamente os seus.

Hoje mesmo, agora há pouco, eu vi um soldado. E apesar de estar em uma estação de trem e não no Iraque, à distância notei as mesmas características da brava autoridade heróica, do guerreiro imponente. Mas a medida que nos aproximávamos, eu podia ver seu rosto e, meu Deus, era só um garoto! Tinha seus 18 anos e a feição de 15. Dentro daquela armadura verde estava um menino. Na cabeça coberta pela boina, habitam sonhos juvenis, preocupações simplistas, o placar do jogo de ontem, a tarefa da aula de amanhã.

E pensando em garotos, eu me lembrei então de Davi. Ele próprio ainda um menino nas primeiras vezes em que aparece citado nas Escrituras. O futuro rei de Israel era franzino e simples, vivia a pastorear ovelhas e tocar sua música, em nada parecia um guerreiro. E quando então é desafiado para seu primeiro combate, é tão magro e pequeno que a armadura oferecida pelo rei é pesada demais e o impede de andar. Ele livrou-se então do peso, empunhou seu alforje e acertou uma, leia bem, apenas uma pedrada certeira na testa do gigante Golias. Assim derrubou seu oponente, e a partir daí começa a narrativa sobre como então tornou-se um guerreiro, assumiu um trono e formou um grande reino. Mas continuou poeta, homem e amigo de Deus.

Pensando também sobre amigos de Deus, lembrei-me daqueles que estiveram pessoalmente com o próprio: seus discípulos. Eles viveram e caminharam ao lado de Jesus durante o tempo em que viveu nesta terra e receberam dele a incumbência de estabelecer e difundir o Reino dos Céus. Experimentaram provações, realizaram milagres, batalharam pela fé e morreram como mártires por amor a Cristo. A iniciativa e a pregação desses heróis permanecem vivas até hoje. Mas também esses, eram pessoas comuns, com suas dúvidas transparentes, um coração dividido e famílias para sustentar. Tinham fome, medo, dores e fraquezas. Em outros tempos, anos mais tarde, a igreja romana os declarou “santos”, mas isso não mudou sua essência: em vida, foram todos homens.

Os títulos que receberam, colocaram esses homens em pedestais de honra, que os afastam da nossa realidade humana. Assim, passam a ser ícones e não mais exemplos. E talvez tenhamos nos esquecido de que livros como Reis, os Evangelhos e Atos dos Apóstolos não são ficção, mas relatos históricos reais de fatos que ocorreram há alguns séculos.

Precisamos enxergar além das máscaras para contemplar essa verdade. E a verdade é que, despidos de armaduras e mantos reais, somos todos iguais, reis e plebeus.

Lembre-se que alguém como você foi escolhido o governante de Israel. Um homem com suas mesmas dificuldades e defeitos, foi escolhido para ajudar a implantar a Igreja de Cristo neste mundo. O soldado imponente marchando para a batalha, é um garoto com as mesmas dúvidas e sonhos que lhe sondam. Você se sente capaz? Pois nenhum deles se sentia.

Nada ou ninguém é pequeno demais para ser subestimado ou tão grande que não possa ser vencido. Isso vale para coisas e para homens.

Por isso, sim, podemos vencer. Não por mérito ou capacidade, mas por um outro feito, ainda maior, heróico e esse sim, infalível… E bem, chego finalmente ao sentido fundamental e conclusivo dessa mensagem. Mas, por outra vez, gostaria de convida-lo a observar um homem. Não qualquer homem, mas o Jesus homem, o Deus menino que se perdeu da família, o Messias que pediu um pouco d’água para matar a sede, o Mestre que cochilou no barco porque teve sono, o Filho de Deus que sentou-se à mesa para comer com os amigos e o Cristo que abaixou-se para rabiscar na areia e se concentrar.

Veja que muitos dos gestos sobrenaturais de Jesus eram precedidos por atitudes comuns, banais até. E observar sua humanidade nos ajuda e enxergar o modelo de homem que devemos e podemos ser. Ele sofreu e venceu, em cada situação, para nos mostrar que sim, podemos levantar a cabeça e ver a luz no fim da escuridão. Jesus é nosso padrão de comportamento. Ele fez tudo isso para soubéssemos que é possível. Você já viu um Deus assim?

“Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim sendo, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hebreus 4:14-16).

Se, como nós, Ele veio e passou por dores e dificuldades. Assim também, como Ele, nós podemos ser vitoriosos em cada uma delas.

E meu amigo, se chegamos até aqui é porque você tem me permitido escrever-lhe. E nesse ponto, gostaria de convida-lo para uma nova leitura dos Evangelhos, permitindo que as palavras de Jesus Cristo cheguem ao seu coração como a de um homem, que deixou sua posição de Deus para ser como você, sentir como você, sofrer como você e afinal te mostrar que fez tudo isso justamente por você.

Saudades de quando…

por Luiz Henrique Matos

Estou com saudades de um tempo que talvez eu nem tenha vivido. Um tempo menos complexo, mais devagar. Um tempo onde o amor bastava. O puro e simples amor.

Eram dias em que Jesus estava entre nós. Mas não, eu não falo do primeiro século, falo de duas décadas atrás, talvez dois meses ou duas semanas até. Tenho saudades de pequenos instantes onde olhamos uns nos olhos dos outros e vemos a figura expressa do Senhor em nosso meio.

Estou sentindo falta desse amor. O amor dos dias em que somos inocentes, quando não há competições, tecnologias ou avanços. Quando a economia é indiferente, a política inexistente e a justiça desnecessária. São aqueles momentos simples, em profundo silêncio mas cheios de significado, que produzem por si só uma marca em nossa própria história, porque sentimos Deus gravando-os em nosso coração.

Existe em mim um vazio a ser ocupado por algo que não está nos significados, livros ou dicionários. Um espaço que precisa ser preenchido pela presença da essência, da amizade pura, do riso espontâneo, da lágrima compreensiva.

Tenho saudades dos irmãos que não conheço. Nem mesmo sei onde vivem, mas sei que em algum lugar desta terra, membros de minha família, filhos do meu Pai, oram por seus povos, passam por necessidade, comemoram grandes vitórias. Gostaria que eles sentissem meu abraço.

Sinto falta de orar sem pedir nada. Desejo mais a presença vibrante de pessoas apaixonadas por Jesus, não pelo que Ele pode proporcionar, pela sensação milagrosa ou “extravagante” de sua presença, mas pelo puro e simples prazer de partilhar esse milagre vivo dentro de si e declara-lo Deus.

Gostaria de viver novamente os tempos em que éramos simplesmente um Corpo, movido pela complexidade do milagre divino, mas existindo apenas pelo leve sopro do Espírito. Sem mãos tradicionais, lábios pentecostais ou pernas romanas. Éramos apenas cristãos.

Tenho saudades de Antioquia. E mais uma vez, não falo de tempo ou época, mas do sentimento que motivou aqueles homens estranhos a olharem para os discípulos de Cristo e os apelidarem “cristãos”.

Quero ter essa semelhança. Mas não sozinho. Quero ser “cristão” com o próprio Jesus, com você, com todos os que se dizem povo do bom Deus e também com os que não se dizem. Pois sinto falta de ama-los também.

E antes que me perguntem eu digo: não, não estou sendo bucólico, utópico ou sonhador. Pensando bem, sonhador sim. Estou sonhando com uma verdade que, ultimamente, mais ouço do que vejo, que mais leio do que pratico. A verdade de Jesus Cristo com sua simplicidade, paz, sua luz: o amor.

E também sinto falta desses sonhos e eu sei que não são só meus. São, em princípio, sonhos de meu Pai (e como é bom poder chama-lo assim). E o que é o homem senão um sonho realizado à semelhança do sonhador? E o que é Deus senão o próprio amor? Criação e Criador, filho e Pai, amigos.

Tenho saudades de ser amigo de Deus. Caminhar ao seu lado no entardecer, cantar com Ele as boas músicas, ouvir sua voz e seus planos, mesmo sem compreende-los e ver a transparência de um relacionamento puro. Tenho saudade profunda e um desejo ardente de viver mais e mais a presença de nosso Deus em todos nós, seu Espírito sendo semeado e seus frutos sendo colhidos, somente para sua honra.

Deus: amor simples e eterno.

Sim, eu sei e confesso, certamente estou sonhando. Mas sonho porque já vi e, em Cristo, só em Cristo, sei que isso é possível.

Amém.

A estrada da vida

por Luiz Henrique Matos

Você já errou o caminho alguma vez? Eu já, várias. Contrariando a velha regra masculina, o meu senso de direção não se sente lá muito à vontade comigo. Quem me conhece sabe, se eu aponto para uma direção indicando algum lugar, ele provavelmente fica do lado oposto. Norte, sul, leste… tanto faz, tenho convicção de que tudo está sempre à minha frente.

Acontece principalmente quando viajo de carro. Demoro três ou quatro viagens até aprender ou decorar as saídas, quilômetros, estradas e direções. O problema é que raramente vou três ou quatro vezes para um mesmo lugar e quando percebo, já é tarde, estou perdido.

E então, nessas horas, só nessas horas, resolvo prestar atenção nas placas, lamento por não ter trazido um mapa, procuro alguém para perguntar a direção correta e tento conter o desespero. E vejo, ao meu lado, minha esposa com aquela expressão nada surpresa de quem já esperava isso acontecer e imagino em suas mãos aquela plaquinha que vemos nos estádios de futebol com a frase: “Eu já sabia!”.

Mas, antes fosse apenas nas estradas. O pior é que acontece também na vida. Quantas e tantas não foram as vezes que me perdi?

Na verdade, nascemos e “aprendemos” sozinhos essa direção oposta. E nisso somos bons. Nunca perguntamos antes aos que já conhecem o caminho, não somos muito adeptos à leitura de mapas, tampouco nos dedicamos a seguir as orientações preventivas das placas e quando nos damos conta, lá estamos: perdidos.

Mas, aprendemos também que nunca é tarde demais, há sempre um retorno, existe uma saída, uma orientação que nos dirige de volta à estrada que leva a um destino acolhedor.

Na verdade, para ambos os casos, só temos uma solução: a conversão.

Está perdido? Errou o caminho? Passou do ponto? Desviou-se do plano? Então pare, concentre-se e lembre onde foi que errou. E perceba que existe um Caminho que o conduzirá novamente ao seu destino de paz.

“Você não pode impedir que um pássaro voe sobre sua cabeça, mas pode impedi-lo de fazer um ninho em cima dela” (Martinho Lutero).

Ninguém gosta de estar perdido e tenho certeza de que da mesma forma, ninguém faz isso de propósito. Mas uma vez em tal situação, a única opção é voltar ao lugar onde nos desviamos e recomeçar a viagem.

O desvio acontece quando acreditamos que somos capazes de chegar em algum lugar sozinhos. E acontecerá sempre que formos acometidos por esse ímpeto de independência. Mas existem algumas escolhas que podemos fazer e que nos ajudam a seguir a direção certa. São justamente as mesmas que rejeitamos quando insistimos em “assumir o volante”.

Uma delas é andar com pessoas que conhecem essa estrada melhor do que nós, elas poderão nos orientar sobre o Caminho. A outra, é consultar o que está registrado à respeito do trajeto, como mapas e escrituras, que vão iluminar o chão e nos conduzir sobre a Verdade. E por fim, é sempre bom seguir as orientações que recebemos ao longo do percurso, o que só aprendemos com as experiências da Vida.

O Caminho, a Verdade e a Vida, nada se compara a praticar o exercício de conhece-lo em nos detalhes e ser conduzidos para o único destino que está reservado para nós desde o princípio: a eternidade.

Que saber em que direção Ele está? Norte, sul, leste… tanto faz, tenho sempre a convicção de que está acima de mim, nos altos céus. E sei também que é estreito, por vezes espinhento, outras escuro. Mas durante a claridade, nós podemos seguir suas pegadas sobre a Terra e na escuridão vemos a sua lâmpada nos orienta.

E no seu fim, bem, no seu fim não é preciso esforço para observar a Luz que brilha radiante e nos aguarda para o dia da glória, quando iremos ao seu encontro.

“Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde vais, como podemos conhecer o caminho? Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim” (João 14:5-6).

Sobre paixões e ministérios

por Luiz Henrique Matos (reeditado e com novo final)

“Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos os dias, sim, todos os dias que foram ordenados para mim, quando ainda não havia nem um deles” (Salmo 139:6).

Davi era bom guerreiro, músico e poeta. Já Daniel era um bom administrador e governante, assim como José. Paulo pregava como poucos e também costurava tendas de couro. Pedro, João e Tiago eram bons empresários, pescadores e pregadores também. Barnabé era bom de conversa. Salomão era bom com estudos e negociações diplomáticas. Moisés tornou-se um grande líder no deserto, enquanto Josué o fora já na terra prometida.

O que seria da história humana sem esses homens? Que recheio teriam as Escrituras sem seus relatos? Pensando de forma minimalista e secular, o que seria então de Pelé se não começasse a bater bola nas várzeas das ruas de Bauru? Que rumo levaria C. S. Lewis se renegasse sua habilidade com os textos? Bach, se não se aventurasse em acordes e arranjos ou Michelangelo se nunca usasse seus traços para desenhar? O que seria da ciência sem Einstein ou da poesia sem Fernando Pessoa?

Acredito em gênios e grandes descobertas, mas acredito muito mais em talentos sendo usados com seus devidos propósitos. E assim, acredito também que cada homem e mulher vêm a este mundo com uma habilidade específica, que o torna uma pessoa mais feliz e completa. Que, vai além de um DNA e o faz ser único e marcar sua geração.

Afinal, não fomos criados à toa, certo? Tampouco somos frutos do acaso. Sabemos que Deus nos fez à sua imagem e semelhança e a cada um formou com características diferentes em sua personalidade, talentos e habilidades. E se fomos criados à semelhança de Deus, não podemos ser pessoas “incompletas”, sem rumo, vivendo apenas pelo sustento do fôlego de oxigênio.

O fato é que temos uma vocação e precisamos exerce-la, como parte dos sonhos divinos para nós. E todos, sem exceção, somos bons em alguma área. Uns cantam, outros cozinham, falam em público, ajudam pessoas, desenham, tocam instrumentos musicais, cortam e penteiam cabelos, aconselham pessoas, vendem, dirigem, medicam, elaboram fórmulas, jogam futebol, fazem cálculos… são inúmeras as áreas existentes, parte delas tornam-se profissões, atividades pessoais e algumas tantas ainda hoje, são transmitidas através das gerações.

E qual é o seu talento?

Se você sabe em que é realmente bom e sente prazer nessa atividade, eis aí o seu “ministério”. Você é bom dirigindo automóveis? Então seja o melhor motorista, dedique-se como piloto, faça o melhor e seja reconhecido por isso. Mas lembre-se em todos os momentos de que, esse melhor você faz como gesto de dedicação e adoração a Deus. É muito gratificante para o Pai poder ver seu filho exercendo a “carreira” para a qual ele o preparou.

Mas caso você ainda não tenha descoberto sua vocação, sugiro que ore a respeito e peça a Deus que o oriente. E não fique parado, comece a praticar, siga seu coração. Existem ao menos uma dúzia de coisas que você gosta de fazer. Certamente você tem sonhos e eles são sinais de sua paixão. Verifique se isso está enquadrado com os princípios cristãos nas Escrituras e caminhe confiante. Tente ver onde isso pode ser usado no Reino e mais ainda, como esse dom pode ser usado para mostrar ao seu próximo a grande e real diferença que é ter Deus habitando em seu interior, capacitando e dirigindo sua vida.

Cumprir com excelência a vontade de Deus para nós também é adoração e louvor à ele. E praticar os nossos dons, gera mais impacto neste mundo do que carregar uma máscara de religiosidade. Máscaras são falsas e isso afasta as pessoas, mas quando os outros podem ver em nós algo realmente novo e bom, sabem que estamos fazendo mais do que o normalmente possível. E essa “novidade”, sabemos, é o reflexo do caráter de Deus em nossas vidas.

E são nessas horas que percebemos que finalmente estamos fazendo valer tudo aquilo que cantamos e oramos em nossas comunidades.

Um outro conselho, não meu, mas de Paulo, o apóstolo: “E tudo quanto fizerdes, fazei-o de coração, como ao Senhor, e não aos homens, sabendo que do Senhor recebereis como recompensa a herança; servi a Cristo, o Senhor” (Colossenses 3:23-24).

Mas, você se sente velho demais? Abraão tinha 75 quando Deus lhe prometeu um filho e sua ascendência sobre todo o povo de Israel. João, o discípulo tinha cerca de 80 quando escreveu o livro de Apocalipse.

Ou, diria você que ainda é muito novo? Pois Mozart compôs seu primeiro minueto aos 6 anos de idade, quando já era considerado um prodígio pelas platéias europeias. E Jeremias, o profeta, sentia-se novo e despreparado para seu chamado, que viria a marcar todo a nação de Judá.

E foi justamente Jeremias que deixou registrado o que ouviu de Deus no momento em que duvidou de sua vocação. Permita-me compartilhar isto: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei; às nações te dei por profeta” (Jeremias 1:5). “Não digas: Eu sou um menino; porque a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto te mandar dirás. Não temas diante deles; pois eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor. Então estendeu o Senhor a mão, e tocou-me na boca; e disse-me o Senhor: Eis que ponho as minhas palavras na tua boca” (Jeremias 1:7-9).

“O que me preocupa não é o grito dos violentos. É o silêncio dos bons” (Martin Luther King).

Aos pés da cruz

por Luiz Henrique Matos

Aos pés de tua cruz eu me encontro. Vejo três delas e na do meio te observo, és Jesus Cristo, agonizando diante de meus olhos. Aí está teu corpo ferido e nu, a coroa de espinhos, a espera pré-morte e o peso de ver uma realidade que eu só ouvira em histórias.

Mal sinto a presença da multidão ao meu redor, homens e mulheres que há pouco bradavam por sua morte e agora silenciam. Centenas de olhos estáticos te contemplam, calados e temerosos pelo que há de vir. O que há de vir? Mais ao lado, tua mãe chora acompanhada de Maria Madalena e João, o discípulo que tanto amava.

Vejo tua face deformada, ouço seus murmúrios e suas preces derradeiras. Vejo o vinagre subir em uma esponja para matar tua sede. Na altura de minha vista estão os teus pés, sujos pela terra seca grudada no sangue que escorre de teu corpo. Penso por um instante que gostaria de poder lava-los.

O Senhor está cansado, as últimas horas foram difíceis.

Em teu tronco posso ver a marca dos chicotes que o açoitaram. Nos teus ombros vejo a carne viva e desgastada pela madeira da cruz que carregou. Quase vejo o dedo sarcástico de Satanás apontado em sua direção, rindo ao lado de sua corja de demônios. Mas confesso que não posso ver ou imaginar o peso maior desse sacrifício: ter em seu coração a culpa pelo meus pecados, os pecados de cada homem nessa multidão e também os de toda humanidade.

Como deve doer!

Mas eu não posso saber, eu não os senti. Nenhuma dor, nenhum castigo, nenhum peso pelo meu pecado, sequer uma pena de condenação. Jesus, só posso pensar, o quanto isso deve lhe consumir agora. Estão sobre ti os meus erros e isso já me parece imperdoável. Quanto mais não são todas, todas as culpas sobre si.

Como pode, o Senhor aí na cruz em meu lugar?

E além de tanto, além de tudo, por que ainda isso? Meu Mestre, incompreensível é olhar para ti e contemplar teus olhos entreabertos em minha direção. E te pergunto Jesus: por que me olha assim? Depois de tudo que fiz, por que me olha com amor!?

Eu jamais saberei, o quão pesada foi esta cruz que carregou. Minha cruz. E o que posso fazer agora?

Me resta, percebo, continuar olhando, gravando este momento para a eternidade e sim, eu sei que espera minha voz de arrependimento. Me deposito aos pés dessa cruz, me consagro e entrego a ti minha confissão: Jesus Cristo, eu te amo. Tu és meu Deus.

E morro contigo Jesus, para ao teu lado poder ressuscitar. E já não tenho vida Senhor, pois ela agora é tua. Aqui estou, toma-me para tua glória e faz-me um homem novo, à tua semelhança e essência.

As histórias de cada um

por Luiz Henrique Matos

Talvez, digo talvez, algum poeta diria que “o que vivemos revela o que somos”. E que por trás de cada rosto existe uma história, que cada olhar alheio revela uma alma encoberta pela máscara dessa vida, pois afinal, existe algo muito maior dentro do homem, maior até do que ele próprio, é a sua história, sua vida, sua marca.

E todos nós possuímos uma saga, partilhamos segredos, vivemos grandes emoções. Ou não. Talvez nossas aventuras rendessem um livro ou quem sabe um filme. Muitas dariam comédias, outras tantas dramas arrastados, algumas romances e raras delas seriam épicos marcantes.

Todos também temos cicatrizes, alguns no corpo, outros na alma. Algumas cobertas discretamente, outras expostas de forma horrenda. E todos igualmente amargamos grandes derrotas, mas pudemos outras vezes, erguer o rosto exibindo nossas conquistas. Somos apenas pó, uns e outros, uma pequena partícula entre seis bilhões de outras tantas no planeta. Mas cada um com um DNA diferente, com sua origem exclusiva e seus sonhos próprios.

Cada certidão esconde um passado e cada expressão revela um momento novo naquela vida. Todo mundo já se emocionou num filme, já torceu pela seleção, já tropeçou na rua diante de uma multidão. Todo mundo já brincou quando criança, já se decepcionou com os adultos, já quis voltar à infância. Todo mundo já amou, já sofreu, já sorriu e chorou. Não há um de nós que seja como o outro, mas também não somos exclusivos em nossas experiências. Por isso somos assim, “iguais mas diferentes”. E as emoções que vivemos são o sal que tempera essa rotina tão comum, são as aventuras que ocorrem durante esse processo repetitivo de “inspirar e expirar” que nos mantém vivos.

Não sei se você passa por esses momentos, mas às vezes, andando pela rua, vejo alguns rostos e naquele instante eu gostaria de saber o que se esconde por trás daquelas cortinas, como são os bastidores do espetáculo que os homens representam, quem são realmente esses personagens habitando o mundo. Sem preconceitos, desejo conhecer as aventuras daquela senhora imigrante de cabelo branco que vi no parque, os causos do caboclo na cidade grande que embarcou no trem, as pegadas de um mendigo errante que descansa sob um toldo. Queria ouvir em detalhes cada uma das epopéias, que acredito, todo homem carregue em sua idade. Todos possuem sua linhas escritas, por vezes tortas, rabiscadas, sujas, mas lá estão cada uma delas gravadas para a eternidade.

Mas gostaria de saber observar sem deixar que os meus filtros humanos me revelassem um hipócrita que cria estereótipos para cada “categoria” de gente. Queria usar os óculos divinos, que olham com amor incondicional, sem se importar com a forma, sem ser surpreendido pelos absurdos escandalosos, que sabe amar e compreender.

E quanto a eu e você? O que as pessoas pensam de nós? Será que nos acham engraçados? Soberbos? Bondosos? Chatos? Sinceramente, não gosto de saber que alguém tem uma impressão errada a meu respeito, diferente do que sou realmente. Talvez então eu deva considerar o mesmo antes de fazer um julgamento acerca de alguém…

Mas sei que apesar de minhas falhas, existe um momento em que, por milagre ou ocasião, nossas máscaras caem. E é aí que somos despidos de preconceitos e julgamentos, lavados e vestidos de “verdade”. Olhamos fundo nos olhos cansados de nosso próximo e vemos algo comum. Sondamos o interior, enxergamos a verdade e entendemos a sua história como se dentro de nós elas também fossem vividas.

E nessas horas, somente nessas horas, vemos que não estamos sós. Sentimos uma mão ser estendida, vimos que provamos o bom fruto do banquete e temos o ímpeto de dizer que entendemos, sim, nós entendemos o que se passa. Queremos ajudar, nos entregamos a uma bondade sincera, somos preenchidos de amor e só assim compreendemos que também amamos. E entendemos que esse sentimento pode estar gravado em nós, mas que amar também é uma opção.

E então, com o espirito aberto, ouvimos Deus nos sussurrar:

– Isso! Ame-os filho. Ame como a si mesmo.

Quadros tortos

por Luiz Henrique Matos

Tudo parecia perfeito. Dentro dos meus critérios foi também muito rápido, cerca de quarenta ou cinqüenta minutos. Eu havia medido cada centímetro até encontrar o centro. Então marquei com um lápis o ponto exato do local do furo, obedecendo altura e proporções adequadas. Me certifiquei de cada detalhe. Encaixei a broca na furadeira, posicionei a ferramenta na marca do lápis, cerrei os olhos e apertei o gatilho: vrrvrrrrrrrrrrmmmmm!!! O barulho era ensurdecedor, os farelos alaranjados de tijolo caíam no chão e o pouco de pó que não caía, vinha exatamente na direção de minhas narinas e eu espirrava sequencialmente.

E depois de mais dez ou quinze minutos medindo novamente a largura, acertando a profundidade, furando mais um pouco e espirrando outros tantos, consegui finalmente parafusar a base do porta-shampoos que eu queria instalar dentro do box. Agora era só encaixar o suporte de vidro, apertar a base, fazer os últimos ajustes, dar um passo vitorioso para trás e admirar minha obra: estava torto.

Torto! Depois de tanto tempo trabalhando com precisão nos furos e cálculo revisado inúmeras vezes, o porta-shampoos estava torto! Como pôde? Virado para baixo, qualquer coisa que fosse colocada sobre sua base escorregava e caia na direção do ralo. Porquê? Porquê essas coisas acontecem comigo?

E já não era a primeira, tampouco a segunda, nem mesmo a terceira vez. Quadros, torneiras, porta-chaves, tantas e tantas vezes. E com o fracasso, esvai-se a minha paciência e o um sentimento de impotência faz com que eu me sinta um sub-homem. Se não posso fazer algo tão simples, como então realizarei feitos maiores como… como… bem, a essa altura eu já nem queria mais realizar nada, queria apenas tomar meu banho e ter o shampoo bem acessível à minha frente.

Está certo, eu sei que cada pessoa foi criada com um dom e existem pontos fortes em todo mundo e coisa e tal, mas não fosse isso tão óbvio… o duro é que sempre preciso vivenciar essa realidade antes de ter plena certeza de quais são os meus possíveis dons e principalmente, quais certamente não são.

Vejo que isso é condicional, só sabemos qual é a nossa grande vocação quando passamos a exerce-la e então percebemos o quanto aquilo parece simples e prazeroso. Infelizmente, também só descobrimos quais são nossas “fraquezas” depois que somos humilhados e derrotados por elas.

Tantas coisas que me parecem tão fáceis. Vejo na televisão os vídeos de jogos de futebol e tenho a convicção de que sou capaz de acertar um passe preciso como o Ronaldinho Gaúcho, driblar como Robinho e fazer gols deslumbrantes como o Ronaldo Fenômeno. Então visto a minha camisa de futebol surrada e sigo confiante para o campo. Mas basta que alguém lance uma bola em minha direção e eu começo a suar frio, estendo a perna dura na direção da bola (crendo que aquilo pode vir a ser um chute), viro o rosto, fecho os olhos e a sinto bater no meu corpo e espirrar para um lado qualquer no gramado. Então olho para todos os lados até acha-la, corro na direção daquela coisinha redonda e forço um chute que, tenho certeza, irá direto para o gol, no ângulo, sem chances para o goleiro. Mas aí a bola faz uma curva estranha e sai pela lateral, atrás de mim!

Sou um esportista frustrado. E pensar que na infância sonhei ser um talentoso lateral direito de meu amado tricolor paulista. Só não posso dizer que também sou um pedreiro desapontado porque sinceramente nunca sonhei com essa profissão. Mas gostaria de saber cumprir com minhas “obrigações de homem” no lar. Bem, ao menos sei abrir vidros de azeitona!

Nós às vezes somos como o quadro torto na parede da sala, como o porta-shampoos mal colocado ou o prego, um simples prego, que para ser fixado demora cerca de duas horas e remove cinco centímetros de reboco à sua volta. Em certos momentos nos encontramos fora das expectativas de quem deseja e se esforça para nos colocar no lugar certo. Mas há uma diferença sutil nessa comparação: o erro está na peça (nós) e não no dedicado trabalhador por trás dela.

Deus nos faz com planos. Para cada um dos filhos que gerou ele tem grandes sonhos. Antes de nascermos nosso Pai planejou os nossos dias e vislumbrou um futuro grandioso, uma vida abundante, cheia de amor e verdade.

Não, não falo de predestinação. Falo de sonhos, sonhos de um Pai que quer ver o seu filho crescer e viver o melhor. Sonhos de um Pai que luta dia e noite para que sua criação não sofra.

E cada vez que nos desviamos desse plano com nossos pecados, rebeldias e negações, causamos no coração de Deus o suspiro triste de um lavrador que não pode saborear o fruto de seu penoso trabalho.

“Porque nisto consiste o amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados” (1 João 5:3).

Quem ama obedece, deseja agradar, busca os interesses da pessoa querida. E quando chegamos diante de nosso Pai com coração humilde, sem intenções egoístas e desejos estritamente pessoais, ele se alegra. E aí sim, estamos dentro de sua vontade: a de ter relacionamento e intimidade com seus filhos.

Ser trabalhado por Deus faz parte do plano de crescimento que ele tem para cada um de nós. Nisso se encaixam circunstâncias, vitórias, apertos e bênçãos. E durante esse crescimento, dentro de sua vontade, somos moldados pela sua mão precisa, para entrar em um espaço devidamente preparado, onde seremos expostos – sem perda de rebocos e medidas tortas – como obras-primas de sua criação.

Cá entre nós

por Luiz Henrique Matos

Ainda não se entende como ou porquê, só se sabe, aqui entre os que creram, que ele sabia. De um jeito muito simples, ele olhava e sabia. Hoje compreendemos, ele sabia porque amava. Mas, porquê amava, ninguém sabia.

De um modo direto e muito humano. Era como se aquele simples olhar consolasse toda dor, seu toque sutil tirasse todo peso, sua voz calma penetrasse os lugares mais escuros da alma. Ele sabia tudo o que pensavam e sentiam, mas isso não trazia medo a ninguém, ao contrário, era o grande consolo e a certeza de que sim, ele era o Messias.

E seu poder era transformador. Não era como o de um super-herói dos quadrinhos, que se concentra em uma pessoa e sonda o seu interior. Também não era como um robô da ficção científica que não vê carne ou sangue, somente imagens em dimensões digitais.

Sim, ele era Deus, totalmente Deus. Mas aqui, cá entre nós, ele era homem, completamente homem. Vivendo entre homens, comendo com homens, dormindo ao lado de homens. Apenas homens, bem distantes de qualquer semelhança divina.

E ele, justo ele. Que participou do nascimento do universo, céus, terra, mares e cada ser vivente de sua criação. O Deus vivo era agora um deles.

Junto ao Pai concordou quando disseram: “Façamos o homem”. E dos altos céus viu o primeiro ser criado. Mas viu também a queda desse Adão e sentiu a dor ao ver seu grande sonho ser adiado. Se dispôs então a viver entre esses homens, gerações mais tarde, na plenitude dos tempos, ao lado de toda a criação desviada de seu propósito santo.

E vivendo como eles, morreu sem pecados para poder livra-los da condenação fatal, dando aos que creram a herança da vida eterna e a graça de serem chamados filhos de Deus.

Depois de morrer, ressuscitou. Mas não para subir ao seu trono e descansar da penosa jornada, mas justamente para voltar a viver entre seu povo, não mais em carne perecível, mas em espírito, santo e divino.

E ainda hoje ele está aqui, em verdade, em espírito, em amor, em nós.

E ainda hoje, ele sabe… ah, como sabe! Ninguém entende como ou porquê, simplesmente sabe de sua presença consoladora e sente… ah, como sente! A certeza de seu toque, meu ser. A revelação de seu caráter, meu Deus.

Enquanto você dormia

por Luiz Henrique Matos

Quantas coisas não fiz enquanto você dormia? Durante seu sono profundo, o respirar tranqüilo, os sonhos vindouros que providenciei, o aconchego do descanso merecido e renovador.

Enquanto dormia me prontifiquei a trabalhar por você. Escalei querubins para lhe entreter com cânticos e música. E estive batalhando em seu favor.

Você já não precisa se preocupar, não, não é isso que quero de você. Tão pouco pretendo ver-te humilhado, sacrificando-se por coisas mínimas. Já te disse uma vez, outra repito: não fique ansioso quanto ao dia de amanhã ou o que haverá de comer ou vestir, empenhe-se em buscar o meu Reino, em primeiro lugar.

Antes de você deitar, entenda, eu ouvi cada palavra de nossa conversa, me curvei para escutar seu sussurro, sondei o mais íntimo de seu coração e olhando nos seus olhos, sei bem o que se passa nesse peito aflito. Querido, já tenho comigo todas as suas necessidades e anseios e creia, eu cuido de cada detalhe.

Filho, o que reservo para você é maior do que as coisas pequenas que você vê nessa terra. Meus sonhos, planos e intenções… nenhum olho jamais viu, nem ouvidos escutaram o que tenho preparado para você e seus irmãos. Sim, sou um Pai preocupado e esteja certo de que esse é o meu prazer.

Não sou essa figura tirana que os críticos pintam, nem me assento em um trono aguardando sacrifícios e muito menos me identifico com algo distante que você não compreenda ou sinta. Sou vivo, sou pai, sou amor, sou o que deu, em seu favor, a vida de meu filho primogênito para que então, pudesse me dirigir assim a você e você a mim, como sonhei desde o princípio.

Descanse criança, descanse. Ficarei de vigília. E quando você acordar, estarei pronto para vivermos os nossos melhores momentos. Afinal, te criei para isso: para passarmos juntos todos os dias da eternidade.

“Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem” (Salmos 127:2).

“Em paz me deito e logo adormeço, pois só tu, Senhor, me fazes viver em segurança” (Salmos 4:8).

Como uma onda

por Luiz Henrique Matos

“Tissú o quê!?” foi minha primeira reação. Então ouvi: “Tsunami, nome japonês para ondas gigantes”. E tão estranho quanto o substantivo, é a capacidade destruidora e imprevisível de sua ação. Até o momento em que escrevo essa mensagem, já são quase 150 mil mortos no sul da Ásia e doze países atingidos pelo maremoto que deixou mazelas que, segundo a ONU, demorarão de cinco a dez anos para serem restauradas. As vítimas, segundo o previsto, podem chegar a um milhão se forem considerados o número de desaparecidos e as doenças que surgem em função dos estragos.

Mas agora, a expressão japonesa não é só sinônimo de tragédia mas também de nova vida. No dia da catástrofe Namita Rai estava em sua casa na Ilha de Hut Bay. Quando perceberam o terremoto, ela e o marido Laxminarayan Rai fugiram em direção ao bosque. Namita estava grávida de oito meses. Na correria desesperada ela caiu no bosque e ali deitada, um mês antes do previsto, seu filho veio ao mundo. O pai registrou o menino três dias depois e chamaram-no de Tsunami.

É quase irônico. No dia 26 de dezembro de 2004 Tsunami nasceu no sul da Ásia.

Nada irônico, porém, são os comentários de alguns cristãos justificando a tragédia como sinal do “juízo divino” e com afirmações do tipo: “eles adoram não-sei-quantos-mil deuses, é normal que isso ocorra”. Fico me perguntando o que isso quer dizer. Será que estamos mesmo pensando que o pecado do homem despertou a ira de Deus? E falando em pecado, que diferença existe então entre a idolatria daqueles que – teoricamente – não conhecem a Jesus Cristo e a soberba dos que dizem adorar ao Senhor e agora se acham juizes dignos de condena-los?

De fato, esse não parece um gesto que Jesus teria. Talvez pensassem assim os fariseus judeus que Ele criticou por pensarem estar no centro do universo. Ou quem sabe, pensem assim os fundamentalistas cristãos que mesmo hoje, apoiam a cruzada ocidental contra países de predominância pagã. Ou até, os muçulmanos xiitas, que praticam seu conceito de “guerra santa”, que tantos de nós tememos e presenciamos.

“Misericórdia quero e não sacrifício” (Mateus 9:13).

Deus não quer nossa religiosidade, isso é discussão vã, o Pai só quer que vivamos como Jesus. E para isso, precisamos aprender que o seu Reino é baseado em amor e não em preconceito. Que está edificado sobre a Salvação e não em condenação. Em serviço e não mordomia.

Devemos ter gravado em nossos corações que a vida espiritual se faz em compaixão e não egoísmo. Em humildade e não soberba. Em generosidade e não avareza.

E por fim, compreender que o Reino do Pai está fundamentado na única razão de nossas vidas: em Cristo.

E em Cristo, sabemos que aquelas pessoas não precisam – tampouco merecem – da nossa condenação, juízo ou prepotência teológica. O povo vitimado na tragédia carece sim do nosso amor, tão forte e intenso capaz de formar outra grande e intensa onda, um Tsunami de misericórdia, justiça e paz.

É nossa missão levar o calor para quem sente o frio solitário da tragédia, o afago para a criança perdida, a providência para os que necessitam, o consolo para quem sofre a dor da perda.

Eles precisam do cristianismo que declaramos viver. Cristianismo em que fazemos votos de “amar uns aos outros como nos amamos”. E só o amor de Deus pode nos motivar a viver essa verdade.

Que nossos esforços estejam dedicados ao próximo, assim como Ele insiste. E amar é despender tempo, é partilhar o melhor, é viver em unidade. Como embaixadores do Reino, devemos usar nossas ferramentas para a honra de Deus. E “Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele” (1 João 4:16b). Nossa maior arma nessa guerra não está na acusação, mas na intercessão. Intercessão de quem ora, contribui, age…

Nesse momento, o importante é ouvir o pedido de socorro dos que clamam e lhes estender a mão. Antes que as vitimas se afoguem na água e na miséria e nós no nosso orgulho religioso e decadente.

Sites com notícias sobre a Tsunami no sul da Ásia: Folha de São Paulo (www.folha.com.br), BBC (www.bbcbrasil.com.br), Yahoo! (www.yahoo.com.br) e Google News (www.googlenews.com).

Temporal

por Luiz Henrique Matos

“A noite está quase acabando; o dia logo vem” (Romanos 13:12a).

Agora chove, tudo está escuro e trovejante, o temporal parece não ter fim. Mas, ouço no noticiário que a tempestade não acontece ao mesmo tempo em todos os lugares, tem seus focos e locais específicos. Também aprendi isso na infância. São como as chuvas de verão, vem e vão sem avisar.

Furacões, terremotos, ventanias, tribulações que parecem não ter razão, surgem de ímpeto e agonizam suas vítimas que clamam desesperadas. Mas tal como chegam, também partem. Elas passam, tudo passa.

Não pode ser dia ou noite em todos os lugares, não há simultaneamente claridade e escuridão. Não habitam juntas as trevas e a luz.

A noite se vai quando chega o dia e nasce o sol em nossas vidas. A cada manhã um dia se faz novo. “E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas” (Apocalipse 21:5a).

E assim existe o consolo de saber que para a tempestade há calmaria, para a dor há consolo e no fim da chuva a promessa presente no arco-íris.

Mais tempestades virão, eu sei. Ficaremos assustados e temeremos, pensaremos que é o fim. Então, o peito aperta, os olhos se fecham, os joelhos se dobram, o coração clama: Ó Pai, meu Pai, meu Deus, meu pão, minha luz! Guia-me em meio às trevas e faz-me ver a luz, na verdade que só há em Ti.

“Entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram. De repente, uma violenta tempestade abateu-se sobre o mar, de forma que as ondas inundavam o barco. Jesus, porém, dormia. Os discípulos foram acordá-lo, clamando: “Senhor, salva-nos! Estamos morrendo!” Ele perguntou: “Por que vocês estão com tanto medo, homens de pequena fé?” Então ele se levantou e repreendeu os ventos e o mar, e fez-se completa bonança” (Mateus 8:23-26).

A tempestade vem e a tempestade passa. E vem o conforto, até para os homens de pequena fé.

“A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram” (João 1:5). “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12).

Por que morrem os homens?

por Luiz Henrique Matos

Pessoas morrem. Vemos idosos partirem porque seu tempo enfim chegou. Ouvimos sobre os doentes nos leitos de hospitais, os acidentes casuais e rotineiros, o câncer que consome a força humana.

Alguns, enganados pela mentira, buscam motivos para a própria morte. Assim são os suicidas que põe fim à vida por razões nulas, como os terroristas e homens-bomba que entregam-se a um “deus” a fim de gozarem a recompensa de uma eternidade premiada.

Outros tantos morrem assassinados, de forma que chocam e fazem brotar grandes interrogações em nossas mentes, como os judeus vitimados no holocausto nazista, o povo perseguido pelo comunismo soviético, crianças mortas pela violência urbana, as vítimas de chacinas e homicídios ao redor do mundo, os soldados que partem para a guerra sem saber o que lhes aguarda.

Pessoas nascem. Pessoas morrem. Todos os dias.

Morrem de fome, sede, em desastres, guerras, doenças e desgraças. Tiram a própria vida. Tiram a vida dos outros. Os que matam já não se incomodam, matam por prazer, por crueldade ou por ganância. Ignoram a dor da família deixada, da imagem gravada no coração que arde de saudade.

Felizmente o cristão tem em sua existência uma certeza: a de que, em Cristo, a vida é eterna e que nossa estada nesta terra é passageira. Jesus disse ao Pai enquanto intercedia por nós, antes de partir: “Eles não são do mundo, com eu também não sou” (João 17:16). A morte, em teoria, não nos preocupa. Mas a vida, ao contrário, deveria nos deixar alertas.

O que plantamos neste mundo reflete o fruto que colheremos na eternidade. Esse é o tempo de semear o que esperamos viver na glória. E o que temos feito a respeito da vida? Deus criou o homem para ser eterno, mas também o fez livre para escolher. E um único “câncer” foi responsável pela proliferação da doença em que o mundo se encontrava antes de Jesus: o pecado.

“Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5:12). No instante em que Adão tomou aquele fruto nas mãos e comeu, nosso ancestral abria uma porta em sua vida, que traria condenação a todos os homens. Assim é o pecado, tumor maligno que nos consome.

Deus o havia alertado dizendo que morreria se comesse daquele fruto. E assim foi, Adão desobedeceu, a desobediência o levou ao pecado e o pecado à morte. Mas não a morte que vemos hoje, da carne, da matéria natural que apodrece e se acaba. A morte para Adão foi a ausência de Deus, o distanciamento da essência da Vida, a pior morte, a morte espiritual. Estar morto espiritualmente é respirar sem ter o ar, é estar vivo mas sem fôlego. É estar longe de Deus. É doloroso.

E depois disso, o Criador observou Seu povo perecer, geração após geração, distantes e perdidos na escuridão. Então, cansado de ver a criação perdida, Deus se fez carne e morreu no lugar daqueles que tanto amou.

“Pois se muitos morreram por causa da transgressão de um só, muito mais a graça de Deus, isto é, a dádiva pela graça de um só homem, Jesus Cristo, transbordou para muitos!” (Romanos 5:15).

Mas Ele, que morreu por cada um de nós, também quer que morramos para Ele. Não a morte física, nada de sacrifícios, tampouco religiões. É de outra morte que Deus fala. Ele pede que morramos voluntariamente para aquilo que, segundo Seu propósito, já não existe mais para nos condenar. Jesus quer que deixemos o pecado, a desobediência e os sofrimentos.

E mesmo sabendo que não merecemos, Ele ainda nos permite ouvir Suas promessas, que declaram: Morra para si mesmo e eu te darei a vida eterna. Tenha-me como Pai e eu te chamarei de Filho. Olhe para mim como seu Deus e eu lhe darei um novo coração, cheio da minha presença. Traga seu sofrimento a mim e eu te darei alívio. Não te criei para morrer, mas para ter vida, e vida abundante.

Jesus morreu, como homem na cruz e como Deus sacrificado. Morreu de graça, pela graça. Vitorioso. E falamos tanto disso que nos esquecemos do fim da história: que a morte não pôde vencê-Lo. E Ele ressuscitou dentre os mortos. E Ele nos fez livres para a eternidade ao Seu lado. E tendo feito isso, Ele ainda nos deixou a escolha de estar ao Seu lado na eternidade ou continuar distantes, de caminhar para a morte ou ser erguidos para a vida, uma nova vida.

Porque a morte já não prevalece. Ele morreu pelos homens.

Cartas do Theo – Faça seu pedido

por Luiz Henrique Matos e Emmanuelle Burci

Oi vô, tudo bem aí?

A mãe mandou eu enviar esse e-mail para mostrar que eu já estou escrevendo direitinho. Não é muito verdade porque depois que eu termino ela vem e corrige tudo, mas aí ela falou que era bonitinho e você vai gostar. Eu falei que não sabia o que escrever e ela falou para pôr qualquer coisa aí porque você ia achar uma graça de qualquer jeito. Eu não consegui pensar em nada e comecei a chorar, daí ela falou que tudo bem e pediu para contar como foi a viagem no feriado com a tia e o tio.

O feriado foi muito legal, viajamos para a cidade da tia que é longe pra caramba e fez um sol de rachar. Lá é diferente aqui da nossa cidade, as pessoas andam mais devagar e não ficam correndo e coçando a cabeça de nervoso que nem o pai. Não tem muito prédio, nem muito ônibus e nem fumaça. Tudo é pertinho, dá para ir de carro sem dormir no caminho e a gente pode brincar na rua sem ter um monte de adultos por perto.

A gente saiu e brincou e jogou bola e foi no sítio e tomou sorvete e tomou sorvete e tomou sorvete (é vô, três vezes) e brincamos de escolinha, onde eu aprendi para o que servem as vírgulas. Eu até queria ir nadar no clube com os primos da tia mas não deu, a tia falou que eu não parava de espirrar por causa de tanto sorvete e que se nadasse na água gelada ia ficar espirrando mais ainda e a mãe ia dar bronca e eu não ia poder nadar por um tempão.

Mas em compensação a gente tinha que ir na igreja toda noite e ficava lá cantando. Depois um homem de gravata abria um livro bem grosso (que eu achei que ele ia ler inteiro e eu ia dormir) e contava uma história para todo mundo e eles choravam e depois se abraçavam e então a gente ia embora bem tarde para comer lanche e tomar refrigerante na praça.

Por falar em comer, um dia eu tava com muita fome e o tio também. Já era hora do almoço e ele ficava enchendo a paciência da tia falando: “Vaaaai nêga, eu tô com fome!”. Daí chamaram as tias da tia, os tios da tia, os primos da tia e mais um monte de gente e falaram que a gente ia em um restaurante bem legal.

Combinaram que a gente ia em uma cantina, mas não era igual a que tem na escola, porque lá não vende salgadinho e chiclete, só massa. Mas a massa também não é aquela de brincar de fazer bonecos, é uma diferente que é de comer com garfo e faca e tem um molho daqueles vermelhos que sujam toda a camiseta.

Olha vô, eu sei que o senhor não parece adulto porque brinca com a gente que nem criança, mas vou dizer que adulto é mesmo tudo estranho (a mãe vai ler isso e vai me dar uma bronca depois). Mas parece que quanto mais gente tem, mais demora para escolher o que fazer, o que comer, onde ir… e eu e o tio só ficando com mais fome. Se fosse lá na escola a gente via quem foi que falou primeiro e aí já tava decidido.

Então, aí a gente entrou na cantina e aí eu sentei naqueles bancos super legais que são bem altos e cabem no canto da mesa. Eu fiquei do lado do tio. Puxa, como ele reclamava! O tio é bem paciente e bonzinho, mas a tia fala que tem duas coisas que deixam ele chato pra caramba: uma é ficar com fome e a outra, bem, a outra eu conto outro dia vô.

– O que vocês vão querer para beber? – perguntou uma garçonete bem legal, que me deu um pirulito na saída e ficava apertando minha bochecha.

Nessa hora foi um fuzuê só, um queria suco, outro queria refrigerante, outro pediu água e até todo mundo decidir demorou mó tempão. Eu queria um refrigerante só pra mim mas o tio falou que não podia porque ia ficar sem gás e sem gelo no copo, então eu ia beber com ele.

Rapidinho a bebida chegou, cada um pegou o seu (alguém pediu mais gelo) e a moça fez uma pergunta que parecia mais difícil ainda:

– Já escolheram a comida?

Silêncio total. Mas não por muito tempo, só até todo mundo pegar os cardápios e começar a vasculhar e falar ao mesmo tempo. Aí a moça foi embora e todo mundo ficou escolhendo, menos eu que ia ter que comer junto com o tio porque eu não agüento um prato inteiro (é grande de verdade). Depois de um tempo eles decidiram e voltaram a conversar alto enquanto o tio falava que queria comer. Ele fica chato mesmo.

Passou um tempão, eu não sei quanto porque ainda não consigo ver no relógio, mas demorou muito e a comida não chegava nunca.

Aí chegou o irmão da tia com a namorada dele e tiveram que sentar em outra mesa, de tão cheia que tava a nossa. Escolheram a bebida e a comida que queriam e já pediram tudo para a moça (uma outra, mas que também gostava de apertar minha bochecha. Acho que faz parte do serviço deles).

Só que aí, a comida dos dois chegou bem rápido e a nossa ainda não tinha vindo. Aí o tio, que já estava chato, quer dizer, super chato mesmo, começou a fazer bico e queria reclamar com um tal de Responsável que não tinha aparecido ainda (mas se viesse eu acho que ia apertar minha bochecha também). A mesa toda ficou naquele fuzuê de novo e aí chegou a moça que atendeu a gente primeiro.

– Moça, nós já chegamos há mais de uma hora e nossa comida não chega. Eles dois chegaram depois e já receberam os pratos – foi o que disse uma tia da tia, super simpática, porque se o tio falasse ele seria mal educado (enquanto isso eu comia as batatinhas dos outros dois, porque também estava com muita fome, mas eu sou legal e não reclamo tanto né?)

– Me dá só um segundo que eu vou verificar.

– Talquêi! – falaram todos ao mesmo tempo, menos o tio que estava azedo e eu com a boca cheia.

Depois de uns segundos (não foi um só) voltou uma outra mulher, sem uniforme e com cara de chefe. Era a Responsável, mas nem veio apertar minha bochecha porque se apertasse eu ia derramar toda a batatinha. Aí ela disse uma coisa que deixou todo mundo assustado:

– Olha, eu verifiquei lá atrás e não foi registrado nenhum pedido.

– Como não? Escolhemos duas lasanhas grandes, uma média, três filés à parmeggiana, um nhoque e blá blá blá!

– Mas vocês pediram?

Fizeram o terceiro sururu daquela tarde (é o mesmo que fuzuê vô, mas eu quis falar diferente) e perceberam, sei lá como, que tinham demorado tanto para decidir os pratos que aí a moça foi embora e acabou que ninguém pediu nada. Ficaram só na vontade. Aí fizeram uma baita cara de sem graça, igual a minha quando a mãe me vê fazendo coisa errada, e junto com isso uma outra cara, de muita fome. E o tio tava quase desmaiando em cima de mim.

Que gente estranha né vô? Queriam comida, precisavam comer, mas ficavam reclamando e reclamando ao invés de pedir. Parecia uma história que o homem de gravata contou lá na igreja um dia. Ele falou que um amigo de Jesus deu uma bronca em uns outros amigos dele.

Eu soube que Jesus fazia um monte de coisas legais e boas (muito massa mesmo vô, vou falar dele lá na escola pro pessoal), só que esse amigo dele estava achando estranho porque todos de uma certa igreja lá, sabiam que Jesus podia ajudar em tudo o que eles precisassem, mas o povo só reclamava e contava pra todo mundo, mas para Jesus mesmo, que ia resolver, ninguém pedia nada e quando pedia, fazia tudo errado, pedindo coisa que não prestava.

O cara da gravata leu no livro bem grande uma carta (não vô, ainda não tinha e-mail) que o amigo de Jesus que chamava Tiago escreveu: “Vocês cobiçam e não alcançam; matam e invejam, mas não conseguem obter o que desejam. Vocês vivem a lutar e a fazer guerras. Não têm, porque não pedem. Quando pedem, não recebem, pois pedem por motivos errados, para gastar em seus prazeres”. Eu demorei para entender essas palavras de gente culta, mas também né, o cara era amigo de Deus!

O pastor (nome do cara da gravata… é, pastor, igual a raça do Micci, meu cachorro), falava de oração e disse que isso é a nossa conversa com Jesus, quando contamos tudo para nosso melhor amigo, mais amigo até do que o Fausto lá do 1º B. No fim da reunião na igreja, o pastor, que também apertou minha bochecha, me disse que Jesus até tinha uns amigos da minha idade (massa!).

Eu aprendi que eu tenho que pedir as coisas pra Ele (com êzão assim). Acho que vou pedir para que o tio não fique mais tão bicudo quando tem fome e quando passar por aquela outra coisa que deixa ele irritado, que é… é… xi, agora esqueci.

Vô, agora eu vou parar de escrever e mandar logo o e-mail porque a mãe tá falando que eu aprendi a digitar no teclado e fico enrolando e não paro mais de falar, ops, teclar e quase não durmo (dói menos a mão, acho que vou levar um desse aqui para a escola. Me dá um de aniversário?).

Fique com Jesus e um beijo na careca.

Do seu neto, Theo M.

PS. Ah, anotei uma coisa que o homem da gravata falou. Foi um outro amigo de Jesus que escreveu para os camaradas dele. Achei bem legal para usar quando for fazer oração ou quando for no restaurante de novo e tiver que pedir comida. Olha aí:

“Mas se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo pacientemente. Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações conhece a intenção do Espírito, porque o Espírito intercede pelos santos, de acordo com a vontade de Deus” (Romanos 8:25-27). He he he (isso é risada vô) esse Deus é legal!

(*Obrigado à Manú, minha esposa, que me lembrou desse “causo”)

Firme certeza – a fé que liberta

por Luiz Henrique Matos

Olhei para aquele guindaste montado na areia da praia. Sozinho, era noite, por volta das dez. Me dirigi ao balcão de informações e perguntei:

– Quanto é?

– Quinze real – informou o rapaz

Pensei por algum tempo, não muito, apenas os segundos suficientes para enfiar a mão no bolso da bermuda e pagar minha inscrição. Depois andei até o final da fila, que ficava toda sentada olhando para o alto, me ajeitei na cadeira, respirei fundo e pensei eufórico: Caramba, eu vou saltar de bungee jump!

Depois de uma hora e tantos, subíamos eu e minha coragem pela plataforma do guindaste. Momentos antes eu vira um bêbado saltar todo torto pendurado naquele elástico. Agora era minha vez. A medida que o elevador subia, na mesma proporção iam ao máximo a minha adrenalina e o frio na barriga. Já no alto, dois homens encaixam um equipamento na minha cintura, eu olho para o céu, amarram meus pés, eu vejo o balneário inteiro, me suspendem no ar, eu clamo a Deus, me soltam, eu berro:

– Jeroonimoooooo!

Caio em queda livre por alguns segundos e pipoco no elástico por outros tantos, tudo gira, o frio na barriga já congela o corpo inteiro e inacreditavelmente um sorriso me toma a face de orelha a orelha, sou um bobo. Mas eu consegui. Consegui e estava vivo. Abri os braços e me entreguei, sentindo o vento me tocar e alguma reação da física me balançar naquele pêndulo. Sozinho. Ninguém para me julgar, ninguém também para me elogiar. Nenhum amigo em volta para ver meu feito, ninguém para eu poder mostrar minha coragem, masculinidade viril, minha fé… Calcei meu chinelo e fui para casa dormir.

Nesse tempo eu pensava que “fé” era só uma expressão monossilábica. Tinha meus 16 anos e achava que Jesus era um cabeludo loiro que parecia bastante com aqueles surfistas que eu via nas revistas. E igreja era onde eu ia com meu pai quando pequeno só para poder passar na padaria após a missa e comprar doces.

Anos depois, precisamente hoje, eu gostaria de saber onde foi parar essa minha fé. Não a fé espiritual, da certeza no Deus vivo e da salvação em Cristo. Mas a “fé” crua e corajosa em agir sem pensar nas conseqüências do gesto, sabendo simplesmente que a vida estava do outro lado da corda, ou melhor, lá embaixo, no fim dela, que me sacudia na ponta do elástico. A certeza infantil em mergulhar na parte funda da piscina e confiar que meu pai estaria ali para me resgatar com seu braço forte. A adolescência inconseqüente ao descer sobre meu skate pela ladeira mais alta do bairro sem imaginar o que me aguardava lá no fim: um asfalto cortante como lixa que me consumia os cotovelos e o estoque de ataduras ou a glória da vitória sobre aquela tábua com quatro rodas.

Eu queria saber em que momento ela se foi. Não que eu a tenha apagado de minhas intenções, ainda faço planos – firmemente rejeitados pela minha esposa – de pular de pára-quedas, descer o rio sentando em um bote, mergulhar em águas cristalinas no Pantanal, velejar em alto mar e de estar pendurado em uma corda na boca da caverna.

Mas percebo triste que a fé que eu tinha nesse nada não se repete na minha certeza sobre as promessas de Deus. E me pergunto: Porquê? Porquê sou tão incrédulo? Porquê simplesmente não confio e me lanço na profundidade desse espaço, no porto seguro de meu Criador? Porquê, afinal de contas, teimo em achar que os meus braços são mais fortes que o de Deus e que Ele, soberano, pode não ser tão pontual quanto eu quero?

O profeta Jeremias falou: “Assim diz o Senhor: Maldito o varão que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!” (Jeremias 17:5). Quem sou eu para dizer o contrário? Quem sou eu para não fazer disso a minha oração?

Quero poder confiar, não nas alturas, nas grandezas ou na precisão de um elástico radical, mas voltar meus olhos para um pequeno ponto, um minúsculo grão, uma semente de mostarda (Mateus 17:20) e através dele depositar minha esperança em Jesus. A esperança das coisas que não se podem ver, mas através das quais todo o visível foi criado (Hebreus 11:1-3).

O pequeno grão que é plantado em meu coração e cresce, e cresce, e cresce, me levando a voar tão alto como águia. E a medida que essa certeza me eleva em fé, na mesma proporção vai ao máximo a minha alegria e o frio na barriga continua. Lá em cima, o Filho do homem me guarda em Suas mãos, eu olho para o céu, firma meus pés na Rocha, eu vejo meu futuro inteiro, me suspende no sopro da vida, eu louvo a Deus, me solta para a eternidade, eu confesso livre:

– Eu creio Senhor, eu creio! Glória a Deus nas alturas.

“Mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças; subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; andarão, e não se fatigarão” (Isaías 40:31).

Quantos pães?

por Luiz Henrique Matos

– Trinta moedas de prata!

– Trinta? É muito pouco, quero mais.

– Bah! Não me faça perder tempo, Iscariotes, são trinta moedas que te ofereço, nada mais! Não entendo essa sua incerteza, se o tal Jesus é mesmo o Cristo que você segue há tempos, capaz de “salvar o mundo e nos libertar do mal” – esnobou com ironia – porque afinal o receio em aceitar minha oferta? Só vai lucrar com isso.

– Bem, na verdade eu seguia um salvador que viria nos libertar dos romanos e fazer nosso povo livre, mas ele só fala em perdão, amor, salvação, tudo uma grande bobagem. Certos estão os rebeldes, precisamos lutar! Só que ao mesmo tempo, ele fez tantos milagres…

– Milagres! Milagres! Parece doença, esse povo só sabe falar disso agora. Quanta blasfêmia! Imagine, um carpinteiro galileu se dizer o Messias!

– Todo o povo crê. Os outros onze também. Eu só cuido das finanças…

– Não vou perder meu tempo com você, traidor imundo! Quer ou não a prata?

– Tudo bem, eu aceito – disse após olhar para baixo sondando os próprios pés, coçar a cabeça acima da nuca, pensar por alguns instantes e se entregar constrangido.

– Hahahahah – gargalhou sarcasticamente sacerdote – idiota, fez um bom negócio. Agora suma daqui. Logo meus homens o acompanharão para caçar o criminoso.

Trinta moedas de prata. Hoje isso equivaleria a três meses de salário de um trabalhador médio, algo na faixa dos dois mil reais. O que se compra, ou melhor, o que se vende por esse valor? Lembro-me de um conhecido, ex-padeiro, que costumava calcular o dinheiro que ganhava no trabalho baseando-se na quantidade de pãezinhos que era possível comprar ou vender com o tal valor. Tomando sua matemática como parâmetro, as trinta moedas de prata seriam suficientes para se vender oito mil pães.

– Ei! Sabe mesmo onde está nos levando? – perguntou intrigado o guarda ao discípulo que caminhava ofegante.

– Sim, eu sei. Estivemos juntos hoje. É por aqui, no alto daquele monte. Ele foi até lá para orar.

– A essa hora da noite… é bom ficarmos atentos. Esse traidor pode estar nos levando para uma emboscada.

– Já o vejo, ali está. Junto com mais três – disse ignorando a opinião do soldado.

– Vamos nos aproximar. Aponta-nos quem é o Jesus e nós o prenderemos.

Ele se aproximou. Ao que o Mestre observava, junto de Pedro, João e Tiago intrigados. Caminhou na direção de Cristo e beijou-lhe a face.

– Salve, Mestre!

– Judas, com um beijo você está traindo o Filho do homem? – Judas nada disse e afastou-se cabisbaixo.

– Prendam-no! – gritou o chefe dos guardas enquanto avançava como um cão na direção do Deus vivo.

Hoje, com as trinta moedas, meu amigo venderia milhares de pães em seu comércio. Judas, com a mesma quantia vendeu um só, o Pão da Vida. Mas no dia seguinte, ao contrário dos últimos três anos, não houve Pão na manhã do Iscariotes. Houve sim um vazio amargo, houve fome e ausência da única coisa que de alguma forma o alimentava. Houve remorso. Remorso que o fez notar a estupidez de seu gesto e correr, ainda ofegante, ao templo para falar com os líderes que o pagaram.

– O que quer? – perguntou o principal ao vê-lo se aproximando.

– Parem essa barbárie, estão o machucando.

– Do que está falando traidor?

– Pequei, pois traí sangue inocente.

Suas palavras, ditas àqueles homens determinados, soaram como ironia.

– Que nos importa? – disseram – a responsabilidade é sua.

– Mas não…

– Saia!

– Não podem mata-lo!

– Saia daqui, já lhe disse!

Então, Judas pegou o dinheiro que recebeu e lançou contra o templo e os que estavam ali. E fugiu. Serpenteou angustiado pelas vielas e ruas estreitas de Jerusalém, sentia-se preso aos sentimentos que, como fogo, ardiam em seu peito e atordoado pelas acusações que, como estaca, os demônios fincavam em sua mente. Em sua batalha pessoal podia ouvir a voz de seu Mestre ecoando nas pregações, ao longo daqueles três anos juntos.

– Arrependam-se, pois o reino dos céus está próximo – lembrava as palavras do profeta João Batista que pouco antes sinalizava a vinda do Messias.

– Arrependam-se, pois o reino dos céus está próximo – era então o próprio Messias iniciando Seu ministério.

– Segue-me – ouviu pessoalmente o seu chamado.

– Tenha bom ânimo, filho; os seus pecados estão perdoados – disse Cristo a um paralítico antes de cura-lo e a tantos outros quanto vinham a Ele.

– Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento.

– Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso.

– Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim.

– Nem eu tão pouco te condeno. Agora vá e abandone a sua vida de pecado.

E assim Judas conhecia cada mensagem, ouviu de perto, seguiu ao lado daquEle que traiu e que, de forma irônica, naquele instante era o único capaz de livra-lo do mal que o assolava. A lembrança recente vinha-lhe à memória.

– Digo-lhes que certamente um de vocês me trairá.

– Senhor, sou eu? – ele perguntou, já pensando em seu gesto.

– Tu o disses – e dessa hora em diante viu sua vida pacata transformando.

– Agora é tarde, ele já está sendo julgado – dizia Judas para si mesmo enquanto corria – porque não compreendi tudo isso antes? Me lembro dessas palavras, me lembro de sua mensagem. Eu sei, sabia desde a ceia, seria eu o traidor. Mas e agora, onde está a resposta que me foge diante desse tormento insuportável? Onde está minha luz?

Era tarde para corrigir seu gesto inconseqüente, mas não para obedecer ao mandamento. Viu Jesus proclamar arrependimento e conceder o perdão por tantas vezes ao tipo mais imundo de gente, que se entregavam a Ele todos os dias, mas esqueceu-se de que ele mesmo precisava se entregar. Então lembrou, sentia-se sujo. E degladiava com os demônios que, sedentos, lançavam-se contra sua vida.

Esfregava a face procurando enxergar o que deveria estar tão nítido. Estava cego, não viu a clareira que brilhou em sua escuridão. A vista lhe ficava turva, a Verdade cada vez mais distante. O medo tomou-lhe de ímpeto, a angústia, a dor, o frio. Seu mundo agora era de trevas, seu destino desviou-se do propósito, Judas tinha uma chance, mas só encontrou uma mentira. “E, saindo, foi e enforcou-se”.

* * *

Judas conheceu a pessoa de Jesus, mas não vislumbrou o Deus que havia n’Ele. Esteve com o Pão que vendeu, mas não provou de Seu sustento. Viu Jesus multiplicar os cinco pãezinhos do garoto em tantos quantos suas moedas de prata não poderiam comprar. Vendeu-se por tão pouco. Ainda na última noite, antes da traição, partilhou com Cristo e os outros onze um outro pão, na ceia, símbolo eterno de Seu corpo que seria dado em sacrifício dali a pouco.

Ele conhecia bem suas opções. As duas únicas dadas a todo homem que peca: a vida ou a morte. Podia arrepender-se, pedir perdão ao seu Senhor e viver a eternidade livre de seu erro. Mas também podia achar seu erro grande demais, pensar que para ele não haveria salvação, entregar-se à mentira diabólica e ser consumido pela morte.

Judas Iscariotes trilhou pelo segundo caminho. Escolheu a morte e não aprendeu que em Cristo o arrependimento por si só não é suficiente, é necessária a confissão.

E como foi dado a Judas em conseqüência do pecado, diante dos filhos de Deus também estão dois caminhos, apenas dois, que o Senhor de toda forma tentou ensinar-lhe antes que fosse tarde.

Para Judas foi tarde demais, mas para os outros, bem, aos outros resta a opção.

“Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram” (Marcos 7:13-14).

O hospital dos sãos

por Luiz Henrique Matos

“Somos pela religião contra as religiões” (Victor Hugo).

Conto-lhes, por uma vez essa história, que aconteceu em certo ano aqui na capital, onde fora fundado o Hospital dos Sãos. A monumental obra tivera seu início anunciado e em apenas seis meses erguera-se como a construção imponente, que deixava admirado todo o povo do local.

Para a cidade vieram, segundo fontes, os médicos mais bem estabelecidos da nação, diplomados com honras e proprietários de tamanha autoridade em suas teorias clínicas.

Foi então fundada a clinica, famosa por seu corpo médico excelente e deveras por seu propósito singular e inovador: o Hospital dos Sãos empenhava-se em atender apenas os cidadãos de saúde indiscutivelmente impecável.

Ali, eram atendidos aqueles que não careciam de tratamento e gozavam de saúde intacta. Nada de enfermos, coxos, deficientes ou indivíduos carentes, a clinica existia para hospedar os que não possuíam registros em outros estabelecimentos concorrentes e para louvar os Sãos.

Os médicos, igualmente perfeitos, foram treinados e capacitados a doutrinar seus clientes sob a penosa Lei, que condenaria os doentes desobedientes e engrandeceria de forma ímpar os saudáveis “eleitos”. Dizem até, pela surdina, alguns que lá estiveram, que os doutores recitavam a “glória” a seus pacientes em doses clinicas na medida de seu vigor.

Julgando-se a circunstância, um contumaz cumpridor de hábitos saudáveis, mediante a Lei, poderia chegar ao ponto de ser gratificado com um diagnóstico instantâneo e – segundo bula – com a posologia devida. A título de exemplo, seguem aqui algumas: cinco aplicações de Tapi-Nhas NasCostas a serem dadas em uma única vez, um frasco ao dia de Vai Dad, três cartelas de Alti-wez para os mais confiantes e um tubo de creme facial de nome Péh Roba, espalhado pelo rosto antes e após circunstâncias de pressão altíssima.

Os sãos eram celebrados, surgiam como bonecas plastificadas nas colunas sociais do jornal local, patrocinado pelo oculto e discreto proprietário do hospital, que na boca do povo era conhecido vulgar e popularmente pelo trocadilho de “o homem que compra a são-tidade”. Estavam, pois, brincando de deuses e celebrando a si próprios.

Aconteceu que naquela cidade, ainda pouco populosa apesar de tratar-se da capital, todos os cidadãos achavam-se sãos e imunes de toda e qualquer deficiência, logo, dignos do prontuário máximo do aclamado estabelecimento.

Ao que para surpresa de todos, dia a dia os médicos passaram a rejeitar pacientes sob o grave diagnóstico de que sofriam eles, vejam só, de doenças mortais!

E de fato, sabe-se hoje, sofriam. E sofriam delas também os próprios médicos que… bem, nisso falarei mais adiante.

O alvoroço foi tamanho por conta dos pareceres que os “sábios” doutores isolaram-se em suas Leis e consultórios e renegaram os cidadãos, condenando-os ao vazio fatal.

Não fosse isso, o pior. Ouriçado com a boa notícia da fundação do Hospital dos Sãos, meses antes o prefeito decretou que fossem fechadas todas as clinicas que atendiam e recebiam enfermos. Afinal, deveriam prevalecer na cidade apenas os eleitos, segundo sua ordem.

Mas todos estavam tomados pelo desespero e crentes de que, segundo a Lei, morreriam de fato.

E assim viveram muitas gerações. Tantos morreram crendo em seu penoso fim, enquanto outros tantos, descendentes dos médicos, possuíram ano após ano o Hospital e suas imediações, chegando a comercializar a “verdade” de sua Lei, deturpando a própria insanidade.

* * *

Apareceu então, certa feita, um forasteiro. Homem simples e humilde, cabelos longos e barba na face. Túnica impecável e sandálias. Rapaz moço, de fala mansa, sorriso largo e grande carisma. Vinha de uma província não muito distante e sabia-se pelos mensageiros, tinha como capacidade nova o conhecimento da Lei dos Sãos e a ensinava abertamente a todos.

Da Galiléia, d’onde vinha, sabia-se que era carpinteiro. Em seu discurso, palavras fáceis acerca daquilo que tanto sofriam os cidadãos e seus descendentes desde a fundação daquela doutrina, convenhamos, insana.

Não bastasse, sabia-se que o tal carpinteiro, acompanhado de doze amigos, vinha a realizar proezas e milagres pelas terras que seguia, inclusive, pasme, curando enfermos!

Souberam então os médicos da presença do vil invasor. Providenciaram que dentre os seus, alguns fossem observa-lo a fim de avaliar, compreender e disseminar qual afinal era sua enfermidade. Feito tal, pensavam, seria prático o plano de denunciar aos ventos a sua invalidez e condena-lo ao fim mortal, tão comum ao povo reles.

Porém, pobres, investigaram e não acharam nele mal algum. Não havia falha, tampouco doença ou descumprimento da Lei. Tão sábio, tão simples, tão perspicaz… tão perigoso!

Porque não estava então entre os doutores? É de se perguntar. Mas não, ele não poderia. Certamente não estava entre estes o seu convívio, nem para os quais viera de tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. Ao contrário disso, caminhava ao lado dos doentes, das prostitutas e dos pobres. Como podia? Aos olhos de seus algozes, deveria ele estar contaminado pelo vírus daquele povo imundo.

Contam os livrinhos que a partir de um dia, passou a defrontar-se com os “doutores da Lei” e a eles expôs sua Verdade. Afinal, dizia, ele era o único caminho, era ele próprio a verdade e também a vida, por meio da qual viria a salvação daquele povo que por anos viveu sob condenação escrava. Na ocasião, imagine só, chamou aos doutores de hipócritas e os colocou na condição de doentes.

Entrou o forasteiro no Hospital dos Sãos e derrubou as mesas de comércio que tomavam aquele lugar. Expulsou dali os que desonraram a pura e real cura e declarou indignado a quem verdadeiramente pertencia aquele local, usado de forma horrível por tantos e tantos anos, um Pai Criador, chamado por ele mesmo dessa forma.

Mas o antigo, misterioso e nesse momento suposto proprietário da clínica continuara ali nos arredores, oprimindo e acusando o povo, colocando seu corpo de profissionais a trabalho da Lei humana e dirigidos em um propósito único e momentâneo: eliminar aquele forasteiro ameaçador.

E o galileu simpático afirmou a todos quantos desejassem ouvir, que seria ele o ponto final na condenação mortal de todos os homens. E revelou o fato de que os doutores, sim, sofriam eles do mesmo mal ao qual condenaram tantos à morte, sendo também portadores do vírus letal, chamado pelo nome verdadeiro: Pecado. E o pecado, impregnado em todo o povo, deveria ser removido.

Durante os três anos de suas idas e vindas pelas bandas da capital, armou-se entre os doutores a tocaia para sua prisão. Eles, como feras famintas e cegas, ansiavam pela morte daquele que julgavam ser blasfemo e enganador, sem saber explicar como lhe era possível tanto conhecimento e poder.

Ao mesmo tempo, crescia de forma incontrolável a sua fama e proporcionalmente a multidão que o seguia. Tantos cegos agora vendo, aleijados andando, surdos ouvindo, leprosos limpos, mortos ressurretos, endemoniados libertos, poder emanando de suas vestes e agindo por meio daquele homem, Filho do homem, são e santo, que amava e curava pecadores.

Já não havia condenação. Eram por meio dele de fato, como o próprio dizia, “feitas novas todas as coisas”.

E por hora, chegamos aqui ao ponto conclusivo dessa narrativa, quando ao fim dos dias, sabe-se que com 33 anos de idade o galileu chamado Jesus reuniu-se com seus discípulos pela vez derradeira e insistiu outro instante na estranha idéia de que morreria em breve. Fato este, sabe-se, incompreensível a qualquer um que o tinha como Messias.

E foi entregue nessa mesma noite, ali na capital, levado pelos braços pesados dos guardas, conduzido à presença dos doutores da Lei, que lambendo o veneno que lhes escorria pelos lábios, mentiram a respeito da vida santa de seu condenado, provando dessa forma, quem eram os pecadores afinal.

Sem doenças, sem pecado, sem máculas, assim estava diante de todos, doutores e povos reunidos, todos sabendo e vendo sua pureza, mas fizeram juntos o coro da falsidade doentia e pecaminosa bradando por sua morte: Crucifica-o!

Morreu na cruz o misericordioso galileu.

Três dias depois, ouviu-se outro alvoroço dentre o povo. Seus seguidores, aqueles doze, o viram novamente. Jesus havia ressuscitado e trazia consigo uma surpresa maravilhosa: com ele, na cruz, morreram todos os pecados e doenças da humanidade e na sua ressurreição, estabelecia-se a prova grandiosa de que era findo o período da morte e vivo, eternamente vivo, todo homem que cresse em seu propósito.

Ressurreição essa que salvou todos os homens, inclusive os médicos doentes que compreenderam seu erro e arrependeram-se. O Cristo, médico dos médicos, enquanto vivo fez perpetuar sua mensagem de cura para os enfermos, receitando dois remédios, de dose diária e perene aos que o reconhecem ainda hoje como seu Senhor redentor: arrependimento e santificação.

Disse um profeta a seu respeito, quatrocentos anos antes de seu nascimento: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças” (Isaías 53:4).

E de forma curiosa viu-se crescer depois disso o grande número de condenados que, crendo em suas palavras, viram-se curados de suas enfermidades. E de certo modo, os que se diziam sãos, foram encontrados perdidos e expostos com suas doenças. O misterioso dono do hospital, agora conhecido pelo seu verdadeiro nome – Satanás – foi revelado como o incompetente perseguidor do Cristo, ao ser derrotado por seu poder e santidade na morte da cruz e na boa nova da ressurreição de Jesus dentre os mortos.

Enfim, lembra-se hoje também, de outros escritos registrados nos livrinhos, que revelam algumas das palavras ditas pelos lábios do próprio Salvador e que nos provam – como se ainda fosse necessário – sua ação por entre aquele povo:

“Os sãos não necessitam de médico, mas, sim, os doentes. Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores” (Marcos 2:17). “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso” (Mateus 11:26). “Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10:45).

Um instante

por Luiz Henrique Matos

Ele abaixou a cabeça e retirou-se angustiado. Seus olhos marejaram, a garganta travou e seu peito doía incessantemente. Então se isolou, entregou-se e chorou. Percebeu o que havia feito, que grande bobagem! Como era possível?

Há poucas horas suas palavras eram outras, sua firmeza surpreendia, sua fé impressionava. Era uma rocha! Mas agora, era a escória dos homens, um pecador imundo, em nada o santo ou escolhido dentre tantos.

As lembranças dos últimos meses lhe vinham à memória. As grandes aventuras, as experiências de uma nova vida, pescador de homens.

Eram muito nítidos aqueles três anos. Surgira entre eles mais do que um relacionamento disciplinar de mestre para servo, tornaram-se amigos íntimos. Partilhou suas dificuldades, foi franco com suas dúvidas e sentimentos – por vezes até controversos. Foi fraco, foi homem, foi filho e foi irmão.

Viajaram juntos, percorreram toda a Galiléia e a Judéia. Dormiram no deserto, andaram milhas e milhas, comeram da mesma panela, partilharam o mesmo pão.

Em todos os momentos a fidelidade, o amor, o respeito, o serviço. A cada dia um aprendizado e uma experiência nova com o próprio Deus, em carne, osso e… barba.

Estava ali, ao seu lado, o Deus homem que se emociona, que chora, dá bronca, sorri e brinca. O Deus que perdoa satisfeito, cura enfermos, multiplica pães, fala às multidões e depois dorme exausto em seu barco sob a tempestade assustadora. Deus que nasceu menino, frágil e puro. E assim permaneceu.

Agora ele via o Deus vivo quase morto, sem carne, sem sangue e desfigurado. Cuspido, chutado e esmurrado, prestes a ser imolado como um Cordeiro, sem máculas, em seu lugar.

E todas as lembranças correm-lhe a mente num instante, como um filme, e acabam finalmente ali, ao vê-Lo acorrentado, sendo levado pelos guardas a pontapés e socos.

Segundos antes dessa lembrança, seus olhos haviam se cruzado pela última vez e tudo fez um sentido assustador. Ele sentiu-se consumido pelo amor de seu amigo fiel e seu ouvido abriu-se para ouvir um som distante ecoar pela madrugada: o galo cantou, pela terceira vez, ele cantou.

E então a “pedra” chorou e chorou. E clamou arrependida.

“Ainda que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei” (Mateus 26:23). “Mas ele o negou diante de todos, dizendo: ‘Não sei do que você está falando’” (Mateus 26:70). “O galo cantou” (Mateus 26:74b). “E saindo dali, chorou amargamente” (Mateus 26:75b).

O silêncio

por Luiz Henrique Matos

O silêncio. Se tem algo na crucificação de Jesus que me espanta é o silêncio. É claro que dia após dia ainda me sinto comovido com todo o propósito de Seu sofrimento por nós e a salvação que há n’Ele. Mas esse fato (como Ele mesmo diria) já “está consumado” nos corações e na história. Mas o silêncio…

Porquê Ele não falou nada? Porquê sofreu quieto, sem reclamar ou se defender? Porquê não condenou aqueles pecadores que blasfemaram e não quiseram crer? E se ali, na cruz, Ele dissesse: “Estou aqui por causa de vocês, ingratos. Estou morrendo no seu lugar!” Isso mudaria alguma coisa? Ele deixaria de ser o Filho de Deus e Salvador da humanidade?

Mas preferiu sofrer quieto. Em Suas últimas horas neste mundo não pregou o arrependimento, nem falou de morte ou ressurreição, não realizou milagres e tampouco se defendeu. E tantos à sua volta o agrediam com palavras, socos, pontapés, chibatadas, pregos, cravos. Foi humilhado, não reagiu e todos que se diziam Seus amigos também não fizeram nada.

E nesse grupo, ainda hoje, estou eu. Estou entre os que Lhe prometeram fidelidade e fugiram ao menor sinal de perigo. Estou entre os que clamaram por sinais e milagres mas que no Sinédrio apontaram o dedo gritando: “Crucifica!”. Estou como o discípulo que afirmou que morreria em Seu lugar mas que em apenas uma noite foi capaz de negar Seu Mestre por três vezes e também estou como o outro discípulo que O entregou aos guardas, com um beijo na face, por algumas moedas prata. Estou entre os soldados que O torturaram, cuspiram e pregaram no madeiro. Estou entre os fariseus hipócritas.

Sim, sou um deles, cada um deles, com suas atitudes e razões, lutando contra os impulsos da minha carne e buscando acreditar na Verdade que agora se cala. O silêncio.

Ironicamente, o silêncio que disse tudo. O silêncio que expôs a dor, revelou o amor e ensinou Sua misericórdia. Silêncio rompido pela voz fraca e os lábios trêmulos que enfim disseram o que mais me dói o peito: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”.

“Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça. Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça; por suas feridas vocês foram curados” (1 Pedro 2:23-24).

Amigo de pecadores

por Luiz Henrique Matos

Ele ainda é amigo de pecadores. Ainda senta-se à mesa com os publicanos e circula por aí falando com mulheres samaritanas, prostitutas e adúlteras. Ele ainda chama revolucionários para serem discípulos e pescadores de peixes para fisgarem almas. Escolhe jumentos para o conduzirem em meio ao povo, ainda visita a casa daqueles que ninguém mais gosta e prefere a simplicidade à tradições vãs. Ele ainda cura, liberta e salva os homens que a sociedade coloca à margem de seu padrão.

Ele ainda conta histórias para entendermos as coisas grandes e sobrenaturais que enxerga com tanta clareza. Ainda nos alimenta com sua palavra renovadora e com pão e peixe multiplicados.

Ele ainda chora por seus amigos, ainda remove pedras, montanhas e até ressuscita mortos. Ele ainda tem esperança em sua criação rebelde.

Ele ainda sente o toque na orla de sua veste, sente o poder saindo de si e ainda se curva para os que o buscam com fé. Ele ainda faz barro para curar cegos, ainda seca árvores infrutíferas, ainda anda sobre as águas e acalma as tempestades que nos assustam.

E se tudo não tivesse acontecido, Ele ainda rasgaria os céus e romperia o tempo para se fazer carne entre nós. Ele ainda lavaria pés, partiria o pão e serviria o cálice. Ainda choraria sangue em sua oração derradeira, ainda apanharia, receberia os insultos. E ainda ficaria quieto. Ainda morreria a pior morte, morte de cruz, ainda viria ao mundo na plenitude dos tempos, nascido do ventre de uma graciosa virgem.

Ele ainda provaria a que veio, ainda diria a mesma mensagem, talvez por palavras diferentes, mas com a mesma intenção. Ele, sendo Deus, ainda viria, vivendo em homem, para mostrar a esse que é possível vencer, quando se está em Deus.

E ainda hoje Ele faz coisas loucas para confundir as sábias. Ainda anda ao lado do povo, serve os que não se prestam a tal. Ele ainda vem para os doentes, os pobres, os cansados. Ainda carrega fardos. Ele ainda entra nas portas abertas e convidativas.

Ele ainda dá seu reino às crianças e o nega aos maldosos. Mas ainda perdoa, perdoa incansavelmente até os que se cansam de tanto pecar.

Ele ainda é o Nazareno, é o carpinteiro, é o Verbo que se fez carne. Ele ainda é o Messias, é o Cordeiro Santo, é Deus conosco, Emanuel. É o Leão da tribo de Judá, é o grande Eu Sou, é Filho de Davi, Filho do Homem, é o ungido de Deus. Ele é Cristo, Jesus Cristo. Ele é o que morreu e ressuscitou, e para sempre reconhecido como Senhor e Salvador.

Ele é o mesmo, ontem, hoje e sempre. Ele não veio para os sãos, veio para os doentes. Ele não veio para santos, veio para pecadores. Ele não veio para dizer, mas deixou outros dizerem a que veio: veio porque “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16).

Ele veio para você.

Serviço de entrega

por Luiz Henrique Matos

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” (Fernando Pessoa).

Não costumo falar muito sobre evangelização. Para ser sincero, até sofro em saber que não sou muito eficiente na tentativa de levar Cristo às pessoas. Atrapalhado, começo tratando de princípios cristãos, passo por questões teológicas, divago a respeito da Criação e só então chego em pontos mais fáceis de se “digerir” como: salvação, perdão e (até que enfim) Jesus. Em geral, nesse momento, meu amigo já está a ponto de dormir. Sou um desastre, mas sinto-me confortado pelas Escrituras ao acreditar que estou “plantando a semente” e talvez encontre alguém por aí em que frutifique…

E sabendo de Seu favor gracioso, que filho não é inspirado pelo mandamento do “ide” que Ele deixou a todos? “Se Ele fez tudo isso pela humanidade, porque então nem todos sabem disso? Preciso fazer a minha parte!”. Esse é um pensamento correto e lógico, mas infelizmente não é tão comum.

Daí a estranheza de nosso gesto quando queremos ver alguém que amamos entregar seu coração a Cristo, ser salvo e ver a família crescer. Em geral, nossa principal atitude é convidar essa pessoa para ir à igreja, na esperança de que aquele ambiente com o qual estamos tão habituados seja instantaneamente um lugar familiar e agradável para ela. Como se cristianismo se passasse por osmose.

Na maioria dos casos, um indivíduo só aceita um convite para visitar uma igreja por insistência de algum conhecido crente (e por vezes, chato). E em maior parte, só procura uma igreja espontaneamente quando está na fossa. Como diz um amigo: “Acho que Deus mora no fundo de um poço. Porque todo mundo que vai para o fundo do poço, quando volta diz: ‘Encontrei Deus'”.

Mas assim como alguns procuram uma igreja nesses penosos momentos, outros milhares buscam preencher esse “vazio” com ídolos, misticismos, vícios e outras tantas “soluções” mundanas que são tão divulgadas hoje em dia. É até moderno ser místico, holístico ou crer em “algo diferente”. Agora, Jesus que é simples, prático e vivo, tornou-se “careta” para a nossa sociedade.

Atribui-se a Martinho Lutero a frase: “O homem nasce com um buraco no coração, que tem a medida exata de Deus”. Todos nascem com essa carência e muitos passam a vida procurando respostas, sem conseguir preencher esse espaço.

Pois Deus confiou aos Seus filhos a tarefa de transmitir Sua verdade e alcançar essas ovelhas perdidas. Ele não disse: “traga as pessoas para Jesus”, Ele ordenou: “Vá, pregue o Evangelho e faça discípulos. E os milagres que me viu realizar, também o acompanharão!” (Marcos 16, 15:18 – parafraseado). Nosso objetivo não deve ser o de conduzir pessoas a Jesus, mas justamente o contrário, precisamos levar Jesus às pessoas. E para “entregar” Jesus a alguém, precisamos primeiro nos entregar a Ele, diariamente, a cada instante.

“Pregue em todo o tempo, se necessário use palavras” (São Francisco de Assis).

Se o Senhor inspira o Seu coração em amor por alguém, mostre a essa pessoa o cristianismo. Mas não é o cristianismo dos livros, da teologia ou da igreja. Também não é o cristianismo do seu pastor, líder ou de um irmão experiente. Mostre a ela o verdadeiro motivo de você ser chamado “cristão”, deixe transbordar a presença de Deus que há em você.

Sendo tocada por esse amor de Cristo, ela vai querer conhecer qual é a fonte de onde nascem essas águas (vivas) da qual você bebe e vai sentir fome pelo alimento de bom cheiro que tem comido. E atraída por essa essência, poderá experimentar do amor incondicional de Deus sobre si.

Aí sim, você poderá ter o privilégio de abrir as grandes portas e chamar: “Venha meu irmão e seja bem vindo ao Reino eterno de nosso Pai”.

Sobre guerreiros e pigmeus

por Luiz Henrique Matos

(O texto abaixo tem como propósito ser uma analogia para a nossa postura dentro das comunidades e em nossa conduta cristã. Reconheço que pode soar um tanto preconceituoso quanto à questões físicas e étnicas de alguns povos, mas isso não condiz com a intenção real, que é sempre a de edificar a caminhada com Cristo – escrevo esse comentário depois do texto já divulgado em outros meios, obrigado ao Tonho pela observação).

* * *

Alguém disse certa vez, talvez um professor, que existe uma razão para alguns homens serem mais altos do que outros, a exemplo de algumas tribos africanas onde chegam a medir quase dois metros em contraste a certas comunidades de pigmeus, também africanos, que mal chegam a um metro e trinta.

Conta a história que no tempo em que nossos ancestrais começaram sua peregrinação pelo mundo, o macho tinha por função sair diariamente para a caça e trazer para casa o alimento que supriria a necessidade de sua família (eram tempos em que as geladeiras não existiam). Nessa jornada errante, algumas tribos foram viver em desertos e grandes planícies (no exemplo acima, é o caso dos africanos) e outras firmaram suas moradias nas florestas (os pigmeus).

Segundo a (provável) teoria do (também provável) professor, a caminhada por grandes campos e planícies criou em alguns homens a necessidade de ampliar o seu campo de visão diante de um horizonte tão longínquo. Essa necessidade, ao longo de anos e anos, gerou homens com biotipos mais altos e reconhecidos como grandes guerreiros e caçadores. E muito disso é por conta de sua excelente capacidade de visão e pela estatura.

Quanto aos pigmeus, cresceram em meio às florestas. Esse “habitat” sempre os impediu de ver mais do que alguns metros adiante e sua necessidade de visão limitava-se aos espaços e detalhes que os cercavam. Diante de tal cenário, seu corpo nunca foi dos mais avantajados. Enxergavam muito bem no estreito ambiente à sua volta mas eram facilmente atacados pelas feras quando expostos a um campo muito grande. A tática para não serem devorados era abaixar e se esconder, afim de passarem desapercebidos.

Hoje, as nossas igrejas estão cheias de “pigmeus”. Crescemos dentro de pequenos espaços e nos limitamos a olhar para os empecilhos que nos cercam, as lutas particulares, as dificuldades em nossas comunidades e nos esquecemos da “visão de Reino” que o Jesus nos deixou como tarefa. Precisamos passar mais tempo no deserto, encarar a planície e compreender que fomos criados para enxergar a partir de uma visão alta e global. Assim como Deus.

Quando deixarmos de olhar para os obstáculos de baixo para cima e os observarmos de cima para baixo, compreenderemos que os problemas não são afinal tão grandes. No momento em que lembrarmos que o mundo não é constituído apenas pela pequena floresta em que habitamos e suas dificuldades rotineiras, mas é na verdade uma enorme massa em movimento, saberemos então que essas tribulações são ínfimas diante do “todo”, que devemos ser guerreiros preparados para as batalhas e que afinal de contas, a Terra é redonda e quanto mais altos formos, mais longe enxergaremos.

Então veremos um mundo realmente grande. Veremos nossos irmãos sendo perseguidos de um lado, veremos a igreja carente de outro, os povos sofrendo por toda a parte, a sede de Cristo vindo daqueles que nem ao menos sabem que Ele veio. Entenderemos a necessidade e o valor de nossa intercessão, aprenderemos que a Terra não se resume ao nosso umbigo e enfim teremos implícitos em nossos corações o verdadeiro significado de expressões como: servir, amar ao próximo e crescer… crescer para ver longe.

“Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o céu é mais alto do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” (Isaías 55:8-9).

Não fomos concebidos para viver perdidos em meio à floresta, sem visão, tropeçando em qualquer pedra que cruze o nosso caminho e nos escondendo das feras. Mas fomos feitos à semelhança de Deus para crescer e ter visão… visão do alto, visão ampla e plena, conscientes e batalhando pelas bênçãos e promessas que Deus sonhou para nós, todos nós.